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Congresso MRT | Novos elementos da situação econômica e política do Brasil

Apresentamos atualizações referentes documento nacional para o V Congresso do MRT, que será realizado em agosto de 2023, convidando o conjunto da vanguarda e dos ativistas à discussão diante dos novos cenários estratégicos que se apresentam no país. Neste artigo, expressamos a síntese das discussões feitas pelo Comitê Central do MRT, sobre a situação política do Brasil.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

segunda-feira 26 de junho de 2023 | Edição do dia

Desde a elaboração do último artigo [1] de análise da situação nacional, ocorreram atualizações importantes na conjuntura do país. Dentro dessas mudanças, estão inseridas novas perspectivas econômicas, alentadas por um quadro mais favorável, ainda que no interior de uma situação de muitas tensões e imprevisibilidades a longo prazo. O recente motim do exército mercenário Wagner na Rússia é um exemplo de eventos imprevisíveis que podem impactar no curso da guerra, e portanto na situação econômica, ainda que por ora seus efeitos ainda estão por se expressar, no marco da maior crise militar interna da história de Putin no poder.

Quando Lula foi eleito, existia a possibilidade de um cenário de uma longa recessão, em particular pelas consequências da pandemia, pelo aumento das taxas de juros nos países centrais e pela persistência da guerra na Ucrânia. Agora, ainda que um cenário recessivo permaneça entre as principais preocupações da economia internacional, por ora os riscos de impactos imediatos estão mais distantes.

No início do ano, o Banco Mundial alertava, através de seu relatório, que "o crescimento global deve desacelerar significativamente em meio a altos níveis de inflação, políticas monetárias rígidas e condições de crédito mais restritivas. A possibilidade de uma turbulência mais generalizada no setor de serviços bancários e uma política monetária mais rígida podem resultar em um crescimento global ainda mais enfraquecido, o que provocaria deslocamentos financeiros nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento mais vulneráveis" [2].

Posteriormente, a falência de instituições financeiras, como o Silicon Valley Bank e o Signature Bank, nos Estados Unidos, e o Credit Suisse, na Europa, tornou mais concretas a possibilidade de inflexões econômicas mais abruptas.

Ao que parece, estamos diante de um respiro da economia mundial, embora a água se mantenha na altura do pescoço. São dados que se refletem na revisão das previsões para o crescimento da economia mundial. Enquanto em 2022 a taxa média de crescimento foi de 3,1%, as primeiras previsões para 2023 indicavam uma desaceleração, com as melhores expectativas girando em torno de 1,7%.

No entanto, neste mês, o relatório foi atualizado e a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) global foi aumentada em 0,4 ponto percentual, alcançando 2,1%. Como dissemos, não são sinais de uma recomposição sustentável - inclusive porque se trata de um crescimento muito baixo, mas que no curto prazo indicam um cenário de relativa estabilidade econômica internacional.

A melhora do cenário internacional também contribui para a melhora das perspectivas econômicas brasileiras. Segundo a estimativa do boletim Focus do dia 19 de junho, a previsão de crescimento do PIB brasileiro passou de 1,84% para 2,14%, a sexta subida na projeção do ano [3]. Essa subida se deve, em especial, à agropecuária, cujo PIB cresceu 21,6% no primeiro trimestre de 2023. Já a previsão para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - considerada a inflação oficial do país - também está em queda e passou de 5,42% para 5,12% neste ano. Outro dado importante nesse sentido é a queda do dólar, que no primeiro semestre foi a maior desde 2016. Entre 1º de janeiro e o dia 19 de junho, o dólar para venda registrava queda de 8,38%. No mesmo período de 2016 o recuo foi de 17,8%.

Apesar de um cenário de descontrole inflacionário por ora estar afastado, os preços se mantêm elevados devido à subida anterior. Além desses índices, o controle cambial e as perspectivas de superávit recorde [4] em 2023 colocam perspectivas menos estancadas e recessivas para a economia brasileira.

A agenda do governo Lula-Alckmin, que está agradando positivamente o mercado financeiro, é um fator que se insere nesse contexto político e econômico. Como o economista neoliberal Eduardo Gianetti afirmou, os setores do mercado financeiro "estão vendo que o governo Lula tem um perfil na área econômica que é mais do centro democrático liberal, não do PT raiz" [5].

Isso se deve, em especial, ao Arcabouço Fiscal apresentado ao Congresso, que, na prática, irá representar um novo teto de gastos, garantindo que os investimentos estatais estejam sempre abaixo da arrecadação, para assim aumentar o superávit primário e garantir o religioso pagamento da dívida pública. Isso, somado à garantia da preservação de todas as reformas e ataques neoliberais que foram aprovados no último ano, e o indicativo de novas medidas que agradam o mercado financeiro, como a Reforma Tributária que será apresentada nos próximos meses. Um sinal categórico de que a condução econômica do governo Lula agrada esses setores foi que, pela primeira vez em quatro anos, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s melhorou a perspectiva que ela tem do Brasil [6].

Esses sinais de relativa melhora econômica não podem ser tomados como uma mudança qualitativa das perspectivas econômicas, nada comparado ao período dos anos áureos do lulismo em seus primeiros mandatos, quando a situação da economia mundial era outra. Em um contexto em que as viradas abruptas nunca podem ser desconsideradas, em um mundo atravessado por uma situação de extrema tensão, com o acirramento de disputas geopolíticas, além de uma guerra que persiste na Ucrânia.

Do ponto de vista social, tem efeitos contraditórios, pois, ao passo que possibilita ao governo um controle da situação econômica e, por conseguinte, a possibilidade da implementação de algumas iniciativas que lhe garantam apoio social, ao mesmo tempo essa relativa melhora só é possível diante da convicção dos agentes do mercado financeiro de que as reformas e toda a arquitetura de avanço neoliberal serão mantidas - e que inclusive com a aprovação do arcabouço fiscal, para se manter o teto de gastos, novos ataques podem ser colocados contra os trabalhadores e o povo pobre nos próximos meses

Lua de mel e críticas pela esquerda ao governo

Nesse contexto econômico, estamos chegando à metade do primeiro ano do governo Lula. Devido aos anos anteriores com Bolsonaro no poder, e mais ainda após as reacionárias ações em Brasília no dia 8 de janeiro, o governo Lula-Alckmin aumentou sua legitimação social e política, ao menos no início do governo. Dentro do regime político, importantes setores como o judiciário atuaram de forma mais alinhada ao governo, de modo a disciplinar os setores bolsonaristas mais radicalizados. A conjuntura que se abriu desde então foi de fortalecimento do governo e dessa ala do regime político, com um maior isolamento e defensiva dos setores mais duros do bolsonarismo.

Essa correlação de forças e o cenário econômico que descrevemos acima são o pano de fundo do período comumente chamado de lua de mel. Em síntese, é o momento em que o governo goza de maior aceitação popular para implementar suas medidas nos períodos pós-eleitorais, ou seja, quando ainda não se deram as experiências de setores de massas com o governo. De fundo, é a expressão da hegemonia burguesa, que busca se renovar nos pleitos eleitorais, através da aparência social de que todos estão escolhendo seus novos representantes, mesmo que a democracia burguesa não signifique isso essencialmente.

Buscando refletir esse momento, é importante notar que há um duplo movimento em torno dessa aceitação social do governo. Por um lado, em setores de massas, o fortalecimento que Lula apresentou desde o início, particularmente após o 8J e medidas como o aumento do Bolsa Família, não arrefeceu, ainda que pesquisas mostram pequenas oscilações negativas na popularidade do governo. Bolsonaro segue com o apoio de um espectro considerável de apoiadores, por outro lado, devido ao debilitamento que ele sofreu após o 8 de janeiro e com novas ofensivas no radar que trataremos mais adiante, o receio maior da possibilidade que a extrema-direita, no curto e médio prazo, revigore suas forças fica mais diluído em setores sociais importantes, especialmente nos setores mais politizados da classe trabalhadora, dos movimentos sociais e da juventude.

Essa dinâmica, somada às primeiras experiências concretas com o novo governo Lula-Alckmin, tem provocado o início do surgimento de uma nova subjetividade nesses setores mais politizados. São setores que começam a ser mais críticos pela esquerda diante das medidas do governo, e embora não rompam com ele, estão mais abertos a ideias mais radicais.

A liberação para que a base do governo votasse a favor do Marco Temporal, a apresentação do Arcabouço Fiscal, a garantia de manutenção de uma série de reformas, em particular a do Ensino Médio e a Trabalhistas, e a crise com temas ambientais são os flancos débeis do governo, que explicitam uma política de governar para as classes dominantes e que, devido a isso, começam a ser mais questionados frente às expectativas eleitorais que o retorno de Lula ao governo gerou. Todas essas medidas são vistas criticamente por esses setores, que começam a renovar sua disposição de luta para garantir seus próprios interesses.

Assim podemos notar indicativos de uma “dupla velocidade” na subjetividade de diferentes setores, em torno de sua avaliação em relação ao governo. Do ponto de vista de massas, pela relativa melhora econômica, a tendência é um maior assentamento da aceitação ao governo, no interior de um cenário conjuntural onde prima mais elementos de estabilidade - embora ainda deveremos avaliar a evolução desses dados, pois são modificações recentes e ainda muito embrionárias da economia . No entanto, em setores de vanguarda, começam a se expressar setores mais críticos, devido à experiência que começam a fazer com os primeiros ataques do governo e suas alianças com setores do regime, somado com uma maior contenção do bolsonarismo mais radicalizado.

O tema da questão indígena e ambiental é todo um flanco de difícil resolução para o governo. Lula promete mundos e fundos para o agronegócio, com recursos vultosos para o plano Safra, ao mesmo tempo em que tenta mostrar preocupações ambientais. Junto com isso, o governo libera sua base para votar a favor do Marco Temporal, tema considerado importante para a bancada ruralista no Congresso. Em meio a isso, ocorreram fortes tensões no interior do próprio governo com Marina Silva, devido à possibilidade de exploração de petróleo na foz do Amazonas. Com reservas consideradas promissoras, mas com risco de impacto ambiental alto, a Petrobras chegou a instalar equipamentos de exploração, que foram posteriormente retirados devido à oposição, especialmente do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente.

É importante lembrar que a questão ambiental e indígena é um ativo internacional que Lula busca utilizar com os países do capitalismo central. É um foco de disputas e tensões, inclusive internacionais, que se mostraram nas cláusulas de restrição que a União Europeia queria impor para firmar o acordo com o Mercosul, algo que desagradou muito Lula, que prometeu ir negociar esse item pessoalmente com Macron.

Processos iniciais contra os ataques e perda de direitos

Foi chamativo que no Senado, Omar Aziz, que é base do governo, propôs a retirada do Fundeb do limite do teto do Arcabouço Fiscal. Até mesmo do teto de gastos do Temer, o Fundeb havia ficado fora, o que vinha provocando um forte desgaste do governo com os setores ligados à educação. Essa é uma crise que ainda pode se aprofundar, pois são consideradas altas as possibilidades que o Fundeb volte para o Arcabouço, quando for votada na Câmara. Lula sabe que esse setor é um calcanhar de Aquiles desde os seus primeiros governos, tendo sido ponta de lança nos questionamentos de qualquer medida de ataques à educação, mesmo aquelas promovidas pelo PT. No interior desse setor está a juventude secundarista e universitária, que vem dando as primeiras sinalizações de despertar de um setor mais crítico. Da mesma forma, na categoria de professores da educação básica, são muitas as mostras do início de primeiros questionamentos críticos, com setores se mobilizando, como a greve dos professores do Rio de Janeiro, mas também greves contra a perda de direitos ou por questões salariais, como a greve de metroviários que ocorreu em São Paulo, além de outras mobilizações.

Somado a isso, o cenário de relativa melhora econômica também pode animar alguns setores da classe trabalhadora a lutarem por direitos econômicos e trabalhistas. Em diversas categorias, foram anos de arrocho salarial, combinado com consecutivas altas inflacionárias, que apresentam um cenário de perdas acumuladas sentidas como piora das condições de vida. Vendo um cenário econômico mais favorável e um bolsonarismo mais debilitado, esses setores podem se sentir mais encorajados a lutar para recuperar tudo aquilo que foi retirado desde o golpe institucional de 2016 o que efetivamente já vem acontecendo, ainda que isso seja um processo inicial, e sujeito a refluxos. Esse início de retomada subjetiva talvez com a principal expressão nas greves de professoras em distintos estados do país, que inclusive começam a ser reprimidas de forma bonapartista como no caso do Rio que a justiça determinou multa de milhares de reais por dia de greve por considerar um “serviço essencial”.

Considerando as hipóteses de setores sociais que podem se mobilizar, devemos considerar o enorme contingente de trabalhadores precários, em especial de aplicativos. Foi o primeiro setor a ameaçar uma greve ainda nos primeiros dias de governo, que teve que mobilizar seu ministro do trabalho, Luiz Marinho, para desarticular a greve. A promessa feita nesse momento era de regularização desse tipo de trabalho, com garantias de emprego.

Não só Lula, mas diversos outros setores do PT afirmam que pretendem regularizar o trabalho por aplicativo, o que significaria uma normatização dessa forma de precarização do trabalho. Em vez de garantir plenos direitos a esses trabalhadores, o plano é oferecer algumas garantias e direitos, ao passo que os pilares dessa forma de exploração do trabalho ficam mantidos. Como isso será sentido por grandes contingentes dos trabalhadores por aplicativo, se como uma concessão ou como um ataque, será uma questão decisiva para a possibilidade de novas movimentações desse setor da classe trabalhadora.

Nesse contexto que irá a votação no STF a volta da contribuição sindical obrigatório prevista em acordo coletivo, o que pode indicar movimentações no regime para fortalecer as burocracias sindicais, tendo em vista perspectivas mais a longo prazo da necessidade de contenção de descontentamentos provenientes de alguns setores da classe trabalhadora.

Desse ponto de vista, embora sem nenhuma crise que questione a estabilidade do governo e da frente ampla por ora, os ataques vão revelando flancos débeis que abrem espaço de crítica por um lado, e a manutenção do arrocho e inflação que levam tendências a greves econômicas, por outro. Embora tendências iniciais, nesses dois âmbitos estamos diante de uma situação bastante nova e diferente para nossa atuação.

Novos movimentos no regime político

No próximo período, ganhará importante relevo o julgamento sobre a inelegibilidade de Bolsonaro. Apesar de já iniciado, ainda não está claro quando terminam, porque pode haver pedidos de vista. É praticamente unanimidade a opinião dos analistas (o que não deixa de ser uma forma de pressão política) de que Bolsonaro ficará inelegível pelos próximos 8 anos. Ele próprio deu uma declaração afirmando que "as perspectivas não são favoráveis". Considerando a relativa aceitação de como ele e seus aliados estão em torno desse tema, é um fato que no momento a correlação de forças não é favorável.

No entanto, não está descartado que Nunes Marques faça um pedido de vista, o que poderia atrasar o julgamento em dois meses. Parte desse cálculo pode estar relacionado com as eleições dos Estados Unidos, em especial porque foram declaradas as movimentações de Biden contra Bolsonaro [7]. Desse ponto de vista, Lula vem dando ênfase em sua política internacional, para atrair apoio, e também maiores investimentos, apoiado principalmente no discurso climático e da fome. No entanto, em um contexto de acirramento das disputas entre EUA e China, a falta de um alinhamento mais declarado pode ser fonte de futuras disputas, como declarou o próprio Financial Times mostrando o descontentamento de Biden em relação a Lula por sua visita à China.

Isso é importante porque o cenário eleitoral dos EUA, embora ainda com muitas indefinições, terá impacto na política nacional. Ainda que Trump venha de complicações com a justiça, Bolsonaro pode estar com expectativas que nos próximos meses ele possa ter uma recomposição maior, o que poderia favorecer suas pretensões no Brasil.

Do mesmo modo, não é possível considerar que a posição de todos aqueles que hoje estão na esfera de apoio à Frente Ampla (o que inclui o STF), estejam com a mesma posição sobre a inelegibilidade. Pode ser mais interessante para Lula que Bolsonaro não seja uma carta fora do baralho das perspectivas eleitorais, justamente porque ele consegue manter seus apoios como o único que pode rivalizar com Bolsonaro [8]. Por outro lado, alas nas quais poderia estar localizado Alexandre de Moraes, pode querer mais agilidade na aprovação da inelegibilidade, para abrir terreno para a construção de uma candidatura à direita de Lula, espaço que fica mais bloqueado com Bolsonaro habilitado politicamente.

Nos debates públicos, é visível uma preferência por figuras fora do espectro mais radicalizado do bolsonarismo, mas que não estejam entre os mais radicalizados. O futuro desses indivíduos tem sido de maior isolamento, sendo preteridos pelo próprio Bolsonaro. Weintraub e Janaína Paschoal ficaram pelo caminho. Flávio Bolsonaro teve sua candidatura vetada para a prefeitura do Rio de Janeiro, e agora Salles pretendia se candidatar como o representante de Bolsonaro para a prefeitura de São Paulo, mas assim que anunciou suas pretensões, foi forçado a abandoná-las.

No outro polo, variantes que transmitem uma aparência de menos radicalidade, como Tarcísio, estão se fortalecendo. Atuando junto a setores como Kassab, o governador de São Paulo mantém uma posição delicada de não romper com Bolsonaro, ao mesmo tempo que não cultiva a imagem de um bolsonarismo radicalizado. Em diversos momentos, emitiu sinais de pactuação com outras alas do regime político, encontrando-se com Alexandre de Moraes e participando de aparições públicas com Lula, como no episódio que envolveu as chuvas no litoral paulista.

Inelegível ou não, Bolsonaro tem atualmente força para ser uma figura influente e será um fator importante nas eleições municipais de 2024. Ele poderá adotar uma postura mais pragmática, apoiando candidatos de direita mais bem posicionados, capazes de atrair votos petistas, para posteriormente reunir forças visando às eleições nacionais. Para 2026, embora seja um futuro distante, um sucessor que ele aprove poderá contar com uma vantagem relativa entre aqueles que se propõem a fazer oposição de direita a Lula e ao PT.

Muita coisa ainda acontecerá até lá, mas é com base nessa situação concreta que o espectro político de direita e extrema direita irá considerar sua rearticulação, com destaque para as eleições norteamericanas, pois embora a extrema-direita nos EUA também pareça estar debilitada, o julgamento de Trump sobre os documentos secretos está marcado para agosto e pode coincidir com a campanha, momento complexo em que os cenários continuam em aberto e o perigo das fraturas internas em um contexto de conflito geopolítico na Ucrânia e a preocupação com a China pode balizar os rumos da disputa política no país.

O fato é que o impacto de uma votação de inelegibilidade de Bolsonaro poderia trazer um efeito contraditório nos espectros da frente ampla. Por um lado, a busca de um candidato bolsonarista não radical ou da direita tradicional e a viabilidade de um novo representante da direita pode gerar tensões internas com o governo. Isso porque parte fundamental da “hegemonia” do governo se deu no discurso de enfrentamento contra as ações do 8J, que geram certa integração da frente ampla.

É importante salientar a integração do PSOL ao governo e, portanto, ao regime político, o que gera uma ausência ou um debilitamento de uma oposição de esquerda ao governo, em particular do ponto de vista institucional. O problema é que para que haja essa integração foi fundamental o discurso de “luta da democracia contra o fascismo”, perigo para o qual se justificaria o apoio ao governo, com o argumento de que isso seria um dique de contenção da extrema-direita.

No entanto, esse discurso se choca com a realidade em todos os ataques que vem acontecendo, sejam os econômicos neoliberais, em questões como o marco temporal, mas particularmente nessa questão da extrema-direita em um duplo aspecto: por um lado que se confirmou que a extrema-direita não seria derrotada com a eleição, de modo que seguiram ocorrendo ações reacionárias (como os ataques às escolas); por outro lado, com os setores do regime se mobilizando pela inelegibilidade de Bolsonaro, e nesse contexto de ataques, fica muito difícil sustentar a posição política de apoio ao governo apenas com o discurso “democracia x fascismo”.

Ainda existem outros elementos no regime político que indicam uma maior tendência à direita, com iniciativas de ataques originados no próprio Congresso, como o Marco Temporal que já mencionamos, além de outros, como a CPI do MST. Nesse contexto, os setores lava-jatistas estão definitivamente em um momento de agonia, com o episódio envolvendo a cassação do mandato de Deltan Dallagnol e ameaças de novas ofensivas contra Sérgio Moro.

Esse é o contexto onde também Lula já garantiu a indicação do seu nome ao STF, Cristiano Zanin. É uma expressão desse momento em que a Lava Jato está definitivamente golpeada, ao mesmo tempo que mostra a força de Lula, em especial no Senado. Chamativo também que Zanin tenha sido elogiado por figuras fortes do bolsonarismo como Flávio Bolsonaro e Damares Alves, em seu périplo de aprovação do Senado, fato que se deu, em especial, pelo compromisso de que o judiciário não toque em temas como a legalização do aborto e das drogas.

Junto com isso, surgem tensões entre Lula e Lira, especialmente com a ameaça de revogação do decreto de configuração dos ministérios, no contexto em que Lira vem batalhando para não perder seu peso relativo em relação aos anos de Bolsonaro, quando tinha muito mais protagonismo político e controle do orçamento. Através da liberação de emendas e busca de acordos, Lula vem conseguindo aprovar suas matérias de interesse, mas não sem turbulências e questionamentos, ainda que grande parte delas seja matérias de interesse que coincidem com os interesses do Centrão, como o próprio Arcabouço Fiscal.

Longe da narrativa de que Lula seria refém de Lira, o que vemos é a busca de novos acordos com o Congresso, marcadamente com uma composição repleta de figuras reacionárias. No entanto, diferente dos seus primeiros governos, quando Lula tinha uma capacidade hegemônica maior sobre o Congresso, hoje o que vemos são disputas maiores, que encarecem o preço dos acordos, e produzem primeiras fricções, entre legislativo e executivo. Os testes de força entre o executivo e legislativo tendem ainda a se colocar mais fortes no futuro, na medida em que passem os primeiros meses da lua de mel e que se coloquem em pauta temas que não são de comum acordo entre a frente ampla e o centrão (o fato de haver muitos acordos só mostra o caráter reacionário das medidas do governo votadas nos primeiros meses).

No entanto, todos sabem que o fator determinante para essas disputas será a economia e seu impacto nas condições de vida das massas. Se houver alguma melhora econômica que seja sentida pela maioria da população, Lula terá um grande capital político para manter suas posições frente a outros atores políticos. No entanto, esse é um cenário difícil de prever, considerando também o fator da luta de classes, que pode ser disruptivo para as perspectivas políticas do país e embaralhar todas as cartas que estão atualmente na mesa.

Em relação à definição da situação nacional, apontamos há pouco mais de um mês a existência de "elementos transitórios" na situação, de uma situação reacionária para uma situação com elementos contraditórios. Ao que parece, estamos diante de um momento de declínio do período de maior fortalecimento do governo. Desde então, observamos um maior controle das ações dos bolsonaristas radicais, que arrefeceram (sem deixar de existir), bem como as primeiras grandes iniciativas estratégicas do governo nos planos político e macroeconômico, com iniciativas de ataque, como o arcabouço fiscal, que é um importante ataque neoliberal originado dentro do governo, ou a complacência com as ações reacionárias do congresso, como no caso do Marco Temporal.

Nesse sentido, uma mudança importante é que elementos reacionários e ataques da situação agora permeiam o próprio governo e o congresso, e não estão mais destacados apenas na extrema direita. Com isso, o peso de um novo fortalecimento dos setores mais radicalizados da extrema-direita diminui por enquanto, abrindo-se maior espaço para o debate e crítica dessas medidas do governo na vanguarda do movimento operário e da juventude (especialmente combinado com fenômenos ideológicos, como o interesse pelo comunismo). Nesse sentido, há uma maior abertura na vanguarda em escala nacional tanto para greves econômicas quanto para críticas de esquerda ao governo, o que também confere a marca de uma situação transitória.


[4Uma parte dos bancos e consultorias prevê um superávit acima de US$ 70 bilhões em 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br/economia/governo-lula-economia-global-consequencias/





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