×

89 dias | A extrema direita com o retorno de Bolsonaro ao Brasil

Após 89 dias nos EUA, Bolsonaro retorna ao Brasil na mira de investigações e como principal liderança da extrema direita na oposição ao Governo Lula-Alckmin. A via institucional, baseada na conciliação de classes para preservar o regime político, é capaz de derrotar o bolsonarismo depois da fracassada tentativa de golpe do dia 08/01?

Felipe GuarnieriDiretor do Sindicato dos Metroviarios de SP

sexta-feira 31 de março de 2023 | Edição do dia
Breno Ezaki/Metrópoles

Na manhã dessa quinta feira (30/03), Jair Bolsonaro desembarcou no Aeroporto Internacional de Brasília, recebido por uma comitiva do PL formada por Michelle Bolsonaro, Valdemar Costa Neto e o General Braga Neto, além de outros simpatizantes.

As convocações nas redes sociais da "Volta triunfal", reuniu algumas centenas de apoiadores no saguão principal, porém eles tiveram que se contentar em cantar o hino nacional, e como de costume provocar jornalistas. Isso porque, a PF já havia organizado junto com a Polícia Militar do DF, um esquema de contenção, no qual Bolsonaro teve que sair por uma rota alternativa e em carro fechado, sem passar pela aglomeração.

Segundo a assesoria de imprensa do PL, seguiu direto para a sede do partido, onde foi recebido por parlamentares aliados e participou de evento fechado. Contrariando o esperado, o ex-presidente golpista a noite não participou presencialmente da posse oficial da deputada bolsonarista Bia Kicis (PL- DF) como presidente estadual da legenda. Limitou-se a mandar uma mensagem por ligação transmitida no evento pelo celular de Michelle.

O retorno de Bolsonaro ocorre em meio a um contexto contraditório. Por um lado, oportuno, quando o governo Lula-Alckmin passa pelo seu primeiro desgaste político e econômico, principalmente na relação com Arthur Lira no Congresso. De outro, pressionado pelas instituições, e pelos inquéritos abertos, como a oitiva na PF marcada já para quarta feira (05/04) do caso das joias sauditas trazidas irregularmente ao Brasil.

Congresso Nacional | A queda de braço de Lira e os primeiros desafios do governo Lula no Congresso

Além disso, Bolsonaro é alvo de mais duas investigações. Uma aberta pelo STF, que apura a sua relação com os atentados golpistas do dia 08/01 no Palácio do Planalto. E a outra pelo TSE, sobre a reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada durante as eleições do ano passado, transmitida pela TV pública, onde as declarações de Bolsonaro colocavam questionamentos infundados de fraude no processo eleitoral. Essa última, Bolsonaro se condenado, corre o risco de cassação, o que o deixaria inelegível para uma eventual disputa presidencial em 2026.

Por mais que minimize em suas declarações recentes, Bolsonaro é a principal figura da extrema direita para liderar a oposição, com a poderosa bancada de deputados e senadores do PL no congresso e no Senado. Nesse cenário, recentemente reverberou nas redes um dos centros da política da extrema direita de "CPI do MST". Justamente com o objetivo de criminalizar os movimentos sociais, unificando a sua base de apoio na bancada ruralista, e também para conter as iniciativas de Lula no Agro, como sua recente viagem a China com empresários bolsonaristas.

Entretanto, essa liderança é acompanhada de rusgas com seus aliados, como o proprio comandante do PL, Valdemar Costa Neto.

Ao mesmo tempo que Bolsonaro é empossado presidente honorário do PL e fala em "ajudar o Partido se fortalecer nas eleições municipais de 2024", em recente evento marcado pela posse de Michelle como presidente do PL Mulher, foi nítido o incômodo de Bolsonaro com Costa Neto. Por vídeo deu um recado direto a legenda, dizendo ser ele o responsável pelo crescimento do Partido, e que pode sair quando quiser. Nos bastidores, Bolsonaro também proibiu a participação de Michelle em viagens oficiais sem a companhia dele.

A aproximação de Costa Neto oferecendo cargo e verbas partidárias a Michelle, não somente atua para fomentar o racha na família Bolsonaro, contra os 3 filhos do Presidente. Como também, ressalta o pragmatismo estratégico do presidente do PL, que se sobrepõe ao projeto golpista de Bolsonaro. Costa Neto está fundamentalmente preocupado em ampliar o número de prefeituras do PL em 2024, e assim ter condições de eleger mais deputados que corresponde, consequentemente, ter mais verba de fundo partidário em 2026.

A aposta em Michelle se dá por alguns fatores:

a-) pelo maior controle da ala bolsonarista que Costa Neto consegue exercer do ponto de vista partidário.

b-) Michelle representa um eleitorado estratégico que são as mulheres. Segundo dados do IPEC, o núcleo duro do bolsonarismo é representado por 51% de mulheres, índice superior ao próprio correspondente Lulista, representado por 49% de mulheres (apesar que em números absolutos o eleitorado feminino petista é bem superior). E isso ocorre pela influência da Igreja Evangélica, a qual Michelle é uma representante mais "orgânica" do que os filhos do presidente. Apesar de ser pouco atuante nas redes sociais, no Instagram já é a segunda da família a ter mais seguidores.

c-) 2026 ainda está longe para o líder do PL. Permanece incerto a elegibilidade até lá do próprio Bolsonaro, e Costa Neto não descarta, como já faz menções públicas de apoio a candidatura de Michelle.

Essas movimentações, todavia, não podem distorcer a real análise da relação de forças da capacidade que Bolsonaro possui como representante máximo das forças políticas e sociais da extrema direita. Esse capital político, não foi derrotado após os atentados golpistas do dia 08/01 pela reação institucional articulada entre o novo Governo de Frente Ampla, e o STF, na figura de Alexandre de Moraes.

Vladimir Safatle, em seu recente artigo publicado na Revista Piauí- A insurreição da extrema direita, ao analisar os episódios do "capitólio brasileiro", caracteriza como o Brasil é um laboratório para, segundo o filósofo, a fase insurrecional da extrema direita mundial. Em suas palavras:

"Nesse contexto, ’fase insurrecional’ significa que a extrema-direita mundial tenderá, cada vez mais, a operar como força ofensiva anti-institucional de longa duração. Força essa que pode se expressar em grandes mobilizações populares, em ações diretas, em formas de recusa explícita das autoridades constituídas."

Safatle, problematiza, como a luta anti-institucional, através de metodos, no passado capitaneados pela esquerda. Combinado da abnegação e sacrifício individual para destruição de representações de poder e construção de um novo tipo de estruturas dominação, são os principais fatores que explicam hoje o fenômeno social do bolsonarismo. Essas causas, são diferentes para ele, dos efeitos aparentes que geralmente são utilizados para retratar a extrema direita. Um conjunto de explicações deficitárias, baseadas em aspectos cognitivos, psicológicos e morais.

Para isso, Safatle, utiliza-se de uma interessante metáfora do conceito estético, demonstrando como o modernismo brasileiro, além de um movimento artístico, constituiu-se no Brasil como um projeto de estado. Baseado em conciliar os interesses de modernização da burguesia brasileira, pela via de uma revolução por cima, integrado ao conservadorismo do regime comandado por Vargas na década de 30. Em contrapartida, o filósofo demonstra como o integralismo (versão do fascismo brasileiro) possuía uma estética que se contrapounha ao modernismo, sem contestar o capitalismo, porém extraindo dele o ideário de resgate da essência do homem colonial.

Se tal reflexão é profunda no sentido de explicar o fenômeno do Bolsonarismo. Ela é insuficiente, no sentido de localizar as tarefas hegemônicas da esquerda operária na etapa de crise orgânica internacional, marcada pela crise de dominação burguesa.

A compreensão desse processo significa em primeiro lugar na superação de mediações de conciliação de classe, como alternativa ao projeto de poder da extrema direita. No Brasil, passa em estabelecer uma visão contestadora do pacto social burguês objetivado pelo PT, na sua constituição de um governo de Frente Ampla, junto com golpistas de outrora, para preservar os interesses econômicos do capital imperialista e nacional.

O papel do PT exerce conscientemente uma pressão institucional em toda a esquerda. Exemplo mais evidente é o PSOL que integra o governo, compartilhando dessa maneira da sua agenda anti-operaria, e neutralizando alternativas independentes que possam surgir a esquerda do PT. Mas não só isso, toda a esquerda, inclusive os setores mais radicais hoje são pressionados a defender medidas bonapartistas do STF, que estrategicamente atuam contra a classe trabalhadora. Desde comemorar e exigir acriticamente prisões, até defender teorias que lutar hoje é um fator de instabilidade que só favorece a ação da extrema direita.

Ou seja, se a extrema direita assume uma localização "anti-institucional ", a resposta da esquerda não pode ser, transformar-se na guardiã da constituição das instituições burguesas. Essa estratégia rompe com o princípio fundamental da independência de classe, determinante para consolidar a hegemonia operária na superação capitalista.

Luta de Classes na França | França: novamente milhões nas ruas. “Dialogar” com Macron ou radicalizar a greve?

Cabe aos revolucionários orientarem a sua intervenção na geopolítica e na estrutura econômica, a partir da perspectiva estratégica da luta de classes. O processo histórico de revoltas que ocorrem na França são provas cabais de como a fase insurrecional da atual etapa não está condicionada apenas as forças da extrema direita. Pelo contrário, reforçam a necessidade de uma estratégia da esquerda que transformem essas revoltas em revolução, e não em conservação da ordem econômica dominante.

Se no Brasil, a dinâmica francesa ainda não está colocada, isso não resulta dizer que tal conjuntura não pode mudar de forma abrupta. E no mínimo, devemos considerar que já há sinais subjetivos, diferentes do momento anterior, na classe trabalhadora.

A greve dos Metroviarios de SP, na semana passada, a primeira realizada na gestão de extrema direita do bolsonarista Tarcísio de Freitas, foi uma enorme demonstração do potencial da classe trabalhadora em movimento. Não por acaso, após a greve, o sindicato foi alvo de ações covardes da extrema direita, com ameaças de morte a Presidenta Camila Lisboa e de ataques a diretores da entidade que participaram dos piquetes.

Metroviários de SP | Greve dos metroviários de SP: 4 conclusões de uma enorme demonstração de força e organização!

Que devem ser rechaçadas por todos os lutadores, justamente para defender o importante saldo político e organizacional dessa luta, que contagiou e fortaleceu outros setores da classe. Através de um sindicato que está nas mãos dos trabalhadores, e não da política de contenção da burocracia sindical. Apesar da direção do PSOL, que diga-se de passagem foi contrária a realização da greve, movida pela "teoria da instabilidade", mencionada anteriormente.

Para encerrar, as lições históricas são essenciais para aprender a luta política. O integralismo brasileiro, na década de 30, dispersou-se e foi derrotado, não pela política stalinista do PCB que chegou apoiar em vários momentos Getúlio Vargas e setores nacionalistas da burguesia. Os camisas verdes, liderados por Plínio Salgado, que se apoiavam na ascensão do fascismo italiano e nazismo alemão, perderam sua capacidade de influência na política nacional, por conta da política de frente única operária dos trostkistas brasileiros. Particularmente, no episódio que ficou conhecido como a Arrevoada dos galinhas verdes, na Praça da Sé em SP, que recomendo todos os leitores a conhecer mais na série de artigos já publicados na plataforma digital do Esquerda Diário.

História da Revoada dos Galinhas Verdes: a Frente Única que derrotou o fascismo em 1934 no Brasil




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias