O governo anunciou que não vai participar do segundo dia de negociações, os protestos já duram 16 dias.
quarta-feira 29 de junho de 2022 | Edição do dia
O presidente Guillermo Lasso anunciou na terça-feira (28) que não voltará a conversar "com aqueles que pretendem sequestrar a paz", assim os representantes de seu governo estiveram ausentes no segundo dia de negociações com os líderes das organizações indígenas.
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Lasso disse cinicamente em uma mensagem televisionada que “O país testemunhou todos os esforços que fizemos para um diálogo frutífero e sincero. Não vamos negociar com aqueles que mantêm o Equador como refém”. O presidente afirmou então que as negociações não podem continuar enquanto "não existirem as garantias necessárias", omitindo que sob suas ordens a repressão aos protestos deixou vários mortos e centenas de feridos.
El país ha sido testigo de todos los intentos que hemos tenido por dialogar pero no podremos hacerlo con quienes pretenden secuestrar la paz del Ecuador. ¡Eso no lo vamos tolerar! Hago un llamado a unidad y a la defensa de la democracia.pic.twitter.com/uw3OiylVaw
— Guillermo Lasso (@LassoGuillermo) June 28, 2022
Lasso disse que o rompimento do diálogo se deve à morte de um militar em um ataque a uma caravana que o presidente atribui aos manifestantes sem provas concretas. O episódio confuso, que serviu ao Executivo para se retirar das negociações, ocorre no contexto de denúncias, feitas por organizações sociais, de policiais infiltrados nas manifestações e de um ataque de integrantes das Forças Armadas que se mobilizavam junto à caravana que transportava combustível.
#URGENTE
Más evidencias de lo que pasó en #Shushufindi
La madrugada del 28 de junio alrededor de 300 efectivos militares y policiales que escoltaba tanqueros de gasolina, atacaron a manifestantes en la comunidad 18 de Noviembre, Sucumbíos. https://t.co/5x28bJxJcq— CONAIE (@CONAIE_Ecuador) June 28, 2022
Na curta mensagem ao país, o presidente apontou diretamente para o chefe da Comissão de Nacionalidades Indígenas (Conaie), Leônidas Iza, "que só defende seus interesses políticos e não os de suas bases" e prometeu que o Executivo voltará à mesa "quando houver representantes legítimos de todos os povos e nacionalidades".
A posição do governo Lasso frente ao ataque à caravana contrasta com o silêncio diante das pelo menos 5 mortes de manifestantes devido à repressão das forças de segurança, segundo organizações de direitos humanos.
O ministro do Interior, Patricio Carrillo, juntou-se ao discurso do governo e nas redes sociais disse “Outra explosão violenta da Conaie, a antítese do Estado de Direito. A degradação significa que poucos querem impor sua vontade. Uma sociedade que não reage com a aplicação da justiça está condenada a viver sofrimentos permanentes”.
Governo, polícia, Exército e outros setores buscaram criminalizar as organizações indígenas, estudantes e outros setores que se juntavam aos protestos.
Apesar da declaração de Lasso, o chefe da Assembleia Nacional (Parlamento) e promotor da mesa de diálogo, Virgílio Saquicela, voltou a reunir as duas partes para tentar reativar as negociações.
Das Forças Armadas, o chefe do Comando Conjunto, Nelson Proaño, anunciou que a entidade vai iniciar uma ação judicial contra aqueles que atacaram a caravana militar. De acordo com o responsável, os militares e policiais agredidos prestaram segurança a setores estratégicos e vigiaram a transferência de 17 tanques de diesel da cidade de Shushufindi para o bloco petrolífero ITT.
Com a negociação paralisada, liderança indígena mantém a desmobilização
A saída da mesa de negociações pelos representantes do governo busca impor piores condições para que as lideranças das organizações indígenas voltem ao diálogo.
Na segunda-feira, Leônidas Iza, dirigente da Conaei, mostrou excessiva disposição para negociar afirmando que reconhecia "o esforço do governo nacional" e acrescentou "temos insistido em dois pontos, se como povos e nacionalidades insistimos no restante do pontos, estaríamos sendo irresponsáveis com o momento atual". Disse ainda estar disposto a negociar dizendo que "nós propusemos no primeiro ponto (em relação ao aumento de combustível) reduzir 40 centavos, o governo propõe 10 centavos. Por isso pedimos que façam um esforço para que haja uma mediação e que de parte a parte podemos ganhar e perder".
Com o rompimento do diálogo, o governo Lasso envia uma mensagem clara, não está disposto a dar muito mais.
Ao mesmo tempo, a Assembleia Nacional retomou a sessão em que discutiu a proposta da bancada de oposição da UNES (referenciada ao ex-presidente Rafael Correa) de "morte cruzada", mecanismo que inclui a destituição de Lasso e o fechamento do próprio Congresso, para uma nova convocação eleitoral.
A medida parlamentar busca atuar como uma forma de pressão contra o governo, já que para que ele avance efetivamente, são necessários 91 votos para a destituição de Lasso, número que a UNES parece longe de ter.
O presidente Lasso pode se mostrar duro novamente porque aproveita as concessões e o apelo à desmobilização da liderança da Conaie.
Os protestos que se espalharam em vários centros urbanos e diferentes regiões, aos quais se juntaram milhares de jovens dos bairros populares de Quito, aos quais se somou o apoio de milhares de estudantes que fizeram parte da organização solidária com os manifestantes que ergueram barricadas e enfrentaram a polícia, colocou seu governo em xeque, mas a política da direção do movimento indígena voltou, como em 2019, a dar vida ao Executivo que, com apoio do Exército e pouquíssimas concessões, busca superar a crise.