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Argentina | A greve nacional ativa em 24 de janeiro pode ser o começo da contraofensiva

Continuamos aqui as definições que expressamos em artigos que expressamos sobre a situação nacional argentina e os desafios do PTS [grupo irmão do MRT] publicados no Esquerda Diário dias 24 e 25 de dezembro. Estes artigos refletem a elaboração coletiva da direção nacional do PTS. Neste caso se tratam das conclusões da reunião ocorrida em 28/12/2023.

Fredy LizarragueDirigente Nacional do PTS da Argentina

sábado 30 de dezembro de 2023 | Edição do dia

1. A Lei “Ônibus” completa a ofensiva bonapartista

Se com o “Caputaço” [anúncios de medidas pelo ministro da economia Caputo], o protocolo repressivo, e decreto DNU 70/23 tinhamos definido que o novo governo configurava uma “tentativa bonapartista fraca” para resolver pela direta à crise orgânica, com a Lei “Ônibus” (LO) enviada ao Congresso para sua deliberação nas sessões extraordinárias que acontecerão em janeiro completa-se o cenário de “guerra de classes” lançada por Milei e seu gabinete. A LO soma uma extraordinária “delegação de poderes” que praticamente torna ao Congresso decorativo, uma mudança no sistema de eleição de deputados que liquidaria a representação proporcional (e, portanto, as minorias). Se este plano se impõe o bonapartismo seria pleno. Vários blocos do próprio setor oficialista já anteciparam sua oposição aos aspectos mais grosseiros (como a delegação de poderes praticamente irrestrita).

Há múltiplas especulações de qual seria o “plano” do governo: se é verdadeiramente um plano “tudo ou nada” (o próprio Milei ameaçou convocar um plebiscito se o Congresso rechaça o DNU ou a LO), ou se calcula que consegue que passem as partes mais “substanciais”, além das medidas econômicas implementadas desde o “Caputaço”. De todos modos, a própria extensão temática da LO torna impossível apreciar no mês estabelecido para as sessões extraordinárias. Requerer uma prorrogação até fevereiro mesmo assim ainda não poderia ser considerada seriamente.

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O salto inflacionário produzido pela desvalorização cambial e pela liberação dos preços está em pleno desenvolvimento. Vários analistas assinalam que ambas medidas levaram a um forte freio ao consumo nas últimas semanas de dezembro, o que, por sua vez, poderia atuar como contra tendência ao aumento dos preços. Mesmo assim, nos meses do verão, virão os aumentos de tarifas de transporte e de energia (algumas empresas pedem aumentos de até 350%).

Sobre esta base se desenvolve o ataque generalizado que representa o DNU 70 e a LO. A situação de conjunto aumentou o mal humor social e as críticas ao governo. Começam a aparecer pesquisas de opinião que mostram que a maioria da população considera que o país está indo em uma “direção incorreta”, caindo a aprovação do governo com poucas semanas de ter assumido. A mobilização aos Tribunais na quarta-feira, 27 de dezembro, convocada pela CGT e organizadas para que participem somente os “corpos dirigentes” (há muitos relatos em lugares de trabalho onde os sindicatos só convocaram aos delegados) e respeitando até o absurdo o protocolo (circulação por avenidas que estavam quase desertas), superou as expectativas de seus convocantes, reunindo 20mil pessoas em um horário de trabalho. A própria convocação à greve nacional com mobilização responde a esta mudança no estado de ânimo de amplos setores da classe trabalhadora, assim como as divisões que se observam na própria frente burguesa (ver abaixo), divisão esta a qual a CGT é muito “sensível”.

Cada vez mais se escutam votantes de Milei inconformados e críticos com o governo, ainda que a maioria deste 56% que o votaram ainda está à espera de “resultados”. Clarin, La Nacion e Infobae [maiores meios burguês argentinos] estão em uma furiosa campanha pedindo paciência “a poucos dias de ter assumido”, criticando a CGT pela greve nacional “mais rápida da história”, como se o “plano motosserra” não fosse uma enorme provocação ao povo trabalhador e a múltiplos setores. Trabalham para esticar a paciência.

Apostamos a que a greve nacional com mobilização no dia 24 de janeiro expresse nas ruas esta raiva e descontentamento de milhões de afetados pela inflação, pela recessão e pela perda de direitos, e que assim comece a liberar as energias das forças sociais que se encarregaram de adormecer ao máximo nestes anos, mas que agora estão provocando e pode ser que “consigam” que acordem.

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2. Brechas na frente burguesa e o caminho reacionário da negociação “setorial”

Nesta “guerra de classes” ainda não há bandos muito organizados. Se bem no bando dos “atacados” temos as direções sindicais prontas a abandonar a luta na primeira oportunidade que lhes sejam oferecidos negociar “algo”; do lado do governo e das patronais há muitas brechas. Suas medidas beneficiam claramente o capital financeiro internacional e ao conjunto do grande empresariado ao fazer duríssimos ataques anti-operários e anti-populares. Porém, na LO aparecem benefícios mais específicos ao setor financeiro internacional, à mineração e petróleo e prejudica vastos setores empresariais: aumento das retenções financeiras da indústria automotriz e setores do campo (as exportadores de óleo de soja publicaram um comunicado crítico, bem como o fez o poderoso Conselho Agroindustrial Argentino). Há mudanças na gestão da indústria petrolífera, abertura de importações e taxas nas indústrias de açúcar e limão, etc. Obviamente que estes setores agora prejudicados vem de serem favorecidos pela desvalorização.

O mais perigoso do ponto de vista dos interesses do povo trabalhador é que a LO abra negociações reacionárias no Congresso, para modificar tal ou qual artigo que afeta a determinado setor empresarial enquanto fiquem muitos outros artigos. Se o DNU entra em vigor são varridos múltiplos direitos e conquistas históricas e são encolhidas as receitas dos assalariados e autônomos com a inflação. Por exemplo, o governador de Neuquén [principal província produtora de petróleo] já anunciou que o governo aceitaria modificar o artigo dá atribuições ao PEN que violam a Constituição de 1994 que estabelecia que as províncias tinham autoridade de aplicação em relação aos empreendimentos nos hidrocarbonetos. Se prestam a este jogo não somente parte da coalizão que apoiam Milei (PRO, Radicais, bloco “Federal” que Pichetto preside com a CC, peronismo federal, etc) mas também a burocracia da CGT q os governadores peronistas. Por isso é crucial conseguir um polo independente que se imponha com força a estes setores que utilizem a greve nacional ativa de 24 de janeiro para impulsionar este plano de negociar um ajuste selvagem “moderado”. Isso seria uma saída reacionária. A greve deve ser o primeiro passo para avançar numa contraofensiva que derrote o “plano motosserra” de conjunto: nem DNU, nem leis, nem ajustes, demissões ou tarifaços contra o povo trabalhador, nem protocolo repressivo.

3. A paralisação nacional com mobilização dia 24 de janeiro e estratégia da CGT

O governo lançou uma campanha com a consigna “eu não faço greve” enquanto as mídias que o apoiam acusam a CGT do “recorde” de convocar uma greve nacional a 19 dias de um novo governo ter assumido, isso depois de nenhuma greve deste tipo nos 4 anos de governo da Frente de Todos. Naqueles anos o peronismo governante descumpriu todas as promessas que fez de reverter o desastre do governo Macri, particularmente a queda dos salários e aposentadorias, que caíram mais de 20%. Nós da esquerda sempre criticamos duramente à burocracia sindical da CGT ,das CTAs e às organizações sociais oficialistas (UTEP, CCC, Evita) pela cumplicidade com o governo subordinado ao FMI de Aberto, Cristina e Massa. Estivemos na linha de frente da cada luta, como em Guernica e todos os conflitos daqueles anos, enquanto os dirigentes oficialistas os deixavam sozinhos.

Daer e Moyano já declararam que a intenção da greve é que “a política” (quer dizer, o peronismo e as outras forças parlamentares patronais) “se façam responsáveis”. Com isso deixam nas mãos destas forças aplicar o plano do FMI e abrem a porta para entregar mais direitos e conquistas. Armando Cavalieri já se reuniu (no mesmo dia da mobilização da CGT aos Tribunais!) com a ministra de “Capital Humano” Sandra Pettovello para anunciar que está disposto a discutir o acordo coletivo do sindicato do Comércio (o maior da Argentina), introduzir o “fundo de retirada” (modelo UOCRA) para mudar o regime de indenizações por demissão. Daer o defendeu na conferência de imprensa da CGT, ainda que discordando do “fundo de retirada” e enquanto isso ignorou a Unidade Piqueteira diante de uma pergunta do jornalismo. Os burocratas já vinham de não aceitar nem mesmo uma foto com o bloco combativo que participou da preparação da mobilização do dia 27 aos Tribunais.

Os dirigentes sindicais peronistas são os mesmos que sob Menem aceitaram as leis de privatizações e flexibilização trabalhista em troca de manter o privilégio de administrar as “Obras sociais” e os negócios como das ART e das AFJP (aposentadorias privadas). A maioria deles são mais empresários que sindicalistas.

4. Tomar em nossas mãos a greve nacional ativa do dia 24 para que seja massiva e quebre o protocolo repressivo

Não temos a menor confiança nesta burocracia. Chamamos a tomar em nossas mãos a greve nacional ativa do dia 24 de janeiro, para que não somente seja realmente massiva mas para que defenda nosso direito à mobilização, quebrando o protocolo repressivo de Bulrich e Milei com cortes de ruas e estradas que poderão ser impostas com mobilização de centenas de milhares e levantando um programa e uma organização independentes. Apostamos a que a própria mobilização do dia 24 se expresse um massivo polo independente dos setores combativos e da esquerda.

Com a CGT e as organizações que foram parte do governo peronista defendemos “golpear juntos” exigindo a retirada do DNU 70 e da LO, porém “marchamos separados” porque sabemos que sua estratégia é negociar “algo” (para eles), deixando passar o grosso do ataque. Por isso defendemos uma organização e um programa independentes para debater em todas instâncias que surjam.

Já estão sendo convocados assembleias de bairro em diferentes cidades e municípios. Nos locais de trabalho os dirigentes dos sindicatos burocráticos seguramente não convocarão nenhuma deliberação ou assembleia. No melhor dos casos reunirão seus delegados e colocarão ônibus. Porém a convocatória de greve com mobilização exige que se abra uma ampla discussão na base da classe trabalhadora que vem de anos sem participar de nenhuma medida de força, e menos ainda de uma mobilização massiva com um governo repressor. Exijamos assembleias em todos locais de trabalho.

Em cada município, em cada zona, em cada bairro, é possível organizar a preparação comum entre trabalhadores sindicalizados e precarizados, empregados e desempregados, estudantes, autônomos e todo povo trabalhador afetado. Em cada sindicato propomos que se abram as portas aos demais setores e que se convoquem reuniões de coordenação, assembleias abertas ou coordenações. Em algumas províncias já existem “multisetoriais” (como em Jujuy) que deveriam encontros ou assembleias abertas, com participação das forças políticas que defendem os trabalhadores e com independência dos setores patronais. Haverá dirigentes sindicais que se reivindiquem peronistas, ou mesmo radicais, o que é lógico se estamos falando de um movimento verdadeiramente massivo, mas isso não se deve confundir com dar espaço a que os próprios partidos patronais como o PJ sejam convocadores deste tipo de instância. São partidos de governo que vieram gerindo o estado a serviço dos empresários, por mais que hoje sejam opositores. Com eles temos em comum que nos opomos ao DNU 70 e a LO, mas não compartilhamos os objetivos: eles querem que sejam os governadores e “seus” deputados e senadores os que negociem e vejam qual parte de nossas conquistas entregam.

Um desafio especial é organizar a raiva naquelas zonas das grandes cidades, em particular na Grande Buenos Aires, onde há muito peso do trabalho informal e há pouca organização sindical, onde a direita conseguiu fincar um pé mas também há numerosos setores que são os mais punidos pelo ajuste. As organizações piqueteiras podem desempenhar um papel muito positivo se impulsionam assembleias abertas e comuns das diferentes tendências junto às organizações sindicais, estudantis e políticas (o FITU, nestas localidades com vereadores, em sua maioria professores).

É necessário convocar o movimento de mulheres mostrando como a LO e toda a política do governo busca abrir caminho para questionar as conquistas arrancadas em anos de luta por este poderoso movimento. Enquanto isso as meninas e jovens entre 14 e 29 anos encabeçam as estatísticas da pobreza, como assinalam Andrea D’Atri e também denunciou Myriam Bregman.

A juventude, apesar das férias estudantis, está chamada a se rebelar contra esse ataque redobrado às condições de trabalho, à educação pública, à universidade gratuita (a LO estabelece mensalidades para estudantes estrangeiros). Em várias cidades do país já começam a se organizar jovens para se mobilizar junto com os trabalhadores e setores populares. Os movimentos culturais que já existem podem desfraldar toda sua criatividade ao calor de uma luta massiva e nas ruas, como nunca antes viram em suas vidas. Vai começar a ser quebrado o “encanto” que a aventura libertária gerou nos mais jovens (sobretudo nos homens), mas isso não é possível das mãos daqueles que buscarão novas conciliações com setores empresariais (como Grabois ou Kicillof), mas sim retomando as tradições de luta nas ruas e a perspectiva socialista que estava presente na geração do Cordobazo, tirando lições de suas potencialidades e erros. Cada jovem trabalhador, trabalhadora ou estudante que se organize e lute no verão se multiplicará por centenas ou milhares dentro de poucos meses.

5. Um programa independe que comece pela defesa dos salários, aposentadorias e cada posto de trabalho, exigindo que a crise seja paga pelo poder econômico e pela ruptura com o FMI

Em cada assembleia é necessário começar a discutir um programa que parta de colocar “abaixo ao DNU e qualquer lei contra o povo trabalhador”, para fechar o caminho a negociações reacionárias. “Pelo aumento emergencial dos salários, aposentadoria e receitas dos autônomos (como foi o IFE) para que não percam frente à inflação. Não aos tarifaços.”

Devemos rechaçar as demissões de temporários no estado ou em qualquer empresa que feche ou demita, que puna aos trabalhadores pela festa dos ricos e poderosos (já foram embora os fundos fiscais no pagamento da dívida). Incorporação de terceirizados e temporários. Ocupar e colocar em produção sob gestão operária toda fábrica que feche ou despida massivamente, seguindo os exemplos de Zanon e Madygraf (que são parte dos movimentos de luta).

Diante das remarcações de preços exigimos o congelamento imediato e que sejam abertos os livros de contabilidade das grandes empresas alimentícias para que o povo possa ver seus fabulosos lucros. Expropriação sob controle de seus trabalhadores de toda empresa que especule com a fome do povo.

Os grandes empresários seguiram ganhando durante todos estes anos. O capital financeiro o FMI nos cobram dívidas que foram uma fraude para financiar a fuga de capitais. Que a crise seja paga por eles, pelo poder econômico. Fora FMI.

6. Um chamado especial às demais organizações da FITU e setores combativos

A mobilização de 20 de dezembro foi o primeiro desafio nas ruas ao governo de Milei e ao protocolo de Bullrich. Esta mobilização mostrou um bloco comum das organizações piqueteiras e sindicais combativas, junto com a esquerda e organizações de Direitos Humanos pertencentes ao Encontro Memória, Verdade, e Justiça. Na mobilização da CGT dia 27 nos Tribunais esse mesmo bloco marchou exigindo uma greve nacional e plano de luta. Agora nos propomos a continuar e fortalecer essa unidade de ação e esse polo político independente das direções sindicais e sociais ligadas ao FDT/UxP na preparação das mobilizações do dia 24 em todo país, a continuar e fortalecer essa unidade nas próprias marchas e depois da greve.

Construindo a unidade combativa desde os de baixo, promovendo assembleias, coordenadores ou qualquer instância de unidade operária e popular a nível de bairro, região ou província, com um polo que levante um programa independente e que mobilize massivamente no dia 24 de janeiro podemos impulsionar um grande Encontro ou Plenária Nacional combativa para fevereiro. Uma possibilidade de multiplicar a voz dos setores independentes da burocracia sindical. Esse encontro poderia acontecer em um grande estádio ou campo de futebol para potencializar a organização dos de baixo e um programa para que a crise seja paga pelos grandes empresários.

7. Um verão excepcional

Este não será um verão “normal”. A preparação da greve nacional com mobilização do dia 24 de janeiro exige que coloquemos toda nossa energia em reuniões, panfletagens, ações de divulgação como em “pinturas” de muros, jornadas de debate e coordenação. O PTS publicará um panfleto nacional e todo tipo de materiais e atividades regionais e locais. Cada assembleia de bairro ou reunião de coordenação deverá produzir seus próprios materiais e consignas para instalar o debate de forma massiva, preparando uma grande mobilização com todos os cortes de ruas e estradas que sejam necessárias para garanti-la. O Esquerda Diário já vem expressando todo o processo de panelaços e assembleias que está se desenvolvendo e apostamos a que se multiplique. Cada pessoa pode ser cronista da luta. Muitos da militância já estão adiando suas férias. O governo e as patronais apostam nos efeitos desmobilizadores dos meses do verão. Vamos dar a eles uma surpresa.




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