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BRICS 2023 | Lula no BRICS: adesão à falsa "multipolaridade benigna" e demagogia com o progressismo

Essa semana ocorreu a Cúpula do BRICS na África do Sul, onde se acordou a adesão de novos países ao bloco. Marcando a participação do Brasil, Lula se inclinou ao falso projeto de "multipolaridade" capitalista benigna da China, em troca da declaração por um lugar no Conselho de Segurança da ONU. Sua participação também foi marcada por uma série de contraditórios discursos buscando se apoiar na imagem de referência mundial entre o progressismo.

sábado 26 de agosto de 2023 | Edição do dia

De terça a quinta-feira ocorreu a Cúpula dos BRICS – sigla para o bloco de "países emergentes" composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – em Joanesburgo, na África do Sul. A nova reunião do bloco econômico, fundado em 2009, ocorreu no contexto internacional da guerra entre Rússia e Ucrânia, e da crescente disputa econômica e geopolítica entre China e Estados Unidos. Determinantes que de pronto já colocaram o evento na primeira ordem de importância dos noticiários, com um Putin impedido de comparecer, sob ameaça de prisão, e a expectativa do papel que a reunião teria para o desenvolvimento da política internacional chinesa. Encabeçando o Brasil, Lula buscou aparecer como um líder do bloco Sul-Sul, centrando no aspecto econômico do bloco, mas subscrevendo-se à ideia de multipolaridade capitalista que é um carro-chefe de Xi Jinping.

O Brasil volta de um hiato instaurado dos anos Bolsonaro, que congelou as relações com o bloco e, como agora prometem Milei e Bullrich na Argentina, esteve perto de entrar em um impasse no que diz respeito à sua participação. Lula se inclina à ilusão da "multilateralidade" capitalista chinesa, mas não tem qualquer intenção "antiimperialista" ou contra o G7 ao aceitar essa movimentação. Chocando os dois rivais geopolíticos dos quais o Brasil depende, Estados Unidos e China, quer mais margens de negociação pelos nichos de exploração neo-extrativista na América Latina. O Vale do Lítio de Minas Gerais foi anunciado na Nasdaq, e o projeto de exploração de petróleo na bacia do Amazonas, por exemplo, visa o envolvimento de petrolíferas tanto da China quanto dos imperialismos norte-americano e europeu.

Ainda assim, o encontro reforçou que a China é claramente o ator mais poderoso do bloco, embora forçada a negociar com países que nem sempre partilham a perspectiva de Pequim sobre questões de governança global. Tomado como um todo e para além das posições dos países que o compõem, o bloco BRICS coloca algum nível de desafio ao domínio dos Estados Unidos e da Europa sob as bandeiras da cooperação Sul-Sul. Entre outras coisas, criou as suas próprias instituições de financiamento para o desenvolvimento. No entanto, as suas principais cláusulas estão ligadas a recorrer a instâncias de ajuda econômica como o Banco Mundial e o FMI. Um dos pontos em que o bloco se propõe a trabalhar é promover a utilização de moedas nacionais e o estudo de criação de uma moeda própria (cujo nome vem sendo especulado que será "R5") nas transações comerciais e financeiras entre países, evitando assim o dólar e o sistema de pagamentos SWIFT.

Com a resistência inicial do Brasil, que aceitou após a China conceder na declaração pela adesão dos países do bloco ao Conselho de Segurança da ONU (uma ilusão de que Xi se valeu para alinhar Lula), foi decidida a incorporação de seis novos países ao bloco: Argentina, Irã, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Etiópia, que serão parte do BRICS a partir de 1 de janeiro de 2024. Essas novas adesões podem significar um avanço relativo da China, líder do bloco, mas também agravam sua heterogeneidade com países como a Arábia Saudita, que são claramente subordinados aos EUA. Para o Brasil, ao ser um dos principais signatários da expansão, se encontra em posição forte de negociação com os aliados latino-americanos, africanos e asiáticos, que enxergam Lula como liderança com influência internacional.

A aliança econômica hoje representa 22% da superfície mundial, 42% da população mundial, 31% do PIB mundial e contribui com 16% das exportações e 15% das importações mundiais de bens e serviços, além de que passará a concentrar mais de 40% da produção mundial de petróleo. Números que, embora surpreendam, podem esconder as relevantes diferenças de população, PIB per capita, comércio, direitos democráticos e até mesmo política externa.

China e Índia, por exemplo, são rivais regionais estratégicos no sul da Ásia; Egito e Etiópia mantêm atritos quanto às consequências da barragem construída no Nilo Azul; Arábia Saudita e Irã disputam pela proeminência no Oriente Médio. Entre os antigos e novos signatários do BRICS, até mesmo as relações com os Estados Unidos vão da proximidade à rivalidade. Para a Argentina, pertencer aos BRICS poderia abrir a possibilidade de ter acesso ao financiamento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), encabeçado por Dilma, embora para isso teria que completar a contribuição da cota com a qual os países membros capitalizaram a instituição. Os novos integrantes tampouco podem acessar o NDB caso tenham pendências com o FMI, resultando na perspectiva de que, no futuro imediato, a entrada da Argentina não terá grandes impactos em termos de financiamento.

Na Cúpula e suas reuniões públicas, Lula buscou se projetar como liderança se apoiando na imagem que sustenta de referência mundial entre as pautas caras ao progressismo, do meio ambiente aos direitos humanos, passando pelos direitos das mulheres e o combate à desigualdade. Ocorre que, como escreveu Trótski, cada época histórica tem suas hipocrisias específicas. Ao olharmos seja a conformação do bloco e seus novos membros, seja a situação nacional de onde o próprio Lula fala, seu discurso claramente se insere nas hipocrisias capitalistas de nossa época, que tem sempre nas relações internacionais um palanque de destaque.

Já no primeiro dia, durante o Fórum Empresarial, Lula aproveitou a situação para alfinetar a UE e os entraves que esta impôs para o acordo com o Mercosul. Defendeu "um comércio global mais justo, previsível e equitativo" entre países do norte e do sul, além de rejeitar "um neocolonialismo verde que impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias sob o pretexto de proteger o meio ambiente".

É inquestionável que os imperialismo da UE e EUA devastam a natureza planeta afora com suas multinacionais e fazem ecodemagogia nas cúpulas climáticas, fóruns internacionais, acordos comerciais e através do crescente greenwashing. Entretanto, não se pode combater o ecocídio imperialista explorando petróleo na foz do Amazonas, ou junto do carvão chinês, do gás russo e dos maiores produtores de petróleo do mundo. Como os EUA, a China devasta o meio ambiente exportando capitais com objetivo extrativista, como é o caso na América Latina com a disputa com Washington pelo triângulo do lítio (Chile, Argentina, Bolívia), ou da extração de terras raras na África.

Sobre o continente sede, Lula chamou a que o BRICS construísse política para a África. Diz isso enquanto a China exporta capitais ao continente e a iniciativa da Rota da Seda acorrenta países em dívida de forma não muito distinta de organismos como o FMI. A Rússia fornece armamentos e mercenários para o eixo de ditaduras militares na África Subsaariana (a ver como seguirá sua influência na região, com a eliminação das lideranças do grupo Wagner). E sequer o Brasil fica de fora, exportando para o outro lado do Atlântico duas bases da extrema-direita bolsonarista: seus fundamentalistas evangélicos e as Forças Armadas, enviadas na operação MINUSCA da ONU, que remete ao desastre humanitário que foi a intervenção no Haiti nos governos petistas anteriores.

Diante dos novos membros anunciados, é de se questionar como duas monarquias Árabes (os sauditas em particular nessa semana foram acusados de fuzilarem centenas de refugiados etíopes na fronteira) uma teocracia patriarcal, um país em guerra civil até ano passado acusado de genocídio e Abdel Fattah al-Sisi, carrasco dos egípcios que subiu ao poder através de um golpe militar apoiado pelos EUA, vão ser garantidores de menos desigualdade e discriminação. A Argentina não fica de fora, com todas as forças políticas de Milei a Fernández/Massa em um consenso de profundos ataques contra os trabalhadores e o povo pobre, às ordens do FMI e dos empresários. Dos membros principais, a China dos bilionários e da superexploração do trabalho, a Rússia belicista e perseguidora de opositores, a Índia de um Modi supremacista hindu, da militarização da Caxemira e inimigo de muçulmanos, e o sul-africano Ramaphosa dos ataques neoliberais.

No Brasil governado pela Frente Ampla, que preserva as contrarreformas e privatizações de Bolsonaro, enquanto Lula e Haddad estavam em Joanesburgo, foi aprovado o seu Arcabouço Fiscal, um ataque contra os serviços públicos a favor do pagamento da dívida pública ao mercado financeiro. Os Yanomami seguem vitimados por responsabilidade do Estado e avança o Marco Temporal contra o conjunto dos povos indígenas. O racismo e a violência policial permanem vivos em cada chacina e no brutal assassinato de uma referência quilombola no estado governado pelo PT desde 2007, que possui índices de mortalidade em operações policiais dos mais elevados do mundo.

Campismo capitalista ou internacionalismo proletário

Entre aqueles que reivindicam a luta dos trabalhadores, do povo pobre e dos oprimidos, não é possível defender visões "campistas" das relações internacionais. Com seus limites, o desafio que o bloco dos BRICS pode representar para as grandes potências imperialistas não o torna um aliado dos povos oprimidos. Não representam qualquer alternativa de “hegemonia benigna” na ordem internacional. É necessário romper com o imperialismo e as suas instituições financeiras como o FMI e o BM, mas sem substituí-lo pela integração subordinada em instituições alternativas impulsionadas pela potência ascendente chinesa, que atuam nas mesmas formas de pilhagem econômica. É preciso levantar uma política de internacionalismo proletário que una as classes trabalhadoras e os povos oprimidos do mundo, levantando um programa de independência de classe contra os imperialismos, as burguesias nacionais, suas guerras e sua exploração desenfreada das grandes massas e dos ecossistemas do planeta.




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