×

Tribuna aberta | A Unicamp precisa reestabelecer o debate público

terça-feira 10 de outubro de 2023 | Edição do dia

É lamentável a postura do reitor da Unicamp, Sr. Antônio Meirelles, especialmente expressada pela entrevista concedida à Folha de São Paulo no dia 3/10/23. Nela, mesmo diante de uma tentativa de assassinato dentro do campus de Barão Geraldo, o reitor insiste no discurso de que o debate político é tão violento quanto uma agressão física, que desta vez evoluiu para uma política de extermínio.

O professor Rafael Leão, que atacou dois estudantes à faca no dia 3/10/23, veio à universidade com 4 facas, 1 spray de pimenta e sabe-se lá mais o quê, pois a polícia não revistou a mochila do agressor antes de o levar para a delegacia, onde foi tratado como vítima do episódio. Portanto as 4 armas brancas encontradas estavam alocadas junto ao corpo do Sr. Leão. Mesmo com acesso às câmeras de segurança e ao depoimento dos vigilantes e da Secretaria de Vivência do Campus o Sr. Meirelles insistiu num discurso que iguala disputa política com práticas criminosas e políticas de extermínio.

Esse tipo de discurso é extremamente nocivo ao ambiente universitário e ao país, que vê depois de 4 anos de governo Bolsonaro assassinatos por motivações políticas, intimidação em período eleitoral, tentativas de atentados terroristas e tentativa de golpe de estado incentivados e perpetrados pela extrema-direita e o crescente número de células fascistas no país. Igualar a disputa política, atos reivindicatórios e movimento grevistas à uma tentativa de assassinato é um discurso que só serve para os fascistas ganharem espaço no debate político e interditar qualquer debate dentro do campo democrático. Se o espaço público não deve ser um ambiente protetivo ou propulsor de uma política fascista, a universidade, por excelência e missão, muito menos.

Felizmente, depois de enorme pressão interna e nacional, a reitoria da Unicamp abriu um processo de apuração, mas, mesmo tendo condições estatutárias, optou pelo afastamento com vencimentos e pela não realização de um boletim de ocorrência sobre o ocorrido.

O caso é grave não só pelo ocorrido na terça feira como pelos precedentes. Conversando com a comunidade acadêmica do IMECC, instituto no qual o Sr. Leão leciona, descobre-se facilmente que o professor já veio à Unicamp diversas vezes com armar brancas e que as ostentava na cintura aos alunos durante aulas. É sabido que durante a pandemia o referido professor lecionou suas aulas com uma bandeira dos Estados Confederados dos EUA, reconhecidamente um objeto de ostentação da supremacia branca internacional. Há relatos também de que o professor já veio ao campus portanto arma de fogo, alegando que depois do trabalho iria ao clube de tiro. Tudo isso era de conhecimento da comunidade do IMECC, e nada foi feito. E quando o pior aconteceu, a reitoria normalizou como uma reação igualmente inaceitável como um protesto.

Infelizmente o precedente não se resume a isso. O reitor da universidade insiste num discurso que interdita o debate e que acaba, reiteradamente, igualando greves e movimentos políticos legítimos e garantidos na constituição brasileira com a violência física, o que reconhecidamente incentiva a extrema direita a atuar com ataques à vida e integridade física de adversários. O Sr. Meirelles se recusa ao debate e se recusa a reconhecer as entidades sindicais como representantes legítimos das categorias.

Enquanto presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP), Meirelles foi o único na história da entidade (existente desde 1989) a se recusar a receber os sindicatos e a abrir negociação salarial. E, depois de reiteradas tentativas sindicais, a postura de interdição ao debate democrático piorou. Se recusando a receber as entidades sindicais, especialmente o STU, representantes dos funcionários da Unicamp, o Sr. Meirelles delegava ao seu chefe de gabinete que sempre apresentava sua incapacidade de negociar, cabendo tão somente ouvir o sindicato sem nada poder fazer. Como resposta à não negociação, em protesto a assembleia dos trabalhadores da Unicamp deliberou por não aceitar uma mesa de negociação que não tem autoridade de negociar e exigir a presença do reitor. A recepção do Sr. Meirelles a representantes do sindicato só aconteceu depois de 2 semanas da greve da categoria deflagrada em 2023. Vale ressaltar que durante essa única conversa nenhuma proposta foi apresentada e nenhuma negociação de fato ocorreu.

O Sr. Meirelles também se recusou a receber a Federação dos Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (FASUBRA Sindical), alegando que ele não era obrigado a receber entidades sindicais. Durante a sessão da Câmara de Administração da Unicamp (CAD) do dia 5/9/23 o reitor achacou os membros dizendo que não aprovar a implantação do ponto eletrônico, que a reitoria tenta impor à universidade sem nenhum diálogo com os trabalhadores (mesmo que um GT junto ao STU já houvesse sido implementado desde 2019 e reconhecido pela reitoria da universidade), era igual a uma atuação da Câmara contra cotas raciais e políticas de inclusão social, pois demonstraria que os membros da CAD não possuiriam empatia com ele.

A entrevista do Sr. Meirelles à Folha não foi um ponto fora da curva, um gesto isolado, ou lapso inaceitável de um gestor que acena para o discurso mais odioso e nocivo que a democracia brasileira custa a derrotar. A entrevista é tão somente reveladora de uma reitoria que insiste numa universidade sem diálogo e que normaliza a violência igualando-a a atos políticos, interditando e não aceitando o debate público. Essa postura reiterada do Sr. Meirelles só serve a proliferação dos fascistas, comprovadamente existentes e fortalecidos, desta universidade.

Já é hora da Unicamp e da sociedade paulista dizer basta aos discursos proto-fascistas! Se o reitor não sente-se habilitado ao debate público, que reconheça, num lapso de dignidade, que a Unicamp, enquanto universidade pública, merece e precisa que ele renuncie. A democracia precisa ser reestabelecida e o debate político voltar a ser legitimado no ambiente universitário.

Marina Rebelo é cientista política, funcionária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Coordenadora de Formação Política do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp-STU.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias