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Análise | 100 dias de Raquel Lyra: o “jogo duplo” e a debilidade de seu governo

Analisamos os primeiros meses de governo do estado de Pernambuco de Raquel Lyra (PSDB). Um governo débil que trabalhará para perdurar todos os problemas estruturais do estado que atingem a classe trabalhadora.

Renato ShakurEstudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

sábado 15 de abril de 2023 | 22:22

Foto: Júnior Soares/Folha de PE

Após 16 anos do PSB governando o estado de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), precisa vencer o aparato estatal e o arco de alianças e acordos políticos criados pela oligarquia Campos para implementar seu projeto caso queira ser bem sucedida em seu governo. Vencer esta resistência é um desafio crucial para criar as margens de manobras necessárias para governar um estado onde reinam as oligarquias tradicionais, mas onde também emergem novos setores econômicos que buscam seu lugar privilegiado ao sol do comando político do estado.

Mas não nos enganemos, a oposição burguesa do PSB ao governo de Raquel Lyra (que contraditoriamente tem ninguém menos que Dani Portela do PSOL como líder da bancada de deputados da oposição), não tem interesse de enfrentar o projeto privatista e neo liberal de Raquel Lyra. Seu objetivo é enfraquecer seu governo para debilitar a figura de Raquel e melhorar o cenário de disputa para as próximas eleições. Enquanto isso, o PT e PCdoB seguem neutros dentro da câmara de deputados frente ao governo tucano de Raquel na banca independente.

Não à toa uma das primeiras medidas de Raquel Lyra foi tentar exonerar 2.754 funcionários da educação, das quais teve que voltar atrás. Mas ainda assim conseguiu demitir todos os servidores que exercem função gratificada de supervisão e de apoio à área da Saúde. O passo atrás na exoneração dos funcionários da educação mostra as debilidades de Raquel, que segue tentando fazer uma “limpa” de qualquer resquício dos quadros do PSB no aparato estatal. Enquanto o União Brasil, liderada pela oligarquia dos Coelhos mantém apoio político ao governo de Raquel, porém sem se comprometer com a bancada governista, com um pé dentro e um pé fora.
Como havíamos analisado aqui, a crise orgânica no estado ainda não se fechou, ainda que a direita tenha capitalizado parcialmente o desgaste do PSB. Mas o fato é que os problemas estruturais de Pernambuco, a crise econômica internacional atravessada pela guerra entre Ucrânia e Rússia e a falta de investimento do governo federal, ao contrário de como foi no governo Eduardo Campos, são os fatores que também dificultam o governo Raquel Lyra barganhar um novo projeto político para o estado com as demais oligarquias locais, assim como fazer grandes projetos que possam sinalizar demagogicamente qualquer melhoria de vida para a população

Acaba que o que está em jogo é principalmente a manutenção do apoio de seu eleitorado na região metropolitana de Recife, que votou majoritariamente em Raquel, mas são os mais afetados com os problemas estruturais como saneamento, deslizamentos, enchentes, desemprego, fome e o trabalho precário. Esse fator implica na debilidade do seu governo em impor um programa e um projeto político que possa hegemonizar as oligarquias regionais e as frações burguesas da região, principalmente, o setor industrial que a Fiepe representa.

Por isso, Raquel Lyra utiliza uma espécie de “jogo duplo” resultado de uma nova correlação de forças no país com a eleição da Frente Ampla e o governo Lula-Alckmin. Na primeira visita de Lula a Recife, Lula abraçou Raquel, a defendendo perante as vaias indignadas do público , mesmo sabendo que quem fazia isso eram os trabalhadores da saúde que estão lutando pelo pagamento do piso. Lula precisa do apoio de Raquel, justamente, em um dos estado onde o PT tem um fortíssimo peso eleitoral, ao mesmo tempo que o apoio de Lula a ela tem gerado um prolongamento da “lua de mel” em Pernambuco, basta ver que Raquel Lyra é a 2ª governadora mais popular do Brasil.

Porém, ao mesmo tempo em que se apoia na Frente Ampla, Raquel Lyra também se alia ao bolsonarismo pernambucano. Anderson Ferreira acumula dois cargos de direção no Detran-PE e tem a secretaria da Educação. Além disso, a única emenda aceita por Lyra à reforma administrativa foi do pastor Cleiton Collins que legaliza as comunidades terapêuticas no estado. Tanto a família Collin quanto a família Tércio são donas de redes de Comunidades Terapêuticas.

Há um peso evangélico muito grande no estado, especialmente na região metropolitana onde se concentram os votos do bolsonarismo, Raquel Lyra tenta dialogar com essa base reacionária no estado como parte de conquistar algum nível de estabilidade. Certamente, os pontos em comum entre Raquel Lyra e o bolsonarismo regional vão muito além desse cálculo eleitoral, ambos são contra o aborto e a favor de uma política repressiva da polícia ainda mais forte contra os trabalhadores e a população negra.

Mas o que chama a atenção nesses 100 primeiros dias de governo é que já abriram algumas crise importantes na classe trabalhadora, seja com as trabalhadoras da saúde, as merendeiras que ficaram sem salário e agora os metroviários que chamaram uma assembleia para debater a greve na categoria. Por outro lado do os problemas estruturais do estado que já citamos aqui, fazendo-o liderar nos rankings dos piores índices de indicadores socioeconômicos, caem agora sobre os débeis ombros do governo de Raquel.

As primeiras fortes chuvas (sempre “inesperadas”, como alegam hipocritamente as autoridades) do ano já castigam as regiões periféricas das cidades com enchentes. Os cortes de avenida com pneus queimados exigindo moradia seguem na principal avenida que dá acesso ao Pina, um dos bairros onde reina a especulação imobiliária com um dos metros quadrados mais caros do Brasil. A crise na saúde frente à demanda do pagamento do piso também irá perdurar apesar de todos os esforços da burocracia sindical para paralisar esta luta. Os professores do estado também se mobilizam frente a negativa de Raquel de reajustar os salários.

Espremida entre as massas descontentes e as disputas entre as oligarquias de Pernambuco, Raquel não fará diferente do que seus antecessores, seguirá defendendo os privilégios e as fortunas do patronato regional almejando estabilidade a seu governo. Apostando na repressão policial contra a população negra e precarizada e implementando as medidas de interesse comum da burguesia frente a um capitalismo decadente que precisa destruir as condições de vida da classe trabalhadora para aumentar suas taxas de lucro.

O que espanta nisso tudo é que o PT e PCdoB em Pernambuco escolheram não ser oposição a esse governo, conformando pela primeira vez na história da Alepe um “campo independente” que não é nem a favor, nem contra o governo. Parece até piada, mas é de se estranhar ainda mais que figuras como João Paulo e Rosa Amorim que dedicaram suas campanhas dizendo que iam “combater” o bolsonarismo, quando estão diante do governo Raquel Lyra abrindo espaço para esse setor reacionário da política pernambucana, preferiram não ser oposição.

Do outro lado, tem o PSOL que decidiu corretamente estar na oposição ao governo encabeçando esse setor na Alepe com a figura da Dani Portela, mas de mãos dadas com o PSB. Como é possível ser uma oposição com um partido que governou Pernambuco até o ano passado e grande parte da precarização e desigualdade do estado é culpa do próprio PSB? Como ser oposição ao lado de um partido que governou para os interesses de oligarquias reacionárias, com uma polícia que mais assassina negros no Brasil? Não resta dúvida que uma oposição como esta não dará nenhuma resposta aos 2 milhões de pessoas que passam fome no estado e a nenhum de seus problemas estruturais. Também não nenhuma novidade que o PSOL se preste a um papel desse, o partido é parte da Frente Ampla com Lula e Alckmin

É necessário construir um caminho de luta independente dos governos, tanto do governo Lula-Alckmin quanto de Raquel Lyra. O governo do PT já anunciou que não revogará nenhuma das reformas, especialmente a trabalhista, que pega em cheio o estado de Pernambuco que tem milhões de trabalhadores em postos de trabalho precários e desempregados. Reforçamos aqui a declaração do Pão e Rosas Pernambuco, de que não podemos confiar em Raquel Lyra para “solucionar” os problemas mais sentidos pela população pobre e pelos trabalhadores, nem muito menos os problemas das mulheres no estado. Raquel Lyra é uma governadora que defende os interesses das oligarquias e dos empresários no estado, está do lado oposto à luta das mulheres e de todos os trabalhadores.




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