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Análise Eleições | De onde vêm os resultados à direita que atravessaram as eleições de 2022?

O resultado das eleições do último domingo confirmou um curso à direita no regime político que não se inicia agora. Além da votação expressiva em Bolsonaro, que mesmo abaixo de Lula ampliou em 1,7 milhões de votos seu desempenho de 2018, o resultado da votação nos outros poderes também compõe o quadro de uma maior institucionalização da extrema-direita.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

quarta-feira 5 de outubro de 2022 | Edição do dia

No Senado, consumou-se a eleição de quinze senadores alinhados com o bolsonarismo, enquanto os apoiados por Lula foram oito. Ainda que não signifique conquistar a quantidade necessária para impor resoluções com sua própria força, o que exigiria dois terços da casa, é uma configuração uma composição com maior peso bolsonarista.

Na Câmara, ocorreu a vitória do orçamento secreto e da nova ala do centrão bolsonarista, que alcançou resultados que podem ser considerados históricos. Dos 20 deputados federais mais votados do país, apenas cinco deles são do campo lulista. O que se vislumbra é o Congresso mais conservador da mal chamada Nova República, com partidos marcados por uma mistura de fisiologismo, reacionarismo nos costumes e neoliberalismo econômico. E esse setor quer alçar vôos maiores. Está em curso a articulações da fusão do PP com o União Brasil, o que pode gerar uma força muito poderosa no legislativo e fortalecer ainda mais essa ala do centrão.

Em função disso, independente dos resultados presidenciais, o mercado financeiro reagiu positivamente às eleições, porque essa base sempre votou de acordo com os seus interesses. Sem dúvida é um setor vencedor dessas eleições, com resultados que animam Arthur Lira para colocar em prática a reforma administrativa que atacará o conjunto do funcionalismo público. Com essa composição legislativa não é difícil prever que novos ataques entrarão na agenda, mesmo em um novo governo Lula.

Entre governadores, o quadro também reflete a tendência geral. Consideradas as regiões centro-oeste, sudeste e sul, em todas elas candidatos apoiados por Bolsonaro foram melhores. No cômputo geral, dos quinze estados onde a disputa foi encerrada, oito estão alinhados com o atual presidente, e cinco com Lula. O PSDB, por ora, não foi eleito em nenhum, e está fora de São Paulo após quase 30 anos. Uma pá de cal na cova já aberta, e um símbolo do derretimento dos partidos da agora chamada "centro-direita".

Todos os candidatos que estavam no governo tiveram resultados expressivos. Ricardo Salles, Damares Alves, Tarcísio de Freitas, Marcos Pontes, Hamilton Mourão, Pazuello, Tereza Cristina. Ex-bolsonaristas não tiveram a mesma sorte. Weintraub, o ex-ministro que virou desafeto do presidente, teve um resultado pífio. Moro precisou se reorientar e voltar aos braços de Bolsonaro, o que lhe garantiu a vaga no Senado.

Enquanto 2018 o fenômeno da extrema-direita surgiu como novidade, e com maior intensidade, nessas eleições a fusão entre bolsonarismo e o centrão garantiram uma continuidade do curso iniciado quatro anos antes - e que mostrava sinais de permanência em 2020 nas eleições municipais. Vale ressaltar que, caso Lula seja eleito, a relação dessa ala do centrão com Bolsonaro, por óbvio, passará por reconfigurações.

Além dos poderes "com voto", as eleições afirmaram a consolidação do bonapartismo judiciário, incluindo seus acordos com os militares. Uma expressão do fortalecimento de duas forças bonapartistas reacionárias. O judiciário manteve seu protagonismo, conseguindo impor uma maior contenção à retórica golpista de Bolsonaro, ao mesmo tempo que arbitrando em diferentes aspectos do processo eleitoral.

Os resultados eleitorais dos setores considerados à esquerda do regime político

O PSOL, apesar de uma boa votação concentrada em algumas de suas figuras, não expressou uma mudança qualitativa de seus resultados. Há quatro anos elegeram dez deputados federais, e agora doze, além de mais dois da Rede que compõem sua federação. O PT ampliou sua bancada de 56 para 68 candidatos, uma bancada significativa, mas que no interior da composição da Câmara terá uma força minorada. PSB e PDT, consideradas forças de “centro-esquerda” viram suas bancadas minguarem. No primeiro caso reduzindo a menos da metade dos parlamentares eleitos em 2018, e no segundo retrocedendo onze cadeiras. Por fim o PCdoB, não fosse a federação com o PT já seria uma legenda extinta. Resultado que revela a fantasia do discurso de eleger um “congresso progressista”, propagadas pelas figuras desse espectro.

O quadro só não é todo favorável para a extrema-direita, porque concorrendo ao executivo está a figura de Lula. E esse resultado, evidentemente, terá sua correspondência na situação política do próximo período. Não fosse seu peso em setores de massas, seria difícil imaginar alguma outra personalidade com tal desempenho em meio ao contexto geral. Com 48,4% dos votos no primeiro turno, mantém-se como favorito para o segundo turno, ainda que o longo mês até o segundo turno propicie tempo político para mudanças no quadro.

No entanto, a “tucanização” da chapa de Lula, é uma expressão do sentido à direita que se move o regime político. Alckmin, figura neoliberal de primeira ordem, representa a tentativa de unificação entre os antigos pólos do regime de 1988. Agora, no segundo turno, veremos essa tendência ir até o extremo, com o apoio de partidos como o Cidadania, alas do PSDB, além de figuras como Tebet. Entre essas movimentações, estão inclusas o apoio de Lula aos candidatos tucanos nos estados, como no Rio Grande do Sul.

A força centrífuga que atinge o PSDB, também tem suas defecções para a extrema-direita. Em São Paulo, Rodrigo Garcia correu para apoiar Tarcísio e Bolsonaro. Quer manter suas aspirações políticas, e para isso vai se manter alinhado à antiga base tucana que agora é bolsonarista. No entanto, em diversos outros lugares a velha “centro-direita”, buscará em Lula seu salva vidas, que generosamente sempre se mostrou aberto a acolhê-la.

O enraizamento da extrema-direita e novas configurações no centrão

A onda final de votos que Bolsonaro conquistou provavelmente se deve ao eleitorado antipetista. Compostos em especial por estratos médios, não são embandeirados do atual presidente, mas não tem dúvidas em votar nele diante da ameaça do retorno PT. Além disso, outros fatores podem ter influenciado, entre eles o chamado voto silencioso, envergonhado ou a negativa em responder as pesquisas, ainda que sem aferição muito precisa de sua proporção.

Os estados com maior discrepância entre as pesquisas e os resultados foram os do sudeste, em especial São Paulo e Rio de Janeiro. Nas regiões com maior eleitorado do país, essa variação impactou nos resultados finais. Isso indica uma reserva importante do antipetismo, nas regiões onde mais se apresentaram as manifestações lava-jatistas e favoráveis ao impeachment.

Além desse, outros fatores podem ter atuado na preservação dos votos de Bolsonaro. A pandemia teve um efeito contraditório sobre seu legado. Se por um lado, levou a um afastamento inicial de um setor diante de seu negacionismo, por outro aproximou uma camada do precariado, por ter se oposto à política de lockdown. Esse estrato, marcado pela informalidade, ficou exposto aos efeitos econômicos da restrição da circulação de pessoas e mercadorias. Ademais, o fato de sua gestão ter sido atravessada pela pandemia, e depois pela guerra na Ucrânia, pode ter levado parte do seu eleitorado a atribuir a essa adversidade os problemas do governo.

Entre os estratos médios, em especial de 2 a 5 salários mínimos, Bolsonaro apresentou boas reservas, liderando nesse setor, segundo as pesquisas, com 43% das intenções de voto. O cientista político, André Singer, defende a existência de uma base que ele denomina como “conservadorismo popular”, com características que poderiam ter maior permeabilidade por ideologias conservadoras, que pode ser parte da explicação dessa expressão eleitoral. Segundo ele, esse estrato é composto por setores da baixa classe média, com frações da classe trabalhadora. Devido a existência de um enorme subproletariado, esses estratos temem perder o pouco que possuem.

Há outros componentes estruturais que precisam ser estudados. A extrema-direita demonstrou uma capacidade de enraizamento social. É notória a vitória expressiva de Bolsonaro no chamado “agrobelt” brasileiro, setor econômico com cada vez maior peso relativo no PIB. A influência ascendente dos neopentecostais, que atuaram na primeira fila da campanha, sem dúvida trouxeram, e mantiveram, uma parte dos seus votos. Em regiões como o Rio de Janeiro, a territorialização das milícias é apresentada como um dos fatores que explicam também a influência da extrema-direita nos cargos legislativos. }

Expectativas e ilusões nas eleições do regime do golpe institucional

As altas intenções de voto nas pesquisas em Lula, e o retrato subestimado das intenções em Bolsonaro, geraram uma ilusão de ótica em setores da vanguarda e do progressismo. Parecia que o país caminhava, através da via eleitoral e sem obstáculos, à esquerda. Essa expectativa foi frustrada, gerando perplexidade e desmoralização após a divulgação dos resultados do último domingo.

Em realidade, ainda que com diferentes modulações, a correlação de forças do país esteve atravessada por uma situação reacionária, e as eleições confirmaram esse quadro geral. O que não significa que não existiram momentos críticos nos últimos anos, quando poderia haver um ponto de virada entre as forças em disputa. Os milhões de votos em Lula, expressam, de uma maneira distorcida, esses momentos.

Nesse sentido, não é menor destacar entre os componentes da correlação de forças que se expressaram nas eleições, a política de apassivação do movimento de massas que o PT desempenhou nos últimos anos. Durante a pandemia, esse partido, através dos sindicatos e movimentos sociais que dirigiam, negaram-se a organizar manifestações. Os primeiros atos de rua só começaram em função de movimentos de revolta contra a política negacionista de Bolsonaro. Após um primeiro momento de hesitação, o PT passou a compor os atos, mas para controlá-los. Eram feitos aos finais de semana, controlados pelas direções, e por fora de qualquer organização nas bases. Assim, o ódio social foi gradativamente sendo dissipado e canalizado para instituições do próprio regime político, como o reacionário Senado, quando se prometia fazer justiça através de uma CPI que hoje é pouco lembrada.

Esvaziar as ruas e evitar qualquer ascensão de processos de mobilização fizeram parte da política do PT para construir os arranjos de sua Frente Ampla. Para contar com Alckmin, depois com Meirelles, conquistar a simpatia da Fiesp e da Febraban, até chegar ao governo Biden, - que emitiu seus sinais de oposição a Bolsonaro - Lula precisou apresentar suas credenciais de quem melhor pode conter descontentamentos sociais.

É compreensível que muitos setores depositem no voto em Lula a expectativa de derrotar Bolsonaro. No entanto, pelo que as urnas já confirmaram, a extrema direita continuará existindo não apenas como força social, mas com peso nas instituições do regime. Mesmo em um eventual governo Lula, as condições econômicas e políticas vão ser completamente hostis a quaisquer concessões econômico-sociais. Ao contrário, o que se apresenta é um cenário de novos ataques, além da manutenção de todo o legado de contra-reformas e privatizações dos últimos anos.

A conclusão estratégica é que a contenção dos processos de luta e a aliança com a direita, em primeira instância, serve para desarmar a luta de classes, e abrir espaço para a extrema direita. Os mesmos setores econômicos e sociais fortalecidos nos anos dos governos do PT, agora são forças motrizes da extrema-direita, com o agronegócio e as igrejas evangélicas. Não há outro caminho que não organizar um combate consequente contra a extrema-direita e seu projeto social, articulado com a preparação da vanguarda para lutar contra as reformas, privatizações e novos ataques que estão por vir.




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