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Trump vs Biden: um debate que mostra a decadência do imperialismo

Claudia Cinatti

Trump vs Biden: um debate que mostra a decadência do imperialismo

Claudia Cinatti

Os candidatos à Casa Branca enfrentaram se no primeiro debate de uma série de três. Ainda que a expectativa não era grande, a mediocridade foi maior do que o esperado, um claro sinal da decadência do imperialismo norte-americano.

“Donald the clown” e “Sleepy Joe” poderiam muito bem ser dois personagens de alguma sitcom dos anos 1960. Mas não. São Donald Trump e Joe Biden, os dois candidatos que a burguesia norte-americana tem para dirigir a Casa Branca pelos próximos quatro anos, e, daí, os destinos do capitalismo mundial, ao menos até que outro supere para valer o império americano.

No primeiro debate presidencial na última terça-feira, no Cleveland, ofereceram um espetáculo lamentável. E ainda têm pela frente mais dois debates presidenciais, com temas pendentes como a política exterior, ou seja China e Rússia, e um debate entre os candidatos a vice-presidente.

O debate suscitou preocupação na elite do capital imperialista, que intuem uma situação perigosa pela crise econômica, a pandemia, a crise social, e também a luta de classes.

Como ironiza Wall Street Journal, ninguém esperava um debate como o Lincoln-Douglas, em referência aos grandes debates de 1858 -sete no total- entre o candidato republicano e o senador democrata, onde se discutia nada menos do que a abolição da escravidão.

Também não era esperado uma reedição do debate Kennedy-Nixon, inaugurando em 1960 a era dos debates televisionados, e que transformou a comunicação política ao ponto que, segundo o mito, uma gota de suor virou mais expressiva do que as palavras.

Mas inclusive para os que tinham expectativas muito baixas, ou seja, quase todo mundo, o primeiro debate Trump-Biden foi too much.

Quase por costume, os maiores colunistas da grande mídia fizeram balanço entre ganhadores e perdedores -Chris Wallace, o moderador de Fox News, levou quase sempre, a pior parte-. Mas dado o baixo nível dos oradores, os resultados são calculados segundo a polarização que divide o campo da política burguesa. Em síntese para os liberals (algo assim como “progressistas” na linguagem política estadunidense) ganhou Biden. Para os republicanos, Trump. E nessa altura do jogo, os indecisos são só 3% pelo que o impacto eleitoral do debate poderia parecer quase nulo.

O tom do debate foi imposto pelo atual presidente, que como era de se esperar foi uma espécie de trato. Fez bullyng no Biden. Interrompeu, partiu para o ataque pessoal, saiu do roteiro, sabendo que esse estilo transgressor e ofensivo passa uma imagem de homem forte e é o mais aplaudido pelo seu núcleo duro. No seu papel fez a sua performance sem grandes problemas.

Os analistas progressistas consideram que Biden venceu pelo fato de ter mantido a coerência durante os 90 minutos. Patético. A balança com que medem Biden é que por enquanto saiu vitorioso e pode reverter uma das campanhas preferidas do Trump, que é acusa-lo de senil. Não seria a primeira vez que a saúde mental de um presidenciável vira um assunto de estado. Não é segredo nenhum que Ronald Reagan, que até a eleição de Trump foi o presidente de maior idade quando assumiu com quase 70 anos, já sofria de Alzheimer no seu segundo mandato, e a política era dirigida pelo seu círculo mais conservador. Mas antes de cair na demência, teve a suficiente clareza contrarrevolucionária para pôr em marcha a ofensiva neoliberal e a operação que ia terminar por dar a vitória aos Estados Unidos na guerra fria. De qualquer forma, a burguesia e o partido democrata já garantiram seu plano B com Kamala Harris na vice presidência.

A técnica de Trump no debate traduziu na retórica o que vem sendo sua estratégia eleitoral pouco sofisticada mas efetiva, que consiste em bater nas bases da coalizão eleitoral democrata. Na primeira metade do debate, Trump dirigiu-se aos eleitores conservadores que oscilam entre democratas e republicanos. Com um olho no voto dos subúrbios [nas cidades estadunidenses o conceito de ‘subúrbio’ ou suburbs refere-se aos bairros e condomínios de classe média localizados fora dos centros urbanos, cartão postal do sonho americano NdT] e as “soccer moms” (assim são denominadas as mulheres brancas de classe média acomodada dos subúrbios) Trump tentou mostrar que Biden é um fantoche da “extrema esquerda” do Partido Democrata, e que seria dirigido não por Wall Street mas Bernie Sanders. Foi acusado de pretender “socializar” o sistema de saúde, de não aderir o mandato de “lei e da ordem” e de se negar a combater aos “antifa” e a violência nas manifestações contra o racismo e as polícias violentas. E uma vez que Biden, como era de se esperar, exagerou na separação pela direita de qualquer coisa com cheiro de radicalização - afirmou ter derrotado o sanderismo (“o Partido Democrata sou eu”, disse); defendeu o sistema privado de saúde e condenou a violência-, Trump deu um giro de 180 graus. Atacou Biden por punitivista e racista e disse o obvio: que Biden tinha acabado de perder o eleitorado de esquerda.

A estratégia de Biden foi, como na campanha, ir pelo seguro: aparecer como moderado e confiável para dirigir o império; criticar a gestão de Trump da pandemia do coronavírus; tentar usufruir da rejeição gerado pelo narcisismo do presidente na opinião pública liberal, e confiar que a tática do mal menor irá lhe garantir os votos inclusive dos setores mais radicais sem necessidade de se mover um milímetro, nem sequer no discurso, da política do establishment e Wall Street.

Em meio de uma crise de dimensões históricas aberta em 2008, o candidato democrata só mencionou os mais de 200 mil mortos pela pandemia do COVID-19 e aos milhões que tem perdido o emprego. E proferiu algumas pérolas inacreditáveis sobre “multimilionários” que jogam golfe, como Trump. Mas o tom geral não foi dado pela demagogia nem pelas promessas de alguma medida progressista, mas se apresentar como a garantia da estabilidade e da “institucionalidade” do estado capitalista. Isso implica tanto reconhecer uma eventual vitória do Trump, numa eleição mais do que ajustada, até aceitar a nomeação da ultraconservadora Amy Coney Barret para a suprema corte antes inclusive do veredito da eleição de novembro.

Diga-se de passagem, o interesse do Trump e do Partido Republicano enfileirado completamente a favor de Barret, vai além do papel que poderia cumprir a suprema corte na definição das próximas eleições. A chegada de Barret à corte da aos republicanos uma maioria de 3 durante tal vez uma década, porque os “cortesãos” nos EUA são vitalícios e longevos. Essa é uma grande vantagem histórica dos conservadores, que assumiriam o controle do poder do Estado que no esquema do “check and balance” têm a última palavra.

Além da corte, Trump parece querer garantir uma fatia nada desprezível de influência para além do resultado eleitoral. A localização de Claver Carone, um falcão do seu círculo político, à frente do BID vai nesse mesmo sentido.

Além do ruído das acusações e insultos, o debate deixou algumas poucas definições que falam por si próprias da profundidade da crise política - e em perspectiva estatal- cujas raízes remontam-se à Grande Recessão de 2008.

A primeira é que está em questão a legitimidade do processo eleitoral. Trump falou abertamente da possibilidade de “fraude”. Insistiu com as vulnerabilidades do voto por correio, um mecanismo que vários estados já têm adotado há vários anos, mas que nessa eleição se generalizará pelas condições da pandemia. E ninguém conseguiu lhe arrancar o compromisso de que aceitará o resultado.

A segunda, relacionada com a anterior, é que o presidente chamou de fato à “mobilização extra parlamentária” dos “vigilantes” e grupos de extrema direita supremacista, como os Proud Boys, que já protagonizaram ataques violentos contra manifestações do Black Lives Matter, que terminaram com mortos.

Biden aposta que o consenso negativo contra Trump vai lhe dar a vitória. Até agora as enquetes vêm lhe dando a razão. Mantem uma vantagem nacional de, em média, 7 pontos ainda que a eleição é indireta e com a chave da Casa Branca está com um punhado de “swing states”. Nesses estados, Biden segue em frente, mas com uma margem menor do que as pesquisas davam a Hillary Clinton em 2016. Isso terminou com Trump perdendo o voto popular por 3 milhões mas ganhando o colégio eleitoral.

A grande mídia corporativa, o establishment político norte-americano e até a burguesia mundial considera que essa é uma eleição crucial que poderia pôr um fim no experimento trumpista e reestabelecer as coordenadas da “ordem liberal multilaterak” e algum sinal de estabilidade no maro da crise aprofundada pela pandemia.

O desvio eleitoral conseguiu canalizar com uma lógica” do “mal menor” o processo de mobilização contra o racismo e a violência policial no recambio governamental, ainda que não conseguiu a desmobilização de setores importantes que seguem protestando nas ruas.

Um eventual triunfo do Trump - o que não está descartado- sem dúvidas irá radicalizar as tendências políticas e da luta de classes que já estão esboçadas. Além de polarizar o cenário geopolítico. Um eventual governo de Biden deixará um amplo espaço de esquerda de jovens, trabalhadores, negros e latinos que se consideram “socialistas”, e foram a base do “fenômeno Sanders” e do fenômeno antirracista e anti policial.

Tudo isso configura uma situação precária e expressa as tendências à crise organiza na principal potência imperialista. O debate mostrou dois contendores que não fazem mais do que reafirmar os sinais da decadência da potência estadunidense.

Traduzido por Juan Palo Diaz


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Claudia Cinatti

Buenos Aires | @ClaudiaCinatti
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