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Casa Marx em Madri | Grande inauguração da Casa Marx em Madrid: um espectro ronda Vallekas

Mais de 250 pessoas compareceram neste sábado, 2 de dezembro, à inauguração da Casa Marx, no bairro madrilenho de Vallekas. Um novo espaço para as ideias do socialismo revolucionário desde a base, a cultura e a organização política de mulheres, jovens, das imigrantes, das trabalhadores e dos trabalhadores contra o capitalismo e as ideias da classe dominante.

segunda-feira 4 de dezembro de 2023 | Edição do dia

Passado alguns minutos da sete da tarde quando a sala principal da Casa Marx já transbordava de gente. O destaque foi a imensa quantidade de jovens que chegaram em grupos para somar ao ato de inauguração, junto a vizinhas do bairro, trabalhadores, ativistas e militantes. Os visitantes foram convidados a conhecer as salas e espaços da Casa Marx: no andar de cima, o estúdio e sala de conferências (com uma exposição de fotos contra o genocídio na Palestina), a livraria com as Edições IPS, e o bar para sentar e conversar. No andar de baixo, a sala de reuniões e biblioteca, o estúdio de gravação de vídeos e podcast, a redação do Izquerda Diario e um salão multiuso, onde podia-se ver uma exposição de fotos da história de lutas operárias e populares em Vallekas.

A noite começou com um emocionante sarau de leitura de poesia palestina organizado por jovens do coletivo Contracorriente. Mary Rodríguez o apresentou deste modo: “Gostaria de compartilhar com as companheiras alguns versos de Marwan Makhoul, que viralizaram algumas semanas atrás, que seguem assim: Para escrever uma poesia que não seja política, devo escutar os pássaros, mas para eu conseguir escutar os pássaros, é preciso que cessem o bombardeio. Viva a Palestina livre!”.

Os poemas tocantes, acompanhados das imagens do genocídio expostas na tela gigante, e também de fotografias do movimento de solidariedade com a Palestina no mundo todo, emocionaram a sala. Com o grito “Do rio ao mar, Palestina vencerá!”, todas e todos presentes renderam uma homenagem à luta do povo palestino contra a ocupação sionista.

Continuando o evento. Irene Olano e Josefina Marínez apresentaram ato de inauguração, no qual tomaram palavra companheiras e companheiros da CRT e as agrupações Pão e Rosas e Contracorriente, assim como amigos da Casa Marx, ativistas, e personalidades de esquerda que se somaram às saudações e aos desesjos de sucesso para esse novo projeto coletivo.

Bibi, jovem secundarista e uma das porta-vozes da agrupação Contracorriente, se encarregou de puxar o ato central. “Nos disseram que as guerras eram coisa do passado... eu tenho 18 anos, já vi umas tantas e hoje vejo um verdadeiro genocídio na Palestina. Os que nos disseram essa mentira esqueceram de mencionar que seus interesses imperialistas estão por cima da aclamada paz” assinalou Bibi, que, junto com outros jovens da Contracorriente, vieram participando de greves estudantis, assembleias e ações de solidariedade pela palestina nas escolas, universidades e bairros.

“Queremos que a Casa Marx seja uma semente contra a resignação. Para demonstrar que por mais que os fascistas se sinta encorajados, a rebeldia só pode ser da esquerda, e que precisamos de uma esquerda que queira acabar com esse sistema capitalista, sinônimo de exploração que nos oprime e rouba nossas vidas”, disse em outro momento de sua intervenção.

Os aplausos intercalaram com a intervenção da oradora seguinte, Ana Encinas, médica da atenção básica de Madri e lutadora reconhecida por defender a saúde pública. Ana agradeceu aos organizadores pelo convite, destacou a presenta de tantos jovens e desejou que a Casa Marx seja “um espaço de informação, debate, de arte, beleza, tão necessários e que devemos reivindicar”, enquanto chamou também a continuar a luta “em defesa da saúde pública, porque também precisamos de cuidado”.

Depois dela, Esteban, jovem trabalhador precário e militante da CRT, explocou que durante muitos anos trabalhou na hotelaria, e que agora trabalha na logística, setor que emprega milhares de jovens trabalhadores e imigrantes, onde há despotismo da patronal, salários de miséria e as burocracias sindicais estão ausentes.

“Estamos convencidos que esse enorme batalhão de nossa classe vai se levantar, cedo ou tarde. Sem pedir permissão a ninguém e recuperando as melhores tradições e métodos de luta da classe operária. Por isso, desde a CRT, queremos que a Casa Marx sirva para esse propósito, para nos reunir, para nos divertir, para impulsionar a auto-organização da classe trabalhadora. Em Vallekas, um dos corações da classe trabalhadora madrilena, queremos preparar as próximas lutas que virão. E também, dizemos com orgulho, queremos construir um mundo socialista.”

Mario Espinoza Pino, escritor, pesquisador universitário e ativista, somou-se às saudações, celebrando a presença de “tanta gente com tanta gana” no primeiro dia em que a Casa Marx abriu suas portas. Ao conhecer o projeto “em um bairro como Vallekas, um marco da classe trabalhadora madrilena, só posso dizer que quis estar aqui, quis apoiar e contribuir da melhor maneira possível a este espaço”.

“No meu caso, trabalho em uma universidade, pesquiso no campo do marxismo, e nesse terreno, gostaria de participar, colaborar, no âmbito da formação e em outros campos”, completou. “Estamos vivendo um nível de opressão social bestial, temos guerras, guerras e capital por toda parte, estamos em um momento no qual também cresce o racismo de forma descomunal com a extrema direita, não é um fenômeno espanhol, o e o que podemos fazer é contestar, organizando-nos, lutando juntas e tendo uma visão crítica e também avançada do que é o marxismo, um marxismo anticolonial, um marxismo anti racista, uma visão à altura da época que coloca exigências que não são as mesmas de 100 anos atrás. Temos que estar aqui, apoiando a Casa Marx, temos que lutar em Vallekas, temos que fazer com que floresçam mais espaços como este em mais bairros, em mais povoados da Comunidade de Madri golpeada por Ayuso... [presidente da Comunidad de Madrid, NdT] Temos que voltar a nos organizarmos, voltar às ruas e lutar. E a Casa Marx creio que será um espaço fundamental para recuperar o pulso das ruas e das lutas.”

Logo chegou a vez de Rub e Alejandra, companheiras do Pão e Rosas, que explicaram a importância e a atualidade da luta por um feminismo anti racista e socialista.

“Nestes anos as mulheres tem estado à frente da luta contra a violência, o machismo a precariedade do trabalho e as guerras imperialistas... também vimos a extrema direita responder a isso. De fato, as mulheres, o feminismo e os imigrantes tem sido os principais alvos dos ataques da extrema direita” assinalou Alejandra. Também colocou que “a uma direita racista não vamos deter com um governo supostamente progressista que se nega dar documentos aos imigrantes, e que tem Marlaska como ministro que saúda a ação das forças de segurança em Melilla”.

Por sua vez, Rub disse que: ‘Temos que ter claro os companheires de Pão e Rosas que as pessoas LGBT devem lutar por nossos direitos, mas não de maneira isolada, e sim com o resto da classe trabalhadora, pois só lutando contra o capitalismo poderemos conquistar um mundo novo onde possamos amar quem quisermos, onde não exista machismo nem lgbtfobia e ondem possamos ser quem queremos ser, sem opressão nem exploração.”

Josefina Martínez, historiadora e jornalista, editora da revista Contraponto e Edições IPS do Estado espanhol tomou a palavra em seguida e respondeu a pergunta “porquê Casa Marx?”.

“Porque a luta contra o capitalismo, um sistema irracional e destrutivo que vive do sangue de milhões de trabalhadores e trabalhadores em todo o mundo, segue sendo atual. Porque, como disse Marx, o capital chegou despejando sangue e lama, e segue espoliando povos inteiros. O capital segue gerando guerras, crises, genocídios, precarização, opressões de todo tipo, sendo uma máquina de pisotear subjetividades”, explicou, e continua “porque o desenvolvimento tecnológico permitirá que toda a humanidade trabalhe menos, dedicando tempo ao estudo, ao ócio, à cultura, enquanto o sistema atual a utiliza para aumentar a exploração”.

“Em um polo, estamos vivendo o regresso de ideias reacionárias, patriarcais, machistas, transfóbicas, racistas e colonialistas. Mas no outro polo, no mundo todo, há jovens que começam a pensar que, se os fascistas atacam o comunismo, é preciso conhecer o que é o comunismo. E com a Casa Marx queremos contribuir para que muitos jovens se aproximem da ideia do marxismo. Nosso marxismo é o de Marx, Engels, Lenin e Trotski, Gramsci e Rosa Luxemburgo. É também um marxismo vivo que trata de pensar os desafios do século XXI, o contrário do pensamento único da ditadura stalinista, porque lutamos por um socialismo desde a base.”

Por isto, assegurou: “esperamos que a Casa Marx possa contribuir a este projeto com palestras, seminários, filmes, com a Biblioteca, com nossa editora IPS e o suplemento ideológico Contrapunto, nosso canal de Youtube e o campus virtual Karl Marx”.

Uma das saudações mais esperadas da noite foi de Ángel Cappa, ex jogador de futebol, treinador e escritor, quem também felicitou a abertura da Casa Marx com muito entusiasmo.

Cappa referiu-se à demagogia que faz a direita com termos como “liberdade”, como o caso de Milei na Argentina ou Ayuso no Estado espanhol. E também refletiu que a ideia de “democracia” no capitalismo é muito restrita, apenas votar a cada quatro anos, em meio a grandes manipulações midiáticas. Por isso, disse que “para nós a democracia é outra coisa, é participar da construção de uma sociedade diferente do capitalismo. (...) Um sociedade que precisamos construir”.

“Essa é a tarefa importantíssima que tem um espaço como esse, ir formando uma mentalidade distinta, que é a do comunismo. Porque esta sociedade sacraliza algumas palavras e demoniza outras. Sacraliza o capitalismo, inquestionado. Inclusive pelo que se chama de esquerda, o Partido Socialista Obrero Espanhol, que nada tem de socialista e nem de operário. Assim como o Sumar e o Podemos, que dizem estar à esquerda do PSOE. E são simplesmente partidos que querem gerir o capitalismo amigavelmente. [Aplausos] Quer dizer, não questionam nada do capitalismo. Dizem que é utópico querermos uma sociedade distinta, mas não há maior utopia do que acreditar que o capitalismo pode ser amigável. (...) Este se baseia na exploração do homem, e nós não queremos isso, queremos uma sociedade solidária.”

“O capitalismo tem um slogan, diz: a liberdade de cada um termina aonde começa a liberdade do outro. Quer dizer, o outro limita a minha liberdade, é um obstáculo para a minha liberdade. Nós dizemos que a liberdade de cada um começa com a liberdade do outro. E o outro não é libre, eu não poderei ser livre. Essa éa sociedade que temos que fazer, temos que construí-la”.

Cappa também se referiu ao genocídio de Israel sobre a Palestina e denunciou o papel dos meios de comunicação em falsificar a realidade, apresentando como um “conflito” quando se trata de um genocídio, colocando que é muito importante questionarmos os discursos oficiais.

“Espaços como este, que eu celebro e festejo, existem para isso, para que nós tenhamos nossa própria visão da realidade, para poder modifica-la. Essa é a tarefa enorme que temos pela frente e festejo muito que haja este espaço e que tantos jovens sigam nesta tarefa”, disse ao finalizar sua intervenção entre aplausos e saudações do público.

No ato de inauguração da Casa Marx também participou Verónica Landa, militante da CRT na Catalunha, docente e redtora do Izquierda Diario / Esquerra Diari, quem tomou a palavra para felicitar suas companheiras e companheiros de militância pela inauguração do novo centro cultural. Casa Marx se abre “no bairro que eu nasci e me criei até ir para a Catalunha, e fica a minutos da escola aonde estudei, o que me faz pensar o quão diferente teriam sido os meus anos de ensino médio se houvesse um local como a Casa Marx existisse à época e estivesse aberto para que a juventude pudesse vir aqui discutir sobre todas estas ideias e ter este espaço de organização”.

Landa destacou que a CRT vem lutando no movimento de solidariedade com a Palestina e reivindicou “a luta que estamos dando as que, como eu, são professoras da educação pública, nos organizando contra a imposição para que não falemos da Palestina em nossas aulas”.
Desta forma, referiu-se ao debate da lei da anistia dos últimos meses, que permitiu a formação de um governo “progressista”, denunciando que esta é “uma anistia parcial que deixa de lado milhares que sofreram represália”, e que “este governo se assentou sobre a base de por uma nova algema sobre o povo catalão, e o fez assim graças à política do PSOE e do Sumar, mas também dos partidos da burguesia catalã”

Ao finalizar, Landa reivindicou “a Madri que não é de Ferraz nem de Auso, mas a Madri operária e popular, que quando nos reprimindo em 1 de outubro de 2017, saíram à defender o direito de decidir do povo catalão, denunciando a repressão”, palavras que arrancaram um aplauso forte do público.

Continuando, tomou a palavra Elena Ortega, ativista reconhecida de Vallejas e lutadora contra a repressão, que também se somou saudando a inauguração da Casa Marx.

“Quero agradecer que me tenham convidado para participar da inauguração da Casa Marx, porque me encheu de alegria entrar aqui. Não posso evitar, porque tenho um vínculo e uma conexão muito grande com toda a juventude antifascista, combativa e revolucionária, como todas as que estão aqui”, disse entre os primeiros aplausos que suas palavras arrancaram. “Quero agradecer essa iniciativa tão imprescindível e tão necessária, um espaço autônomo, autogestionado, de liberdade para poder nos organizar, para poder combater esse sistema genocida e criminoso que é o capitalismo”.

“Confio plenamente na ultilidade que terá esse espaço, creio que é imprescindível. Porque não temos outra opção, dada como está a situação, para nós, a classe trabalhadora, a nível internacional e aqui. Não temos outra opção que não nos organizar, lutar, nos revelar e combater. Para isso precisamos de ferramentas, e uma delas é a formação ideológica, a capacidade de análise, a capacidade e crítica, que é algo que nos é castrado no doutrinamento educacional”, disse. E terminou sua intervenção destacando a necessidade de forjar ferramentas para nos defendermos da repressão, como a solidariedade, desejando “um futuro muito próspero à Casa Marx” e “que viva a juventude revolucionária, antifascista e combativa!”.

Para fechar o ato central, Lucía Nistal, portavoz da CRT, voltou a agradecer todas as presentes, e “às camaradas que trabalharam duríssimo para termos hoje esta inauguração, a todas as companheiras de outras organizações e movimentos sociais que nos acompanham hoje, esta também é sua casa. A Casa Marx, no mítico bairro de Vallekas, bairro operário, popular, bairro de luta, como vimos na exposição e agora nestas mobilizações em solidariedade com o povo palestino.”

Nistal fez um breve informe sobre o ciclo político que chegou ao fim, recordando que “há alguns anos, durante o 15M, gritávamos nas praças ‘PSOE e PP são a mesma merda’, mas depois esse movimento foi canalizado e desviado para a ia institucional para um governo com o PSOE, no qual o Podemos cumpriu um papel central, para ajudar a restaurar um regime em crise. O mesmo faz agora o Sumar, em uma versão mais moderada e mais ligado ao PSOE”.

Nistal prosseguiu dizendo que “necessitamos de outra esquerda, uma esquerda revolucionária e socialista, companheiros e companheiras, porque não podemos permitir outro desvio assim, porque agora a direita está encorajada, saindo às ruas vestida com a bandeira da Espanha (...) temos que responder saindo às ruas todas nós, as que eles mais temem: as mulheres, o coletivo LGBTI, as imigrantes, as racializadas, a juventude.. a classe trabalhadora! E para essa tarefa colocamos todas as nossas forças desde a CRT, junto com a Contracorriente e Pão e Rosas, as companheiras do IPS, do Iquierda Diario. E queremos também dizer que nos acompanhem nesta tarefa”.

Nistal terminou seu discurso de forma muito emotiva, relembrando que sua avó faleceu neste mesmo dia, pessoa que a transmitiu “um amor pela vida, pelas outras pessoas, uma dor contra a injustiça, e pensava nestes dias, enquanto eu a via se apagar, que isso me fez ser como sou, e que fez com que eu cometa o que me parece ser o maior ato de amor e de liberdade que se pode fazer, que é militar para as gerações futuras”.

“Que a Casa Marx seja o lugar de encontro, organização, camaradagem, troca, debate e construção deste partido e dessa esquerda revolucionária e socialista da qual precisamos para que essa vida mereça de verdade ser vivida! Viva a luta da classe trabalhadora e viva a Casa Marx!”, disse, entre aplausos emocionados.

O ato terminou com muito entusiasmo por parte do auditório, um clima de alegria e solidariedade. Chegou o momento da música para dançar: Pilar AUsens, cantando com teclado, e as bandas Caña y Media, e Saymo, que colocaram ritmo e diversão a uma grande jornada que foi, para todas e todos, muito melhor do que o esperado.

A Casa Marx abriu suas portas, e está só começando.




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