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Das chamas na Cinemateca à nova Lei Rouanet: o projeto de Bolsonaro para a arte e cultura

Luno P.

Das chamas na Cinemateca à nova Lei Rouanet: o projeto de Bolsonaro para a arte e cultura

Luno P.

Nesta última quinta-feira, 29, assistimos com tristeza e raiva 60 anos de história do cinema brasileiro sendo queimados. Eram as chamas que tomaram conta do galpão da Cinemateca na Vila Leopoldina - SP. O que foi destruído no incêndio de quinta, 5º incêndio desde 1957, fazia parte do que sobrou da inundação de fevereiro de 2020. Tal fato não foi uma fatalidade, mas um crime anunciado, como os próprios trabalhadores da Cinemateca definem, cujo os responsáveis sabemos os nomes: Bolsonaro, junto de Mourão e os militares. O mesmo Bolsonaro que, frente ao incêndio do Museu Nacional em 2018, fruto da negligência e dos sucessivos cortes contra a cultura e a educação, disse “já está feito, já pegou fogo, quer que eu faça o quê?”.

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Foram cerca de 1 milhão de documentos cinematográficos destruídos, alguns com mais de 100 anos, sendo eles, grande parte dos arquivos de órgãos extintos do audiovisual, relacionados aos trabalhos da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) e do Instituto Nacional do Cinema (INC), ambos criados nos anos 1960, e do Conselho Nacional de Cinema (Concine), criado nos anos 1970, assim como parte do acervo de documentos do cineasta Glauber Rocha, como duplicatas da biblioteca dele, do acervo de vídeo do jornalista Goulart de Andrade, do acervo produzido por alunos da ECA-USP em 16mm e 35mm e da distribuidora Pandora Filmes, com cópias de filmes brasileiros e estrangeiros em 35mm, matrizes e cópias de cinejornais, trailers, publicidade, filmes documentais, filmes de ficção, filmes domésticos, além de elementos complementares de matrizes de longas-metragens, todos estes potencialmente únicos, e equipamentos e mobiliário de cinema, fotografia e processamento laboratorial, muitos deles fundamentais para consertos de equipamentos em uso e relíquias que iriam compor um futuro museu.

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O governo Bolsonaro respondia a um processo judicial por abandono da Cinemateca, tendo sido comunicado dias antes do ocorrido sobre o risco de incêndio por abandono, entretanto, por conta de um acordo entre o Judiciário e o governo Bolsonaro, houve prorrogação em 60 dias para a Secretaria Especial da Cultura apresentar melhoras na preservação da Cinemateca, o que torna a situação ainda mais absurda e escancara que a negligência, e o completo abandono pela falta de verba e investimento por parte do governo Bolsonaro e Mourão, foi o que permitiu que tal tragédia acontecesse.

Não é mera coincidência que na mesma semana, na terça-feira, dia 27, Bolsonaro tenha decretado um novo regulamento para o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), mais conhecido como Lei Rouanet, estabelecendo alterações que garantem a possibilidade de que o governo federal possa decidir a dedo sobre os conteúdos dos projetos contemplados, dando ao presidente da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que decide os projetos aptos a captar recursos por meio da Lei Rouanet, o poder de tomar decisões sobre os projetos sem consultar os demais integrantes da comissão. Frente ao fato de não ter sido lançado novo edital para a formação da CNIC desde o fim do mandato de 2019-2020, isso significa que as decisões ficam a cargo do secretário de Fomento e Incentivo à Cultura da Secretaria Especial de Cultura, André Porciuncula Alay Esteves, nada mais nada menos que um capitão da PM da Bahia, diretamente subordinado ao secretário especial de Cultura, o reacionário Mário Frias. O decreto também dá ênfase aos projetos de belas artes e arte sacra, ordenando a inclusão de especialistas em arte sacra na CNIC.

Para quem tem dúvidas do que isso poderia significar na prática, basta lembrar da censura ao Festival de Jazz do Capão, cuja a organização foi impedida de captar recursos via Lei Rouanet pela gestão de Mário Frias, tendo no início do parecer de indeferimento feita pela Funarte a seguinte frase atribuída ao músico alemão Johann Sebastian Bach, que morreu em 1750: "O objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma", sendo este, e o slogan do evento que dizia “Festival antifacista e pela democracia”, os argumentos centrais para o indeferimento, banhados pelo racismo bolsonarista e por intolerância religiosa.

Mas aqui é importante deixar nítido que a Lei Rouanet, criada em 1991 no governo Collor, é desde sua concepção uma forma de mercantilização da cultura. Isso porque ela funciona com base na renúncia fiscal: as empresas deixam de pagar impostos e aplicam essa verba em projetos culturais. Assim, não é o povo e os trabalhadores da cultura que decidem quais projetos serão financiados, mas sim o departamento de marketing das empresas, que utilizam os projetos financiados como propaganda de si mesmas, fazendo da arte e da cultura um instrumento a serviço do lucro. Agora, com essas alterações e com uma maior autonomia do governo na decisão dos projetos, o que está colocado é um aumento da censura e perseguição contra os artistas, principalmente aqueles que se colocam como oposição ao governo e usam da sua arte para denunciar cada absurdo que vemos, mas também uma maior censura às expressões de arte popular, como aquelas ligadas às raízes de matriz africana, alvos constantes do bolsonarismo.

Não são dois mundos. O fogo na Cinemateca e o aumento da censura e perseguição aos artistas e a arte popular acontecem no mesmo Brasil, e fazem parte do mesmo projeto de país de Bolsonaro, Mourão, os militares e o conjunto desse regime do golpe, que para corresponder às reformas, a fome e ao desemprego, queima a história da cultura popular brasileira.

Enquanto vemos o constante aumento do desemprego, que já atinge 14,6% dos brasileiros, e da fome, que tem produzido cenas símbolo da barbárie capitalista como as filas do osso onde, em meio a pandemia, centenas de famílias buscam conseguir alguns poucos retalhos de carne, Bolsonaro avança em seu projeto de criar uma "máquina de guerra cultural" para a alienação, onde toda a história seja contada por aqueles que exploram, e não pelos explorados e oprimidos, onde a arte só serve para o lucro e para a manutenção da ideologia burguesa e do modo de produção capitalista, onde impera o ódio à história e cultura popular brasileira, dos setores oprimidos e explorados que construíram esse país.

Somos parte da juventude que se levanta contra Bolsonaro e Mourão, dos artistas que miram sua artilharia contra a extrema-direita, daqueles que, sobre as ruínas do velho mundo, querem construir um novo em que não haja exploração nem opressão, onde a arte possa ser livre e que o fogo não signifique a destruição capitalista da nossa história. É por isso que, contra a perseguição aqueles que lutam contra este sistema de exploração e opressão, e pelo livre acesso a arte e cultura para o conjunto da classe trabalhadora, lutamos pela total liberdade da produção artística, mas sabemos que essa luta só pode avançar se lutarmos contra a precarização da vida do conjunto de nossa classe, que carrega sobre suas costas diariamente os lucros dos patrões, e sente na pele a reforma trabalhista e da previdência, assim como as privatizações. Isso passa diretamente por uma luta consequente contra o projeto de país do Bolsonaro, Mourão e do golpismo, contra o conjunto dos ataques e que questione este regime do golpe e seus diversos setores que também são responsáveis por nossa miséria, como o judiciário, o STF e o Congresso. A resposta para esta luta está na unidade da classe trabalhadora e da juventude, com o conjunto dos setores oprimidos, para golpear com um só punho o governo, com assembleias de base em todos os locais de trabalho e estudo para tomar a luta em nossas mãos e a organização de uma greve geral.

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Luno P.

Professor de Teatro e estudante de História da UFRGS
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