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Visibilidade e orgulho lésbico: a explosiva força das sapatão aliadas aos trabalhadores

Gabriela Mueller

Visibilidade e orgulho lésbico: a explosiva força das sapatão aliadas aos trabalhadores

Gabriela Mueller

Diante da crise capitalista, que no Brasil foi aprofundada com o golpe de 2016, o qual abriu espaço para figuras como Bolsonaro, Mourão, Damares e os militares, as LGBTs são as que mais sofrem com os aspectos mais nefastos desse regime, além de serem as inimigas desse governo. Desprezíveis declarações homofóbicas de Bolsonaro não faltam, como quando ele disse que é homofóbico com muito orgulho e que preferiria um filho morto a um filho gay. Essas falas encontram eco na população, a saber dos tantos casos de violência às mulheres LGBTs, sobretudo negras. Além disso, essas são as pessoas que ocupam os piores postos de trabalho, sofrendo com o peso da crescente precarização da vida. Nesse sentido, é extremamente necessário resgatar a história daquelas que fizeram história, celebrando o dia da visibilidade e do orgulho lésbico à luz da potência revolucionária que tem a luta das LGBTs aliada à luta dos trabalhadores, a fim de enterrar de vez esse regime miserável, Bolsonaro, Mourão e os militares.

Nesse Dia da Visibilidade Lésbica, tão cara ao movimento LGBTQIA+, faremos um breve histórico das datas que marcam, no Brasil, a luta das mulheres que são exploradas mais fortemente a partir de seu gênero e de sua sexualidade. Os dias 19 de agosto, Dia do Orgulho Lésbico, e o dia 29 de agosto, Dia da Visibilidade Lésbica, são fruto da luta das mulheres que foram linha de frente no movimento LGBT em períodos importantes no país, como na ditadura militar, por meio de grupos que se colocavam ao lado da luta dos trabalhadores, por uma sociedade livre das amarras do capitalismo.

O Dia da Visibilidade Lésbica, 29 de agosto, foi marcado pelo primeiro Seminário Nacional de Lésbicas, ocorrido em 1996, no Rio de Janeiro, a partir da iniciativa de coletivos lésbicos da época. A data foi escolhida para ser um dia dedicado a discutir políticas públicas de combate à lesbofobia e que busca dar visibilidade a essas mulheres sujeitas à barbárie de uma sociedade capitalista patriarcal e homofóbica. São incontáveis e variados os tipos de violência que sofrem as lésbicas, que não encontram atendimento de saúde próprio, não encontram espaços onde possam expressar livremente sua sexualidade sem temer a repressão, ou até mesmo encontram dificuldades dentro dos próprios movimentos LGBTQIA+.

Já o dia 19 de agosto é ligado a acontecimentos históricos de luta das lésbicas que nos legaram a bravura, a coragem e a ousadia daquelas que foram responsáveis por marcar o Stonewall Brasileiro.

No dia 23 de julho, em 1983, as ativistas lésbicas do Grupo Ação Lésbica Feminista (GALF), que frequentavam o Ferro’s Bar – o qual antes da ditadura militar era frequentado por militantes comunistas – em São Paulo. Lá, o grupo divulgava seu boletim político Chanacomchana, e, por conta de sua atividade política e por sua ousadia de ser quem eram, foram expulsas com dura repressão pelo dono do bar e pela polícia. Com este episódio, o GALF organizou um ato para o dia 19 de agosto do mesmo ano, contra a perseguição às lésbicas e à sua atividade política. O porteiro sozinho até tentou evitar o levante, mas não teve jeito. As lésbicas tomaram o bar e impuseram ao dono que fosse permitida a venda e circulação dos materiais ali.

O acontecimento ficou marcado como Stonewall brasileiro, pois faz referência ao levante de Stonewall, ocorrido em 1969, quando LGBTs, sobretudo mulheres travestis, protagonizaram uma importante revolta contra a violência e perseguição policial que essa população sofria no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque. O bar, um dos únicos lugares onde as e os LGBTs podiam expressar mais livremente sua sexualidade, era invadido constantemente pela polícia, que reprimia violentamente essas pessoas. Sob a influência dos ventos da luta de classes do Maio de 68 francês, da Primavera de Praga em 1968 e das rebeliões contra a guerra no Vietnã, na noite de 28 de junho de 1969, um grupo, liderado por Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, rebelou-se contra a polícia, organizando uma luta pelos seus direitos mais elementares de poderem expressarem sua sexualidade e identidade de gênero sem serem atacadas pela polícia. Depois desse marco, muitas frentes pela libertação sexual e pelos direitos das minorias começaram a surgir pelo mundo, influenciando fortemente o movimento no Brasil, ainda que vivesse uma ditadura militar nesse período.

Veja mais sobre a histórica revolta de Stonewall aqui. Também veja sobre a noite em que as sapatão tomaram o poder em Stonewall, contra a polícia assassina que as matava e reprimia, sendo linha de frente na luta contra a repressão policial e pela libertação sexual.

O Grupo Ação Lésbica Feminista surgiu em 1981, com as mulheres que romperam do antigo grupo Somos, que foi a primeira organização pelo direito dos homossexuais no país, por ali encontrarem limites para suas ambições políticas. Os motivos vão desde terem dificuldades de se expressarem e de terem uma maior igualdade entre os homens, até a necessidade de confluírem com o feminismo mais profundamente. Uma das formas de ativismo político do grupo recém-formado passava justamente pelo seu boletim Chanacomchana, o qual abordava inúmeros assuntos como saúde sexual das mulheres lésbicas, que era renegada pelos médicos e pela mídia, como a afetividade, a poesia e a política, tendo um claro teor pró-operário e revolucionário.

A política de aliança do movimento lésbico com trabalhadores expressava uma enorme potência do grupo. Essas mulheres foram as mesmas que se enfrentaram contra a ditadura e que, no 1º de Maio de 1980 foram ao Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo, para defender o fim da intervenção nos sindicatos e apoiar a greve metalúrgica, em meio ao ascenso de lutas operárias. Essa aliança é internacional, pois em Londres também aconteceu de um grupo de lésbicas e gays apoiarem, em pleno governo da neoliberal Margaret Thatcher, em 1984, a greve dos mineiros, criando o grupo Lésbicas e Gays Apoiam os Mineiros (LGSM - Lesbians and gays support the Miners).

Estes são claros exemplos de como a luta por um mundo livre da opressão sexual e de gênero deve passar também pela libertação do proletariado da exploração da burguesia. Isso porque o capitalismo utiliza as opressões como o racismo, o machismo e a LGBTfobia para explorar ainda mais as LGBTs, que ficam marginalizadas socialmente, nos piores postos de trabalho e sujeitos à violência e brutalidade do Estado. O capitalismo torna comum atrocidades como assassinatos violentos de pessoas trans, estupros corretivos de lésbicas e agressão e assassinato aos gays. Não há como vislumbrar uma saída para a opressão dentro de um sistema que as utiliza para potencializar o lucro, ainda que se tente vender uma imagem de ascensão social dos setores oprimidos, mostrando o avanço nos direitos para essas pessoas ligado ao aumento de CEOs e funcionários executivos LGBTQIA+ nas empresas. Isso na verdade é uma grande mentira, pois os direitos e políticas públicas que existem hoje para as e os LGBTs foram conquistados às custas de muita luta e por vezes às custas do sangue de lésbicas, gays e travestis, nacional e internacionalmente, ainda que a igualdade perante a lei não signifique igualdade perante a vida.

Além disso, o sistema tenta esvaziar a nossa luta reduzindo-a a conquistar posições de prestígio social – leia-se cargos corporativos e de chefia em empresas – ou reduzindo-a a esfera do consumo através de marcas e produtos, reduzem toda a luta do movimento à luta por representatividade. Não podemos nos deixar enganar que apenas a representatividade ou a visibilidade por si só, ilusão capitalista, é capaz de nos libertar. O Brasil é o país que mais mata as pessoas LGBT+ e que empurra 90% da população trans para a prostituição. É o país que coloca como “oportunidade” para nós, LGBT+, os piores postos de trabalho, como por exemplo no telemarketing (em que nos tornamos fisicamente invisíveis), com os piores salários, dentre outras inúmeras explorações.

Assim como tentam pacificar a história das mulheres, dos negros e da classe trabalhadora, também tentam com a história do movimento LGBTQIA+, que se expressa fortemente por uma revolta e hoje é usado pelos capitalistas e pela “burguesia gayfriendly” como mais uma forma de esvaziar o conteúdo de enfrentamento às forças repressivas do Estado e de amenizar a importância da nossa organização, para assim nos explorar e oprimir ainda mais.

Por isso, neste dia 29, também celebrando o dia 19, nos fortalecemos no exemplo das lésbicas que abriram espaço para expressarem sua sexualidade e posições políticas em meio à ditadura militar. Resgatemos a bravura daquelas que, com a força da sua mobilização, colocaram-se ao lado da classe trabalhadora por entenderem que a libertação sexual passa pela libertação da humanidade das amarras do capitalismo. É necessário ter uma concepção permanentista, ou seja, trotskista, pois a igualdade perante a lei não é a igualdade perante a vida e, para que possamos revolucionar por inteiro nossas camas é necessário derrubar o capitalismo que nos impede de viver uma vida plena de sentido.


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Gabriela Mueller

Estudante UFRGS
Estudante de História da UFRGS
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