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No próximo mês irá ocorrer o 8º Congresso do PSOL. É a primeira vez que um Congresso do PSOL ocorre enquanto este partido integra um governo, no caso o governo Lula-Alckmin. Isso abre uma série de debates e questões entre as correntes que compõem o PSOL e entre filiades e simpatizantes deste partido que ao longo dos anos anteriores vinha se postulando como principal partido à esquerda do PT.

Diana AssunçãoSão Paulo | @dianaassuncaoED

sábado 26 de agosto de 2023 | Edição do dia

Ao mesmo tempo, este Congresso do PSOL marca a integração do partido à base do governo petista e também marca o PSOL abandonando milhares de pessoas que buscam uma alternativa independente, mas que seguem se referenciando em suas figuras ou parlamentares. Neste artigo vamos elencar 5 pontos fundamentais das discussões que perpassam o Congresso do PSOL e frente às quais nenhuma das teses apresentadas indicam uma posição de independência de classe.

1. PSOL é parte do governo ou não? A votação do arcabouço fiscal como símbolo da localização do PSOL

Um primeiro ponto fundamental da discussão é sobre se o PSOL está ou não no governo. Embora até mesmo dirigentes do partido coloquem publicamente que o PSOL é parte do governo, ainda pairam dúvidas, ou melhor, se criam dúvidas. Mas há coisas que simplesmente não se podem ocultar. O PSOL surgiu em 2003 a partir de uma ruptura à esquerda com o PT diante da aplicação da reforma da previdência pelo primeiro governo Lula. Desde então o PSOL manteve esta localização de oposição de esquerda ao PT. Isso se sustentou até o golpe institucional de 2016, quando o PSOL se divide. Uma parte do partido rechaça o golpe institucional, mas se adaptando ao petismo, e outra parte do partido faz coro com a Lava Jato. De lá pra cá buscaram, depois que Bolsonaro sobe ao poder, manter um discurso de combate ao bolsonarismo ainda que na prática por fora de qualquer medida real de luta combinando parlamentarismo institucionalizado com uma verborragia de esquerda. Mas com a entrada do novo governo de Frente Ampla isso foi colocado em xeque. Algumas correntes negam veementemente que sejam parte do governo, outras vêm cada vez mais admitindo que o PSOL está no governo. Cada corrente, a cada semana e em cada editorial apresenta alguma nova formulação para explicar a localização do PSOL. Por exemplo, a definição de “apoiar as medidas progressistas do governo, mas se manter independente”, como se a questão da independência ou de estar ou não no governo fosse uma questão de simplesmente “se dizer independente” e não uma questão definida pela política ou cargo com o qual você está efetivamente atuando em um determinado governo. Já era suficiente ilustração desta posição saber que o PSOL tem um Ministério, com Sônia Guajajara, está na vice-liderança do governo na Câmara dos Deputados com o Pastor Henrique Vieira e faz propaganda pelas páginas do PSOL e de parte de seus deputados das principais políticas do governo do PT. Agora, vale dizer que um importante aliado de Guilherme Boulos, integrante do MTST, assumiu uma Secretaria no Ministério das Cidades do Governo Lula-Alckmin.

Mas a votação do Arcabouço Fiscal na última semana faz cair por terra as tentativas dos dirigentes de distintas correntes do PSOL em mascarar que são parte do governo. A partir do momento em que avalizam com seus votos os encaminhamentos na Câmara, dos Deputados dos quais dependiam a aprovação do Arcabouço Fiscal, significa que o PSOL atuou como quinta roda da aprovação de uma medida neoliberal implementada por este governo de Frente Ampla, que inclusive, muitas vezes algumas figuras do PSOL criticam. Mas não foi apenas isso, essa votação foi antecedida pela enorme ausência de qualquer chamado ou medida de luta para enfrentar este Arcabouço Fiscal, que é um novo teto de gastos e vai impactar no orçamento dos serviços básicos precarizando a vida da população. Enquanto alguns setores do PSOL tentam justificar que a votação era apenas de “pontos divergentes”, o que fica evidente é que ali estava em jogo se o projeto de conjunto que estava retornando do Senado iria para sanção presidencial ou não, conforme noticiou amplamente a imprensa, dando grande vitória para o governo, e derrota para a classe trabalhadora. Para quem ainda está em dúvida, qual é o chamado que o PSOL está fazendo para, após essa aprovação, organizar alguma luta pela revogação do Arcabouço Fiscal? Absolutamente nenhum chamado. Ao contrário, desarmam a juventude e os trabalhadores usando a retirada do Fundeb como pretexto para cantar “vitória” assim que terminou de ser aprovado o arcabouço, quando o mínimo seria denunciar esse ataque desenhado pelo governo Lula contra a classe trabalhadora. A questão a se debater é: Qual o interesse do PSOL com esta movimentação e em salvaguardar a ambiguidade da sua posição no governo e nesta votação em particular? Vamos ao segundo ponto.

2. Guilherme Boulos é o novo Marcelo Freixo?

Não é necessária uma análise muito profunda para entender que há algo por trás das posições que levam o PSOL a manobrar no parlamento na votação do Arcabouço Fiscal para parecer que estão “apenas votando pontos divergentes” quando, na prática, estão junto com o governo facilitando o trabalho para que o projeto vá para sanção presidencial. Justamente o que está por trás são as negociações em torno da candidatura de Guilherme Boulos para a Prefeitura de São Paulo, que já conta com o apoio público do PT mas que também será fonte de condicionantes permanentes ao PSOL. Boulos sempre esteve disposto a fazer qualquer tipo de frente ampla e se reunir com todo o tipo de gente, de empresários a Datena, para alcançar seus objetivos, e não será diferente para 2024. Mas também já está claro que quanto mais essa negociação avança mais o próprio PT quer condicionar o PSOL. Algumas correntes já aceitaram essa localização de joelhos, como a Resistência. Outras, tentam se mostrar mais críticas, como o MES.

Mas o fato é que algumas tragédias às vezes podem realmente se repetir como farsas. O fenômeno eleitoral em torno de Marcelo Freixo em 2016 no Rio de Janeiro, por exemplo, deveria ser um ponto central de discussão. Não há absolutamente nenhum balanço sobre o frenesi que foi a campanha de Freixo no Rio de Janeiro, quase uma unanimidade na esquerda, Freixo este que, depois de abraçar Janaína Paschoal, relatora do impeachment de Dilma Rousseff, passou pelo PSB de Alckmin, indo para o PT e termina “fazendo turismo” na Embratur. No Rio de Janeiro a juventude e os trabalhadores acreditaram que estavam diante de uma alternativa ao PT, mas receberam apenas um programa pequeno-burguês de conciliação de classes que terminou se abraçando com inúmeras figuras da burguesia carioca, este foi Marcelo Freixo. Mesmo caminho de outros como Heloísa Helena e Randolfe Rodrigues. Em São Paulo o caminho para que Boulos termine assim já está apontado. As alianças já começaram a ser construídas e a política de conciliação está na ordem do dia. Por cima, comemorando junto com Tarcísio de Freitas a reforma tributária, por baixo, contribuindo para que as burocracias sindicais façam seu trabalho de manter os trabalhadores sem nenhuma medida de luta. Afinal, o que fará Boulos, governando São Paulo, quando os capitalistas exigirem a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal?

3. O exemplo da prefeitura de Belém como administração do regime burguês

Não precisamos ir muito longe para responder essa pergunta. A administração capitalista na Prefeitura de Belém por Edmilson Rodrigues deveria ser um dos debates centrais do Congresso. Qual é o balanço sobre esta prefeitura governada pelo PSOL? O fato é que o PSOL governou Belém como qualquer governante burguês capitalista com ares “democráticos humanitários” faria, ou seja, absolutamente nada a ver com uma política revolucionária. Não à toa que diante de leis como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que o PSOL não se propõe a enfrentar em seu programa para prefeitura, decidiu cortar da carne dos trabalhadores com a reforma da previdência local que aplicou, enfrentando greves dos servidores públicos, e respondendo com medidas de repressão contra a luta dos trabalhadores e da juventude. É uma prova cabal de que o PSOL é um partido de tipo neo-reformista que apenas busca reeditar algumas das experiências mais catastróficas da esquerda internacional, que diante de crises econômicas profundas explodiram ou então diretamente estão gerindo o Estado burguês, atacando duramente os trabalhadores. Foi o caso do Syriza na Grécia, tão louvado por dirigentes do PSOL como Luciana Genro do MES, e do Podemos na Espanha.

Lembremos que a prefeitura de Belém foi chamada de “capital da resistência” em 2020 pela corrente, claro, Resistência. Qual foi a resistência que essa prefeitura levou adiante? Absolutamente nenhuma e, pelo contrário, enfrentou a resistência dos trabalhadores. Não à toa a tese nacional que a Resistência apresenta ao Congresso do PSOL optou por nem tocar no assunto, deixando este como um debate “estadual”. Repete-se em Belém o mesmo que ocorreu na primeira capital governada pelo PSOL, Macapá, que o prefeito do PSOL Clécio Luis, fez uma gestão burguesa tradicional, e agora faz parte do Solidariedade e é governador do estado.

4. A falsa discussão da Frente Única Operária

É um fato que ao longo dos últimos anos o PSOL foi se construindo como um partido de figuras (que “de repente” vão para outros partidos, como o caso de Jean Willys, Marcelo Freixo, Douglas Belchior, Isa Penna, entre outros). Tem cada vez menos militância orgânica e real, e muito mais trabalho voltado aos gabinetes parlamentares e filiados, incluindo militância paga (especialmente nas eleições) como os partidos tradicionais. Isso não é nenhuma novidade, é a fórmula da velha social-democracia. Mas aqui a questão é a utilização de uma discussão muito cara aos revolucionários, que tem sido utilizada para encobrir pela esquerda esta atuação completamente adaptada por parte do PSOL e suas correntes, que é a discussão da Frente Única Operária.

A Resistência diretamente “inventou” sua própria “teoria da frente única” que é o oposto dos ensinamentos da III Internacional sobre frente única operária. Para a Resistência, se trata de fazer unidade com partidos com programas burgueses e com as direções burocráticas do movimento de massas, se integrando a elas e atuando junto com elas, sem incentivar a auto-organização da classe trabalhadora e tudo em nome de supostamente “combater a extrema-direita”. Exemplos não faltam: junto ao MES, se juntaram na mesma chapa com Bebel, a maior burocrata da categoria de professores de São Paulo, que está há 30 anos no Sindicato impedindo os trabalhadores de lutar. No Metrô de São Paulo os metroviários tiveram que passar por cima da presidente do Sindicato, Camila Lisboa, que defendeu e votou contra a greve aprovada pela pela categoria, que enfrentou Tarcísio em março. Qual é a frente única que a Resistência está batalhando para que a classe trabalhadora possa se mover? Nenhuma! O que a Resistência chama de frente única é a integração em frentes eleitorais e governos envolvendo até partidos burgueses, combinada com a aliança com a burocracia sindical que está evitando as greves e lutas.

5. O embate Resistência x MES é o espelho invertido de duas faces do oportunismo

É por isso que o embate que vemos entre a Resistência e MES poderia ser lido como um espelho invertido de duas faces do oportunismo. Isso porque o MES busca aparecer como uma corrente mais crítica aos rumos do PSOL e à adaptação desenfreada da Resistência, criticando também a política de Guilherme Boulos em São Paulo, mas estão junto com Bebel na direção da APEOESP. Quando se trata de Belém, da mesma maneira reivindicam essa gestão dizendo que “no Pará, a prioridade eleitoral é reeleger Edmilson”, sem nenhum balanço do que significou a política de Edmilson em Belém, exatamente da mesma forma que a Resistência. Enquanto isso, criticam as políticas do PSOL dentro do governo, mas, na prática, seguem dentro do governo junto com o PSOL. Que outro nome se poderia dar a isso, senão o mais puro oportunismo?

A mudança de governo no país aprofundou a adaptação oportunista de ambas as correntes. A Resistência, que se opôs ao golpe institucional, construiu sua trajetória e seu sentido de existência em torno do suposto combate ao “neofascismo” a tal ponto que não conseguem conceber a ideia de que quem governa o país não é mais Bolsonaro e que o 8J foi uma ação fracassada do núcleo duro bolsonarista. A noção do “neofascismo”, longe de dar a verdadeira seriedade ao combate às tendências de extrema direita que as políticas do governo Lula-Alckmin alentam, é usada pelo Resistência para desmobilizar o movimento de massas, rebaixar suas aspirações e aceitar todos os tipos de acordos com as forças burguesas do "mal menor" em nome de supostamente "combater a extrema direita". De quebra, ainda desarma nossa classe para o fato de que o fascismo de verdade não está descartado como possibilidade histórica, que não seria evitada, e sim impulsionada pela conciliação de classes. Não conseguem conceber que o bolsonarismo somente segue vivo pela política de conciliação de classes que permite que, por exemplo, Tarcísio se alce como nome forte para 2026, alentado pelo próprio petismo, que o colocou como aliado na reforma tributária, e contribui para sua política de privatizações, tanto através do arcabouço fiscal, como das privatizações feitas pelo governo federal. Esta é a política que a Resistência considera correta e quer chamar de “frente-única” usando além de tudo o nome de Trotski (!). A única coisa de que a Resistência nunca lembra é que o Estado burguês é constituído por determinadas instituições, que são as mesmas que levaram adiante o golpe institucional de 2016 e abriram caminho para Bolsonaro, e que essas instituições estão mais fortalecidas do que nunca. Qual a política da Resistência para enfrentar estas instituições cada vez mais autoritárias e bonapartistas? Nenhuma. Ao contrário, aposta nelas, como o STF, como aliadas e salvaguarda contra a extrema direita.

Mas o MES também aprofundou sua adaptação oportunista com a mudança de governo. Durante alguns anos, o MES precisou passar por uma adaptação-aceitação de falar ainda que timidamente contra o golpe institucional, depois de tanto ter comemorado a Lava Jato. Mais recentemente, foram entusiastas da campanha de Lula-Alckmin depois de terem defendido até uma unidade eleitoral com Ciro Gomes. Ao contrário de expressar qualquer defesa da independência de classe, suas críticas se dão no marco de profunda adaptação ao regime, pelos seus próprios interesses eleitorais. O MES aponta que a Resistência distorce o legado de Trótski e não tem fundamento teórico para suas posições. E por acaso a permanência no PSOL, dentro do governo burguês, não rompe completamente com o mais elementar do legado de Trótski? E ainda vêm falar em nome do legado da tática revolucionária de frente única operária. Pois então: qual proposta de luta fizeram para derrotar o arcabouço fiscal? Qual proposta fizeram, depois de aprovado o arcabouço, para efetivamente organizar a luta para revogar este arcabouço? Não há nenhuma notícia sobre qualquer proposta deste tipo. Também foram às redes sociais falar em “vitória” assim que o arcabouço terminou de ser aprovado. A bem da verdade, o MES tenta fazer um discurso mais de esquerda, e finge que o papel do PSOL ainda está “em disputa”, para encobrir o fato de que permanece nesse partido que já se integrou ao governo, e isso porque abandonou qualquer ambição de construir uma corrente entre trabalhadores e estudantes, em nome de “nada mais que parlamentarismo”. E as contradições não param por aí. Apesar de terem um discurso de "não subordinação ao PT", em Porto Alegre estão neste momento propondo publicamente que o PT encabece a chapa para prefeitura da capital gaúcha em 2024. A bússola política do MES é o cálculo de quantos parlamentares podem eleger e o calendário das eleições burguesas e não perdem uma oportunidade de se subordinar ao PT e à conciliação de classes a serviço desses objetivos. O que se delineia é que o Congresso do PSOL seja uma disputa de cargos e peso de controle partidário por fora das necessidades reais da luta da classe trabalhadora, consolidando o PSOL como um partido completamente subordinado ao PT e à Frente Ampla.

Quais são as perspectivas para a esquerda revolucionária, que quer superar o PT pela esquerda?

Em nossa visão, o desenvolvimento da crise econômica e da experiência da juventude e dos trabalhadores com o governo Lula-Alckmin pode dar lugar a novos fenômenos e espaços de luta e discussão, inclusive com amplos setores que hoje militam ou se referenciam no PSOL. Por isso achamos fundamental essa discussão. Neste sentido, agora, qualquer perspectiva passa por batalhar pela mais ampla unidade da nossa classe para enfrentar os ataques que ainda estão colocados. É preciso uma unidade na ação para organizar a luta da classe trabalhadora pela revogação do arcabouço fiscal, de todas as reformas e privatizações. Exigir um plano de luta concreto. Que os Congressos de trabalhadores que vão ocorrer nos próximos meses sejam colocados a serviço desta perspectiva. O Manifesto contra a terceirização com mais de 5 mil assinaturas encabeçado por importantes intelectuais do país é um forte ponto de apoio neste caminho. Além disso, o Encontro da Subsede da APEOESP de Santo André, única Subsede onde a Oposição Combativa Unificada venceu a eleição de delegados, votou uma Carta de Santo André com propostas unitárias que fazemos a todas as correntes para avançar em uma coordenação comum e colocar de pé um plano de luta pela revogação imediata do arcabouço fiscal, da reforma do ensino médio, da reforma trabalhista, da reforma da previdência e de todas as privatizações. Esta perspectiva é urgente se queremos avançar para superar o PT pela esquerda, algo que o PSOL, enquanto partido, já deixou claro que não quer fazer.




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