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Tribuna Aberta | A retórica do cachorro morto nos transportes do Rio de Janeiro

Os verdadeiros algozes do transporte público no Rio de Janeiro são “as empresas” e “administração pública” que há anos ignoram as reiteradas reivindicações da população.

domingo 5 de março de 2023 | Edição do dia

Cotidianamente nos deparamos com tristes notícias de “acidentes” no trânsito do Rio de Janeiro envolvendo ônibus urbano, muitos, com vítimas fatais, como lamentavelmente ocorreu no último dia 28/02 envolvendo a jovem trabalhadora Juliane Campelo da Silva Layana, de 31 anos.

Imediatamente, há uma forte comoção da grande mídia e da população, nos indignamos. A justificativa é sempre a mesma “o motorista estava correndo demais”. É um fato. Motoristas dos ônibus “públicos” do município do Rio de Janeiro, sobretudo, dirigem de forma extremamente violenta e assustadora. Salve-se quem puder, seja dentro ou fora do ônibus.

No entanto, nunca há uma crítica, reflexão ou análise a partir da ótica do trabalhador explorado. Os motoristas de ônibus no Rio de Janeiro trabalham sob condições insalubres; em viaturas extremamente sucateadas; sem ar condicionado – na cidade maravilhosa cuja sensação térmica chega a quase 60°C –; com pressão para cumprimento de horário – em um dos trânsitos mais caóticos do país –; sem dignidade quanto as necessidades fisiológicas mínimas, já que não sabem quando e onde poderão se hidratar, se alimentar ou ir ao banheiro. Ter “dor de barriga”, nem pensar.

Tudo isso, ainda tendo que desempenhar dupla função (motorista e cobrador), por uma remuneração ridícula de 2 salários mínimos. Precisam se atentar ao trânsito, ao troco, ao idoso, à pessoa com deficiência, à gestante, à criança; ao turista; aos bêbedos inconvenientes; aos vendedores ambulantes; à galera que quer entrar sem pagar – mas se a câmera “pegar” terá que pagar do próprio bolso –, à porta que não fecha, à roleta, ao elevador que não funciona, etc.

Por muito menos, eu já teria surtado há muito tempo, por algumas vezes, se ainda restasse alguma sanidade mental.

Os verdadeiros algozes do transporte público no Rio de Janeiro são “as empresas” e “administração pública” que há anos ignoram as reiteradas reivindicações da população, mais notadamente, das periféricas e determinações judiciais por condições dignas nos transportes públicos.

Portanto, sem uma política pública de mobilidade urbana e adequação do transporte público no Rio de Janeiro, pessoas continuarão morrendo e sendo mutiladas, os motoristas de ônibus sob toda forma de estresse e injúria, famílias enlutadas e todo corpo de trabalhadores e trabalhadoras pobres – obviamente –, sob condições indignas e periculosas.

É imprescindível haver nas empresas, programas permanentes de cuidado em saúde mental, suporte psicossocial e em outros aspectos da saúde para esses trabalhadores. Estamos (nós e eles) lançados à a própria sorte na selva urbana.

Há ainda, de se pautar no legislativo, melhores condições de trabalho para os motoristas de ônibus urbano (extensivo a outras categorias do transporte público), com salários dignos; veículos seguros e confortáveis; jornada de trabalho reduzida, para 6 horas diárias e duas folgas semanais; obrigatoriedade do cargo auxiliar de cobrador e percepção de adicional por periculosidade, se quisermos ter a sorte de voltarmos “íntegros” para casa todos os dias.

Chega de bater em “cachorro morto” e vamos cobrar e responsabilizar a “quens” de direito, ou seja, as grandes empresas de transporte que lucram com toda essa situação, ganhando com o transporte lotado, o corte de linhas, a dupla-função do motorista, o sucateamento dos carros e a precarização da vida da classe trabalhadora.




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