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Zoya Kosmodemyanskaya: a partisana russa soviética que se converteu em lenda

Paula Schaller

Zoya Kosmodemyanskaya: a partisana russa soviética que se converteu em lenda

Paula Schaller

Há 80 anos atrás, no fim do ano de 1941, era executada por mãos nazistas, Zoya Kosmodemyanskaya, partisana soviética, jovem adolescente e mulher. Essas três condições, somadas ao fato de que sua execução foi, como tantas outras, objeto de um ato público de escárnio pelos nazistas, fizeram com que Stalin a escolhesse como símbolo do papel da mulher na chamada “grande guerra pátria” de defesa da União Soviética contra a invasão alemã na Segunda Guerra Mundial.

Como milhões de homens e mulheres, Zoya se alistou como combatente em outubro de 1941. Desde junho deste ano a URSS tinha sido invadida por tropas alemãs, em meio à mais completa desorganização do mando militar e político stalinista que não esperava uma ruptura do “pacto de não agressão" por parte da Alemanha hitleriana.

O avanço inicial foi tão fulminante que, já desde setembro, Moscou estava em perigo: os nazistas estavam a ponto de invadir a capital soviética na chamada Operação Tufão. Em outubro, as tropas alemãs chegaram a menos de 100 km da capital que já começava seus planos de evacuação frente o eminente desenlace, e Zoya, com seus 18 anos, abandonou seus estudos no Instituto de Moscou para se alistar na resistência.

Em dezembro, foi freado o avanço alemão em direção ao território de Moscou, mas a vida de Zoya não teve a mesma sorte. No final do mês de novembro foi enviada a uma missão na aldeia de Petrishevo, na área soviética ocupada pelo exército alemão, com ordens de incendiar o povoado para sabotar o exército alemão, uma tática antiga de “terra queimada”, cujo mais remoto antecedente foi feito por Heródoto na guerra persa-iraniana de 514 a.C., consistente em arrasar todo recurso que possa ser usado pelo inimigo em seu avanço. Assim, entre o campo minado nas estradas e o corte das linhas de comunicação, o grupo da resistência de partisanos de Zoya começou a queimas as casas e edifícios ocupados pelos alemães. Até que no dia 27 de novembro, delatada, Zoya caiu em mãos alemãs. Durante dois dias foi brutalmente torturada, até que no dia 29 de novembro os nazistas fizeram um ato público para a sua execução diante da presença de todo o povoado. “Incendiária de lares”, dizia o cartaz que perduraram nela e que obrigaram que desfilasse antes de executá-la, sendo este um velho método de martírio e humilhação muito popular na época medieval europeia.

Antes de morrer, Zoya deu uma nova mostra de valentia e, desafiando os nazistas, gritou a seus companheiros:

“Camaradas, por que vocês estão tristes? Eu não tenho medo de morrer, sou feliz de morrer pelo meu povo [...] Vão me executar, mas eu não sou a única. Somos mais de 200 milhões, não podem executar a todos. Meus companheiros vingarão minha morte. Alemães, rendam-se antes de que seja demasiado tarde. A vitória é nossa”.

A história de Zoya não teve nada de especial, foi parte de uma experiência coletiva compartilhada por milhões de homens e mulheres que com admirável valentia em cada cidade e aldeia russa, lutaram contra a invasão nazista, fortalecendo as ações do Exército Vermelho. Foi a base dessa heróica resistência popular, que custou a vida de mais de 26 milhões de pessoas, que a Rússia ganhou a guerra.

Consciente da superioridade técnica alemã, Stalin alentou permanentemente ao “fator popular” na guerra, ainda que houvesse um risco de avivar a atividade independente das massas - algo que o stalinismo, que tinha instaurado um regime burocrático e condenava o povo a todo tipo de penúrias, temia como a peste. Assim, fez isso acudindo não a valores e conquistas da revolução, mas ao imaginário mais conservador: a reacionária ideia da defesa da “mãe pátria russa” que tinha caracterizado o período imperial, quando a Rússia dominava dezenas de nacionalidades oprimidas.

Precisamente para consolidar essa ideia, Stalin decidiu, ao ler a história de Zoya relatada pelo jornalista Piotr Lidov no Pravda de fevereiro de 1942, nomeá-la "Heroína da União Soviética” e elevar sua história à lenda: “jovem”, “valente”, “mulher”, “mãe”, “pátria”, uma sequência de sentidos que o regime se encarregou de edificar.

Em seu famoso Berlim, a queda, o historiador britânico Antony Beevor conta “muitos membros de Komsomol seguiam levando consigo recortes de jornal com a fotografia de Zoya Kosmodemyanskaya, a jovem guerrilheira da organização torturada até a morte pelos alemães. Não eram poucos os que escreviam: ‘por Zoya’, em seus tanques ou aeronaves”. Sua figura foi replicada em numerosos monumentos e utilizada nas variadas histórias que propagandizaram a grande guerra pátria ao interior da URSS.

Seria uma ironia da história, se não fosse uma derivação coerente da política reacionária do stalinismo que quis impor uma “ideologia religiosa” como forma de dominação sobre o povo russo, fazendo com que em 2010 propusessem que essa jovem guerrilheira fosse canonizada pela Igreja Ortodoxa russa. O certo é que mais que “inspirada por Deus”, esteve na linha de frente da causa pela emancipação e liberdade.


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Paula Schaller

Licenciada en Historia-UNC
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