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Trotski em Permanência
“Queremos colocar o trotskismo na ofensiva hoje”, confira fala de Diana Assunção no encontro Trotski em Permanência
Redação

Confira a fala de Diana Assunção, dirigente do MRT, na Mesa 1 do evento Trotski em Permanência. Participaram dessa mesa também Luciana Genro (MES-PSOL), Vera Lúcia (PSTU) e João Machado (Comuna- PSOL).

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Boa noite a todas e todos queria em primeiro lugar agradecer aos organizadores do evento Trotski em Permanência pelo convite. Cumprimento também a Luciana Genro, Vera Lucia e João Machado. Antes de começar queria aqui deixar nosso chamado a fortalecer a campanha pela libertação imediata do companheiro Galo, liderança dos entregadores. Queria também mandar minha solidariedade aos metroviários de SP na defesa da sede do seu sindicato e à luta dos 700 trabalhadores da construtora MRV em Campinas que já estão algumas semanas em greve e o Esquerda Diário tem feito uma cobertura intensa e atuado ombro a ombro nessa luta.

O tema hoje é, na realidade, bastante amplo porque se trata justamente de pensar os fios de continuidade do trotskismo, sem revisões e adaptações. Falo em nome do MRT, que integra a FT, e teriam muitos ângulos para abordar, como toda a disputa EUA e China por exemplo, ou abordar mais a fundo o governo Bolsonaro-Mourão e esse regime do golpe institucional, mas queria começar pegando um outro ângulo na minha exposição que é sobre como caracterizar os principais processos da luta de classes dos últimos anos, que definimos como revoltas, e qual programa e estratégia são necessárias para que se transformem em verdadeiras revoluções.

Bom, desde 2018 vivemos um segundo grande ciclo de luta de classes: podemos citar os Coletes Amarelos, ações de massas em Porto Rico, Honduras, Equador, a resistência ao golpe cívico-militar na Bolívia, a grande rebelião chilena. Depois da pandemia, também vimos o grande levante Black Lives Matter nos Estados Unidos, a luta contra o golpe militar em Myanmar além de outras mobilizações como no Haiti.

Estas revoltas mostraram que não seria linear e sem resposta o avanço da extrema-direita mundialmente e colocam condições mais favoráveis para o surgimento de alternativas de independência de classe e revolucionárias se vamos além do senso comum de meramente comemorar as revoltas espontâneas sem tirar as lições para avançar. Por isso vemos como um debate muito importante.

Lenin apontava no seu clássico livro “Que fazer?” a definição de que o elemento espontâneo é a forma embrionária do consciente e inclusive quanto mais poderosa for uma explosão espontânea das massas mais se torna fundamental desenvolver os elementos conscientes ou seja, os organismos de auto-organização das massas e a construção do partido revolucionário, que são ferramentas essenciais para transformar as revoltas em revoluções.

Este problema se coloca ainda mais atual quando vemos que muitas vezes o peso da ação de massas nas ruas, como por exemplo as exuberantes cenas de enfrentamento no Chile em 2019, reforçam a ilusão de que estes processos disruptivos de enfrentamento poderiam por si só impedir o controle burocrático ou as posições reformistas, ou até mesmo evitar os desvios, quando na realidade a história mostra que é plenamente possível que isso aconteça. Essa ilusão contribui para que as revoltas não superem os limites do regime burguês e permite que as direções reformistas, conciliadoras e burocráticas contenham a luta e impeçam um avanço consciente desses processos com a classe trabalhadora entrando em cena com seus métodos históricos e seu programa, única forma de que aconteça justamente o que as burocracias mais temem: a hegemonia operária, ou seja, a classe operária dirigindo e acaudilhando o conjunto dos setores oprimidos e explorados.

Isso não é um detalhe, por exemplo, quando no Brasil muitos setores da esquerda alimentam a ilusão de que com a Convenção Constituinte no Chile “acabou o regime de Pinochet”, quando Convenção Constituinte foi um organismo de desvio da luta espontânea das massas, funciona sem dissolver nenhum dos poderes atuais e sem achar um problema o fato de não poder decidir sobre a soltura aos presos políticos das manifestações - que inclusive continuam presos. Bom, dessa forma, se pensarmos que já acabou o regime de Pinochet, o combate às burocracias não seria necessário. Isso é um problema importante.

Na nossa visão, e é o que viemos elaborando internacionalmente especialmente com o livro Estratégia Socialista e Arte Militar, de Emilio Albamonte e Matias Maiello, este grande tema colocado para os trotskistas no século XXI sobre a relação entre revolta e revolução deve nos fazer retomar alguns conceitos fundamentais no pensamento de Trotski que eu queria resgatar aqui hoje: a frente única operária; a auto-organização e a utilização das consignas democrático radicais, como por exemplo a Assembleia Constituinte Livre e Soberana, como parte de um Programa de Transição.

Começando sobre a Frente Única Operária, tática defendida por Lenin e Trótski nos primeiros anos da III Internacional pra educar e orientar os jovens partidos comunistas na sua atitude em relação às grandes direções reformistas das organizações operárias de massas que ainda tinham autoridade sobre a maioria dos trabalhadores. Se tratava de uma política para unificar os trabalhadores por objetivos práticos de ação na luta de classes com o objetivo de obrigar os aparatos reformistas a se movimentarem, ou caso não o fizessem terminariam se desmascarando diante das suas bases.

Esta política não é levada adiante, em nossa visão, pela maioria da esquerda no Brasil, e coloco esse debate abertamente aos companheiros e companheiras que estão aqui na mesa porque creio que há um importante debate sobre a convivência pacífica com as burocracias sindicais. A FUO é substituída por uma ideia genérica de “unidade” que pode significar desde vários dirigentes sindicais em cima de um carro de som, até uma reunião de cúpula que decide tudo sem mover efetivamente suas bases, até a definição de uma data específica pra fazer uma manifestação daqui um mês. Assim, a articulação da Frente Única Operária se esvazia, então a famosa frase “golpear juntos, marchar separados” se inverte, não golpeamos juntos porque não se efetiva nenhum golpe sério e muito menos uma FUO, mas muitas correntes terminam “marchando junto” ou seja, misturam bandeiras com as da burocracia. E pior que isso, no Brasil agora se propõe misturar as bandeiras com setores da direita neoliberal em atos por uma suposta luta comum pelo “Fora Bolsonaro”, evocando todo tipo de falsas teorias para justificar a suposta “unidade de ação” no parlamento com Joice Hasselman, Kim Kataguiri, e com um punhado de tucanos na rua… Isso não tem a ver com o rico ensinamento da FUO, tal como Lênin e Trótski a concebiam; na realidade vemos que é parte de uma mesma concepção que já levou setores da esquerda a defender a Lava Jato ou cogitar marchar junto com os manifestantes verde e amarelo da FIESP, justamente por não condenarem ou até mesmo apoiarem o golpe institucional de 2016 no Brasil.

Bom, mas essa discussão sobre a burocracia sindical nos remete ao segundo conceito fundamental que é o da auto-organização. Trotski sempre defendeu a atuação nos sindicatos, mas apontava que isso não era suficiente e que era necessário desenvolver organismos de auto-organização de base e não corporativos, para unificar a nossa classe. Por isso que em todos os processos de luta de classes que se expressaram nos últimos anos e pudemos participar nós da Fração Trotskista buscamos atuar pra promover o desenvolvimento de instituições de auto-organização, ou seja, efetivamente criar mecanismos de decisão e preparação da luta, ao contrário do papel amorfo e atomizado que as burocracias sindicais querem manter os trabalhadores. Quero citar aqui alguns exemplos que colocamos como contribuição da nossa corrente internacional.

No Chile buscamos impulsionar o Comitê de Emergência e Resguardo de Antofagasta, principal concentração mineira do país, organismo que articulou sindicatos da indústria metalúrgica e portuária organizando uma assembleia com 400 delegados eleitos pra impulsionar a paralisação da cidade, se convertendo em um polo combativo que denunciava a trégua da burocracia sindical que se negava a organizar uma greve geral nacionalmente. Aqui fica claro a engrenagem entre auto-organização e exigência da FUO em um momento em que as condições permitam. Um outro exemplo foi na luta contra a Reforma da Previdência na França, a gente esteve no centro de organizar a coordenação entre o transporte ferroviário e o transporte urbano da região de Paris chegando a reunir mais de 100 representantes eleitos. Esses são alguns exemplos que impulsionamos e consideramos fundamental que seja debatido por toda a esquerda como avançar nesse tipo de organismo. Pra pensarmos na realidade brasileira e alguns processos de luta, imaginem o efeito de uma Coordenação entre trabalhadores do Metrô de SP e CPTM, para coordenar as paralisações e as demandas em comum? Teria um “poder de fogo”, ou seja, um poder efetivo de afetar os grandes capitalistas muito maior. Poderia mudar os rumos das últimas lutas parciais que cada categoria deu de forma isolada por responsabilidade da burocracia da CUT e da CTB. Outro exemplo a se debater é sobre a combativa greve das trabalhadoras terceirizadas da LG nas fábricas Suntech, Bluetech e 3C, porque a CSP-Conlutas nunca impulsionou uma coordenação unitária de representantes eleitas das três fábricas terceirizadas junto com as trabalhadoras diretas da LG para unificar a luta, desmascarando a CUT caso não quisesse unificar? Isso poderia ter sido decisivo pra passar da luta pela indenização à luta em defesa do emprego. São debates que opinamos que são urgentes de serem feitos na esquerda e inclusive nesse momento poderíamos dar juntos um passo a mais colocando de pé um Comitê pela Greve Geral para batalhar por um plano de luta efetivo na base das grandes centrais sindicais. Imaginemos centenas de sindicatos dirigidos pela CSP-Conlutas e Intersindicais aprovando a necessidade de uma Greve Geral? Teria uma força importante, ainda que minoritária, poderia se constituir como um polo anti-burocrático que poderia chamar atenção de vários trabalhadores que ainda confiam na CUT e no PT.

A atuação em torno da batalha por este tipo de organismo foi o que permitiu, por exemplo, que pela primeira vez em décadas na esquerda francesa surgisse uma alternativa revolucionária diante da enorme crise do NPA que se transformou em uma espécie de partido zumbi que está correndo atrás de acordos com o reformismo soberanista de Mélenchon, diluindo qualquer elemento de independência de classe que ainda guardava no período anterior. Para isso esse partido teve que expulsar praticamente um terço do NPA justamente a nova camada da vanguarda operária francesa que despertou com os processos de luta de classes e que se ligaram com a corrente revolucionária que impulsionou organismos de auto-organização, como foi o caso da CCR, nossa organização irmã na França.

Essa política em nossa visão se contrasta bastante com a atuação da esquerda que muitas vezes apresentam a independência de classe como uma “independência organizativa”, mas não basta ter organizações separadas ou candidatos nas eleições separados do reformismo tradicional sem impulsionar uma política de independência de classe efetiva ou então apostando em projetos de “partidos amplos” sem nenhuma delimitação clara entre reformistas e revolucionários. Inclusive, as últimas décadas, e a atuação da esquerda que se reivindica trotskista mostra como este problema é atualíssimo já que muitos processos importantes terminaram em desvios eleitorais “à esquerda”, digamos assim. O emblemático caso da Grécia com o Syriza, muito defendido pelo PSOL, um partido que terminou sendo o agente do imperialismo alemão na aplicação de um duro ajuste contra o povo grego, o Podemos espanhol que agora entrou no governo imperialista do PSOE e Pablo Iglesias que se retirou da política, ou o caso do mal-menor anti-Trump que terminou com voto crítico de setores da esquerda por exemplo em Joe Biden, que atualmente está bombardeando a Somália.

Para ir ao último conceito que eu queria abordar sobre as consignas democrático radicais, também vivamente presente no pensamento de Trótski e ausente da esquerda no Brasil. Trótski sempre se enfrentou com quem se negava a levantar essas consignas, assim como contra quem buscava desligar as consignas democrático-radicais como a ACLS das tarefas da luta pelo poder operário. Por isso a luta por uma Assembleia Constituinte livre e soberana pode desempenhar um papel fundamental porque na própria luta para colocá-la em pé e, se implementada, na luta para impor suas resoluções contra a resistência dos capitalistas, setores cada vez maiores do povo trabalhador podem fazer sua experiência com a democracia representativa até o fim e ver a necessidade de superar o lugar do "cidadão" atomizado, e avançar a uma forma superior de organização em base à democracia direta, se organizando a partir das empresas, fábricas, dos transportes, escolas, faculdades, etc., com delegados eleitos para desenvolver seus próprios organismos de poder e suas organizações de autodefesa. Os quais, diga-se de passagem, são os pilares do governo dos trabalhadores pelo qual lutamos. Hoje toda a esquerda no Brasil ao contrário se adapta ao regime dizendo que pra derrubar Bolsonaro é preciso o aval de Arthur Lira e o voto de uma maioria de golpistas do Congresso Nacional através de um impeachment, que colocaria o reacionário general Mourão na presidência, programa que no fundo termina sendo parte da estratégia de esperar Lula em 2022.

Bom, antes de finalizar um outro terreno fundamental da discussão internacional que vai pra além do debate sobre revolta e revolução mas também se enquadra em toda essa perspectiva é a discussão super atual em torno de Cuba. As mobilizações que aconteceram nesse país dia 11 de julho tiveram grande repercussão porque se tratavam de mobilizações no primeiro país da América Latina a fazer uma revolução socialista. Elas também tiveram uma composição operária e popular, mas seria um erro não ver também a atuação de grupos restauracionistas, juntamente com declarações da direita na região, como do próprio Bolsonaro, mas também do chefe do maior imperialismo do mundo, Joe Biden que defendeu medidas de restrição econômica ainda mais duras, querendo aprofundar o criminoso embargo que já dura por décadas. Nós, que acreditamos na perspectiva da revolução, precisamos ter uma perspectiva que não faça coro com o imperialismo, e nem com a burocracia castrista, agora sob o comando de Dias Canel, que veio tomando medidas que favorecem a restauração em Cuba, como por exemplo a reforma trabalhista levada a cabo por Raul Castro em 2014, que aumentou a jornada de trabalho e os níveis de exploração, e que recentemente adotou a medida de unificação monetária que gerou uma inflação muito grande, que alguns economistas apontam que pode ter atingido níveis de 500 a 900%, medida essa que é parte de entender porque as mobilizações ocorreram. Posições que vêm em Cuba apenas uma ditadura capitalista, significam o abandono da defesa das conquistas da revolução de 1959, e a perspectiva da revolução política, que é parte central do legado de Trótski, repetindo uma vez mais os imensos erros da posição de correntes que não tirou conclusões das restaurações que ocorreram em 1989, e que apenas fortaleceram o neoliberalismo e incorporaram os ex-estados operários burocratizados na cadeia internacional de exploração capitalista. Essa posição é incapaz de responder às correntes stalinistas, que inclusive no Brasil, defendem e embelezam a burocracia cubana, como defensores do "socialismo", enquanto aprovam medidas que irão impor condições de vidas ainda piores para as massas cubanas.

Então pra finalizar, eu quis articular esses três conceitos porque acho que eles compreendem parte importante do que precisa ser o trotskismo hoje. Isso porque pra ficar aplaudindo em geral os processos de luta internacional e seus desvios, sem problematizar o papel das suas direções, já existem os reformistas. Para colocar na ofensiva o trotskismo hoje queremos resgatar não somente a brilhante Teoria da Revolução Permanente de Trótski e seu Programa de Transição, mas queremos na prática exercitar os conceitos teóricos que marcaram a tradição trotskista no último século mantendo esses fios de continuidade, defendendo um trotskismo da hegemonia operária e da auto-organização, onde as massas possam entrar em ação e não terem suas lutas desviadas. Um trotskismo com independência de classes, que se enfrente com a nefasta tradição stalinista que hoje quer reviver no Brasil e que levante um programa para erguer a classe trabalhadora como sujeito político independente, como vemos na Argentina com a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, encabeçada pelo PTS, nossa organização irmã. Na nossa visão o resgate desses fundamentos em confluência com a vanguarda operária é a base da qual pode brotar a enorme força necessária para a construção de um partido revolucionário e a reconstrução da IV Internacional.

 
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