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Saúde mental | 9 pontos críticos à perspectiva biologizante da saúde mental no capitalismo

Selecionamos 9 trechos do texto “A gênese histórico-social da depressão e da bipolaridade”, de Melissa Rodrigues de Almeida, em que se critica a perspectiva biologizante da saúde mental e aponta caminhos da gênese social do sofrimento psíquico, produzido pelas relações sociais capitalistas.

Mafê MacêdoPsicóloga e mestranda em Psicologia Social na UFMG

terça-feira 30 de janeiro | Edição do dia

Não é nada surpreendente percebermos como a ideologia burguesa rejeita ou diminui qualquer traço da determinação social do sofrimento psíquico. Entre os principais esforços nesse sentido, a ciência hegemônica trabalha por uma biologização vulgar das questões de saúde mental, reduzindo a causa do sofrimento a uma alteração neuroquímica no cérebro de determinados indivíduos.

Nesta nota, selecionamos trechos importantes do texto “A gênese histórico-social da depressão e da bipolaridade” de Melissa Rodrigues de Almeida que compõe o livro "Psicologia Histórico-Cultural na Universidade (volume II) : saúde mental, sofrimento psíquico e psicopatologia". Trata-se de momentos-chave do escrito - que merece ser lido na íntegra - em que se critica a perspectiva biologizante da saúde mental e aponta caminhos da gênese social do sofrimento psíquico.

1) “Basaglia (1979) já denunciava como a psiquiatria tratou de abstrair a ‘doença mental’ da totalidade da pessoa e afirmava a necessidade de olhar para a pessoa em sofrimento como um ser humano com todas as suas necessidades, para se buscar responder não a uma doença abstrata, mas ao seu ser social e político”.

2) “Refutamos as teorias que imputam apenas ou centralmente aos aspectos biológicos a causa do sofrimento psíquico, fazendo-o parecer um fenômeno natural e individual. Ao contrário, pressupomos que o desenvolvimento humano se dá com base na unidade biológico-social e que, conforme esclarece Leontiev (1978a), embora os sistemas psicológicos dependam de suas propriedades biológicas, não são por elas determinados”.

Aqui é fundamental entender que há sim uma instância neurológica no sofrimento psíquico, o que, contudo, não implica causalidade. Em outras palavras, podemos encontrar baixa serotonina em casos de depressão, mas isso não diz nada sobre a sua causa. Além disso, a perspectiva biologizante não consegue explicar o porquê de algumas pessoas específicas apresentarem essa baixa neuroquímica enquanto outras não. Os trechos seguintes apontam para o papel da história de vida e das relações sociais como determinantes para o sofrimento psíquico:

3) Por exemplo, os chamados transtornos do humor “são resultantes de processos críticos característicos das relações sociais atuais e se inserem na história de vida da pessoa, envolvendo o conjunto de sua personalidade e passando também a constituí-la.”

4) “As vivências – de desgaste no trabalho, de assédio moral, de violência sexual, de preconceito, de situações de humilhação, de agressões homofóbicas, de casamento ou gravidez indesejados, entre tantas outras – que geraram essa dor de viver não deixam de fazer parte da história de vida”.

5) “Marx (1849/2006) esclarece que o trabalho, como força de trabalho em ação, é atividade vital, portanto, é manifestação de sua vida. Na sociedade capitalista, marcada pela alienação, entretanto, há uma inversão, pois, para garantir a vida, é preciso vender essa atividade vital, transformando-a em um meio de vida”.

6) “De acordo com Martins (2007), no capitalismo há um estreitamento do campo de atividades disponibilizado para a grande maioria das pessoas, com primazia de atividades que conformam a força de trabalho com benefício para o capital em detrimento do desenvolvimento dos indivíduos”.

7) “Nessa mesma direção está o argumento de Basaglia e Basaglia (1979/2005), quando afirmam que o sofrimento advém de um desencontro entre as necessidades antagônicas do grupo social dominante e as do indivíduo, cuja subjetividade reage e recusa o espaço restrito que lhe é concedido. E quando o sofrimento se expressa de maneiras irracionais e incontroláveis (resultantes de sua irrefreabilidade e da ausência de outras formas de comunicá-lo em alguns momentos), a etiqueta de ‘doença mental’ vem para naturalizar sua origem social (BASAGLIA; BASAGLIA, 1979/2005)”.

8) “De algum modo, aparece nestes autores uma concepção do adoecimento como resistência à lógica opressora e violenta do capital, que institui regras, interdições, tabus, proibições, repressões; divisões de classe, de raça, de gênero; abusos de poder, injustiças e humilhações, violência organizada e permanente. Nesse processo, de impossibilidade de objetivar suas necessidades, estas podem se expressar de modo confuso ‘[...] para gritar a angústia, a fúria, a raiva, a cisão, a fratura; ou para chorar a impotência’ (BASAGLIA; BASAGLIA, 1979/2005, p. 296)”.

9) “Assim, parece-nos que o sofrimento psíquico pode advir tanto de uma tentativa de adaptação quanto de uma resistência à adaptação a uma norma social que de algum modo entra em choque com as necessidades e motivos do indivíduo”.

A noção de uma ciência neutra, separada da política, reproduz o falso paradigma biologizante que, de um lado, visa naturalizar a exploração e as opressões sofridas pela classe trabalhadora e, de outro, busca a manutenção e o aumento da produtividade através do mercado de medicamentos psiquiátricos, extremamente lucrativo em uma realidade cada dia mais adoecida.

É urgente que batalhemos para repolitizar a saúde mental, tanto para oferecer um melhor cuidado às pessoas em sofrimento, quanto para desafiar este sistema miserável que naturaliza, atomiza e responsabiliza o indivíduo pelo sofrimento que lhe é imposto.




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