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SEMANÁRIO

Preço alto tem a conciliação: o silêncio da Resistência/Afronte sobre Alckmin e o grande capital

Vitória Camargo

Preço alto tem a conciliação: o silêncio da Resistência/Afronte sobre Alckmin e o grande capital

Vitória Camargo

Na última semana, neste Suplemento teórico, publicamos um artigo de André Barbieri abordando as lições de Trótski para refletir acerca dos desafios que perpassam a esquerda brasileira quanto a impulsionar a organização e luta decididas contra Bolsonaro e a extrema direita. Essa é nossa tarefa de primeira ordem hoje, como os resultados do primeiro turno das eleições reafirmaram. No artigo, debatemos contra a posição de Valério Arcary, dirigente da Resistência (PSOL) e uma das figuras que melhor encarna a política petista de simultaneamente corroborar com a tese do ascenso do neofascismo no Brasil e encobrir a falta de qualquer combate sério por parte do PT e das direções do movimento de massas contra a extrema direita, abrindo ainda mais espaço ao bolsonarismo com a conciliação da chapa Lula-Alckmin. Diante disso, a Resistência elaborou uma resposta ao artigo, com o título de O silêncio tem um preço alto: um debate com MRT/Faísca. Queremos aqui dar continuidade a esse debate, em geral sempre salutar, mas neste caso menos pela profundidade dos argumentos apresentados na resposta a nós e mais por serem representativos de determinadas formas de pensar a teoria e a política que reafirmam a ruptura com o marxismo que apontamos.

A extrema direita bolsonarista é hoje a inimiga central de toda a classe trabalhadora, das mulheres, dos negros, dos indígenas e LGBTs, com Bolsonaro possuindo traços fascistizantes claros e uma base reacionária que não desaparecerá com as eleições. Pelo contrário, o resultado do primeiro turno confirma um curso à direita no regime político, com uma maior votação de Bolsonaro em relação a 2018 em números absolutos, mas também uma maior institucionalização do bolsonarismo, ganhando espaço no interior de outros poderes, como no Legislativo, e elegendo governadores aliados. O debate com a Resistência, organização marcada na vanguarda brasileira por sua completa diluição na campanha de Lula-Alckmin, trata justamente de como combater o inimigo bolsonarista, demonstrando que o beco sem saída da política petista, na qual essa corrente embarcou há tempos, somente desarma esse enfrentamento.

Mais uma vez sobre o lugar da extrema direita no regime político: não existe burguesia na análise da Resistência

Inicialmente, os autores do artigo da Resistência nos acusam de operar “uma mistura frágil entre as categorias marxistas de Estado, regime e governo, um verdadeiro frankenstein teórico que serve ao propósito de análise justificativa de uma política abstencionista frente à conjuntura”. Ao mesmo tempo, os leitores do desenvolvimento argumentativo dos companheiros terão dificuldades de compreender exatamente como a Resistência caracteriza a distinção entre Estado, regime e governo. Sobretudo porque a essência de todo o texto não responde ao que deveria ser elementar a qualquer marxista: como diria Trótski, “temos que ser capazes de descobrir, sob a forma política, o conteúdo econômico e social” [1] por trás dela, isto é, traçar uma análise de classe da política, que permita precisar as distintas formas pelas quais se expressam diferentes projetos burgueses a cada momento, e buscar uma política independente da classe trabalhadora frente a eles para realmente enfrentar nossos inimigos.

No texto em questão, a Resistência finalmente admite que “o regime político vigente no Brasil atual é uma democracia burguesa, ainda que deteriorada”. Ao mesmo tempo, analisa que estamos diante de um governo fascista que tem como projeto implantar uma ditadura de tipo fascista (mais precisamente, “neofascista”), apoiada na mobilização reacionária de massas, que admitem ser mais “frouxa” do que no fascismo original, já que este impunha um “enfrentamento físico muito mais brutal” contra as organizações operárias. Concluem que “os fascistas não deixam de ser fascistas por não terem conseguido, até o momento, impor seu projeto político frente à correlação de forças social”. Ao que agregamos que, por sua vez, os marxistas deixam de ser marxistas quando negam os principais determinantes de classe da situação. Com isso, queremos reafirmar a tese que levou ao texto original de André Barbieri: localizar o atual embate eleitoral como uma disputa entre “democracia x fascismo” leva os que se dizem socialistas a se localizarem por trás de uma ala com forte composição burguesa, com roupagem mais “democrática”, contra Bolsonaro, a qual conta também com atores desse regime cada vez mais degradado. Essa é a lógica da “frente ampla pela democracia” e é essa forte composição burguesa que a Resistência busca esconder em sua análise.

Bolsonaro é, sem sombra de dúvidas, a selvageria da extrema direita trumpista, que, sim, possui apoio de setores da burguesia e do agronegócio. Mesmo com a maior institucionalização do bolsonarismo, vai seguir se valendo da mobilização reacionária de sua base para favorecer suas disputas no interior desse regime, inclusive contando com episódios escandalosos de violência política, como já vimos, e por vezes fazendo ameaças golpistas - o que precisa ser respondido com luta séria. Mas a distinção estanque que a Resistência empreende entre regime e governo leva, por um lado, a subestimar o perigo do fascismo e seu significado na história e, por outro, a suavizar o poder autoritário das forças do regime que vieram aprofundando a degradação da democracia, construíram uma relação de enfrentamento e também cooperação com Bolsonaro e parte delas estão hoje com a chapa Lula-Alckmin.

Na análise da Resistência, o Congresso, com o qual Bolsonaro teve que frequentemente negociar, votou “derrubando ou limitando decretos e medidas provisórias da presidência”. Além disso, destaca o enfrentamento entre Bolsonaro, junto às Forças Armadas, contra o STF, junto ao TSE. Ou seja, a Resistência reconhece que há uma divisão no regime da democracia burguesa degradada, com atores que não encamparam o projeto bolsonarista (em sua visão, “neofascista”) até o final. O próprio Judiciário, com o STF de juízes eleitos por ninguém, hoje se embandeira da defesa da “democracia”, inclusive encontrando apoio na esquerda, mas foi fundamental para levar Bolsonaro ao poder, com o golpe e a continuidade dele em 2018, atuando junto às Forças Armadas naquele momento. Também foi fundamental para manter Bolsonaro governando, buscando em alguns momentos discipliná-lo, mas também se valendo dele para atacar a classe trabalhadora, e hoje legitima as eleições em curso, mesmo com os militares na “sala-cofre” junto ao TSE, seguindo o avanço histórico da politização das Forças Armadas desde o pacto de 1988. Todos esses atores convergiram para garantir a aprovação das reformas, das inúmeras privatizações e dos cortes na educação.

É significativo que essas reformas, que marcaram uma brutal degradação das condições de vida das massas no último período e concretizam uma importante ofensiva burguesa, não sejam sequer mencionadas pela Resistência em todas as páginas de sua resposta. Vivemos no mesmo Brasil massacrante contra as maiorias populares? São medidas que, não à toa, os atuais “defensores da democracia” buscaram (e seguem buscando) garantir e preservar, em nome dos interesses das classes dominantes - para isso contam também com o programa de Lula-Alckmin, que promete manter essas reformas intocadas. É nesse marco que Arcary chega a definir que “os fascistas mantêm o apoio da massa da burguesia”. Para afirmar que a massa da burguesia está com Bolsonaro, a Resistência considera útil omitir que a FIESP, a Febraban e grandes empresas do agronegócio vinculadas a Tebet e Kátia Abreu estão com Lula? Ademais, a quem serve esconder Alckmin, aquele que não é nomeado em todas as 9 páginas da resposta ao MRT? Não estamos falando nem mesmo de uma figura de direita qualquer da política, Alckmin era, não por acaso, a figura que esse regime ainda mais degradado da democracia burguesia lançou esforços para eleger em 2018, agradando melhor o capital financeiro. Como a Resistência explica os maiores nomes do neoliberalismo do Brasil estarem apoiando a chapa opositora a Bolsonaro, se a massa da burguesia não está com Lula? E a linha demagogicamente “democrática” de Biden e do Senado americano para o Brasil, contra as aventuras bolsonaristas a la Trump?

Ao mesmo tempo, como escrevemos, “a essência do fascismo consiste em liquidar completamente todas as organizações operárias e através de sua atomização impedir que ressurjam”. Ao nosso ver, para responder a definições sobre o fascismo que evidentemente não cabem no atual contexto brasileiro, a Resistência acrescenta o prefixo “neo”, alargando tanto a categoria fascismo, mais frouxo e menos brutal do que nos anos 1930, que perde qualquer análise séria sobre o papel do fascismo na história. Este é um recurso do capital financeiro, apoiado na decomposição da pequena burguesia, a serviço da contrarrevolução. Seu verdadeiro “frankenstein teórico” é uma fuga das categorias do marxismo, com o qual rompe. Termina, por um lado, desarmando os trabalhadores e jovens para combates muito mais agudos que poderemos travar no futuro conforme a luta de classes avance, e, por outro, ocultando os interesses de atores bonapartistas do regime e de frações do capital financeiro que foram suporte essencial para a direitização que vivemos até aqui e agora se colocam pela “democracia” com a chapa Lula-Alckmin.

Ainda assim, o problema teórico e político central do qual a Resistência foge como da peste segue sendo que a política proposta por essa organização é ainda menos consequente para combater a extrema direita de Bolsonaro se assumirmos que estamos diante de um governo fascista, e de nada tem a ver com o legado deixado pelo marxismo revolucionário. Caso a Resistência tivesse algum peso na realidade e estivéssemos sob o fascismo efetivamente, a orientação política catastrófica dessa corrente seria criminosa: centraria a orientação em aconselhar os trabalhadores a votar em algum mal menor e a não ocupar as ruas, como no 7 de setembro, quando chamaram atos que supostamente existiriam nos dias seguintes, mas que não tiveram relevância nenhuma pela política das direções.

Frente única operária ou frente popular?

Quando se trata da “frente única”, a argumentação da Resistência apenas confirma o conteúdo da polêmica original: em campanha há meses por uma chapa aliada à direita e à burguesia, sua estratégia consiste em defender que é possível derrotar a extrema direita com o voto, algo nunca antes conquistado na história da luta de classes. Na resposta a nós, citam as teses da III Internacional sobre a frente única como um “legado histórico do marxismo internacional extremamente precioso”, agregando que sua “interpretação ao pé da letra é temerária”. De outro lado, dizemos que seu completo desvirtuamento serve somente aos teóricos da frente popular, sobre a qual tratamos de maneira desenvolvida e abarcativa no artigo original e que foi, de maneira sugestiva, completamente ignorada na polêmica de volta. Afinal, a operação argumentativa que a resposta a nós empreende é simplesmente deslocar o terreno de atuação para o qual é pensada a tática da frente única no rico arsenal dos revolucionários e transformar uma tática para a luta de classes com as direções conciliadoras em uma aliança para as eleições com a burguesia. Não estão, entretanto, inventando a roda: alianças eleitorais com uma suposta “burguesia democrática”, com o argumento de enfrentar o fascismo, compõe uma estratégia bem conhecida na história - e combatida à morte por revolucionários como Trótski. É a estratégia das frentes populares, tal como foi formulada pelo congresso da Internacional Comunista stalinilizada, que significaram uma catástrofe em diversas revoluções, como na Espanha.

Por sua vez, o pressuposto básico da frente única reivindicada nas teses da III Internacional é de que, nos choques de interesses com a burguesia, “as massas operárias sentem a necessidade da unidade de ação: de unidade para resistir ao ataque do capitalismo, ou de unidade para tomar a ofensiva contra ele”. Isso significa que, quando se trata de Frente Única, trata-se de unidade “de ação”, opondo, na luta, os interesses do proletariado aos interesses burgueses. Além disso, essa tática tem como objetivo estratégico fortalecer os revolucionários, mostrando na experiência prática, a partir da unidade na luta (ou a partir do rechaço à luta por parte das direções reformistas), qual estratégia é mais consequente para enfrentar os capitalistas, e assim conquistar a confiança dos trabalhadores que ainda mantêm ilusões nos reformistas, podendo a luta assumir caráter ofensivo ou defensivo de início. Como já citamos anteriormente, Trótski desenvolve mais profundamente sobre a frente única contra o fascismo na Alemanha no início dos anos 30, sintetizando: “Os acordos eleitorais, os compromissos parlamentares feitos entre o partido revolucionário e a social-democracia [reformistas], costumam servir, em regra geral, a esses últimos. Um acordo prático para ações de massas, por objetivos de luta, faz-se sempre em proveito do partido revolucionário”. E ainda ressalta: “Nenhuma plataforma comum com a social-democracia ou os dirigentes dos sindicatos alemães, nenhuma publicação, nenhuma bandeira, nenhum cartaz comum! Marchar separados, golpear juntos! Colocar-se de acordo unicamente sobre a maneira de golpear, sobre quem e quando golpear!”.

A resposta da Resistência apenas confirma que sua política poderia ser resumida sob o lema “marchar juntos e não golpear” (ou golpear a independência de classe). Na realidade, seria um pouco menos que isso já que “marchar” tampouco tem sido parte da política do PT assumida pela Resistência. Em sua nota, diz que “é óbvio que o PT quer canalizar a rejeição à extrema-direita exclusivamente para a via eleitoral, não para as lutas”. Mas faz isso depois de afirmar que, desde o início de 2021, sua organização defendeu “a construção de uma unidade entre todas as organizações da classe trabalhadora nas lutas e nas ruas, que impusesse o impeachment de Bolsonaro e que se refletisse também em uma candidatura de Frente Única à presidência da república”. Ou seja, aparentemente não foi somente o PT quem buscou canalizar a rejeição à extrema direita às urnas. Longe de uma tática para fortalecer os ditos revolucionários, admitem prontamente que a tática “para a ação” que buscaram construir há mais de um ano tinha como fim de cara… Articular uma candidatura com o PT para as eleições, dando a isso o nome de Frente Única. O completo oposto da tática pensada pela III Internacional.

Continuam: “agitamos incansavelmente a exigência de que o PT tivesse como vice de sua chapa um representante dos movimentos sociais, sem alianças com a direita ou com a burguesia”. No lugar de “agitar incansavelmente” que o PT, que dirige significativos batalhões da classe operária via CUT, bem como o PCdoB, via CTB, organizassem a luta efetivamente, com medidas pela base para que os trabalhadores entrassem em cena com seus métodos, como paralisações e greves, a Resistência “agitou” para que Lula, que já havia governado o capitalismo brasileiro por quase uma década, não fizesse alianças com a direita nas eleições… Estas consumadas numa frente amplíssima, a Resistência guardou suas “exigências” na gaveta e embarcou de maneira entusiasmada na campanha com Alckmin. Ao mesmo tempo, a “frente única” da qual nos acusa de não participarmos, no Fora Bolsonaro, nada tem a ver com a luta, que encampamos com toda força, e sim com uma frente de cúpula com a burocracia sindical (outro ator ausente em toda a resposta articulada a nós), responsável por desmobilizar com atos a cada mês.

Em seu artigo, inclusive, a Resistência faz parecer que “exigir a luta” diante da extrema direita e de uma situação catastrófica para os trabalhadores é parte de uma estratégia de “ofensiva permanente”, um certo esquerdismo, por parte do MRT (!). Por outro lado, nos acusa de “abstencionismo político”. A ironia é reveladora: quem mais se absteve, para dizer o mínimo, dos combates da nossa classe nos últimos seis anos, senão o PT junto às centrais sindicais e entidades estudantis que dirige? Onde estava a Resistência para denunciar o “abstencionismo” do PT e das centrais diante da luta contra o golpe institucional, quando Lula chamou os sindicatos a não “incendiarem o país”? Onde estava a Resistência para denunciar o “abstencionismo” do PT das ruas quando desmarcaram paralisações, após o grande 28 de Abril de 2017, deixando o caminho livre para a aprovação da brutal Reforma Trabalhista? Essa pergunta pode seguir, diante da prisão arbitrária de Lula, diante da Reforma da Previdência, cuja (não) luta se deu completamente em separado da juventude, quando tomávamos as ruas no Tsunami da Educação, depois diante das milhares de mortes da pandemia, dos atos pelo Fora Bolsonaro, das chacinas policiais, dos atos bolsonaristas de 7 de Setembro, e de um longo etc… A Resistência não somente nunca denunciou essa recusa permanente à luta por parte do PT, que segue organizando a passividade “ativamente” para se localizar como oposição “responsável” para a burguesia opositora a Bolsonaro, como o acompanha, voltando suas críticas a quem exige medidas de luta. Convenhamos, a única “ofensiva permanente” que vemos hoje no regime brasileiro vem da extrema direita e da burguesia, enquanto, por parte da oposição, prima a completa renúncia a qualquer combate.

E, claro, é óbvio que apagar o terreno em que se dá a frente única com as direções conciliadoras, passando da luta de classes para as eleições burguesas, leva às alianças com a direita e patrões: a passividade na luta de classes e o abandono de bandeiras elementares, como a revogação integral das reformas, é uma condição básica para ganhar o apoio da FIESP, da Febraban, de Alckmin e do Partido Democrata. Trata-se do ABC da frente popular: sua estratégia impede e serve para derrotar o desenvolvimento da luta de classes, já que tem como objetivo atrair setores burgueses que temem sobretudo nossa classe organizada em luta, mais do que qualquer fascismo.

Entre flexibilidade tática e abandono da estratégia e dos princípios, há um oceano

Continuando, a Resistência nos ensina: “tática e estratégia são conceitos extraídos da ciência militar. São conceitos relativos entre si, sendo a estratégia um conceito de mais longo prazo e a tática o terreno da ação imediata”, fazendo parecer que a distinção entre tática e estratégia seja relativa a uma questão unicamente de “tempos”. A tática é imediata, a estratégia é a longo prazo. Já, como explica Clausewitz, o general prussiano de quem os revolucionários herdam sua terminologia militar, a tática consiste nos combates parciais e a estratégia é aquela que liga esses combates para o objetivo da guerra. Isso significa dizer que a estratégia também está contida na tática, afinal não se pode levar adiante uma tática que não seja parte da estratégia pretendida. Em geral, o morenismo separa os objetivos imediatos do fim político “a longo prazo” pretendido, como se, no terreno da tática, valesse tudo para adaptar-se à “consciência imediata” média de determinado momento histórico, e a revolução fosse um “horizonte” distante que viria pelo curso dos acontecimentos. Diga-se de passagem, na argumentação da Resistência de conjunto identificamos certas características claras dessa tradição, que reduz, para dizer o mínimo, o papel consciente dos revolucionários atuando sobre a “consciência imediata” das massas a momentos muito parciais. Essa corrente diz que “o debate teórico e histórico deve se desdobrar em uma política concreta para a realidade, que dialogue com as reivindicações imediatas da classe trabalhadora e construa as pontes necessárias para o avanço da consciência de classe”. Mas a ponte que a Resistência diz fazer entre a consciência imediata e seu avanço é como um labirinto misterioso que não leva a lugar algum. Ou melhor, leva ao colo da burguesia.

Neste momento da polêmica em curso, as definições de tática e estratégia estão postas para sustentar que, obviamente, o voto é uma tática. Entretanto, a polêmica com a Resistência está longe de se resumir ao chamado ao voto (ou não) na chapa Lula-Alckmin. Se o chamado ao voto é uma tática que ainda assim precisa responder a determinados princípios, calcados na independência de classe, o debate com a Resistência está num âmbito bastante mais elementar do que este, já que se trata da completa diluição dessa corrente nessa chapa, com todo seu respaldo burguês. Lênin, tão reivindicado por sua flexibilidade tática pela Resistência, é categórico em dizer que “nenhum acordo eleitoral pode estar relacionado com a apresentação de uma plataforma comum, nem deve impor qualquer compromisso político aos candidatos social-democratas [neste caso, sinônimo de revolucionários], nem impedir os sociais-democratas de criticarem resolutamente o caráter contrarrevolucionário dos liberais, bem como o tubo e a inconsistência dos democratas burgueses” [2]. Desse ponto de vista, a “flexibilidade tática” reivindicada nunca se tratou de, frente às massas, os revolucionários fazerem campanha para que uma coligação burguesa presida a nação como “mal menor”. Já o que vemos há meses é a Resistência “se jogando de cabeça na campanha eleitoral”, como ela mesma define, incorporando para si o programa da conciliação - a ponto de Arcary defender a revisão, e não revogação integral, da Reforma Trabalhista. Em textos no blog Esquerda Online, “vez ou outra” a Resistência se diz crítica à chapa Lula-Alckmin. Mas suas figuras públicas com cargos parlamentares fazem uma campanha alegre e feliz pedindo a volta de Lula como a esperança do povo brasileiro. Claro, podem fazer a campanha como queiram, mas não em nome do marxismo.

Ainda assim, para voltar aos exemplos históricos, no caso das eleições das Dumas Russas que a Resistência utiliza para justificar a aliança com liberais, fica claro que, nas condições históricas concretas em questão (algo que gostam de enfatizar quando os exemplos históricos não cabem em sua política), os eventuais acordos se tratavam de eleições parlamentares, não para o Executivo nacional, e sua lógica, como Lenin mesmo explica, passa pela busca por negociações que também concedam cadeiras aos comunistas. Mas, acima de tudo, nesse momento da história russa, há uma burguesia nascente cujo liberalismo se coloca em oposição vacilante contra o czarismo (de origem feudal). A classe dominante ainda não é a burguesia do modo como vemos hoje, já que há um regime absolutista calcado no peso da aristocracia russa. O fascismo, se assim o fosse no Brasil, corresponde a um fenômeno de origem burguesa, da fase imperialista, nada a ver com as forças de classe representantes da reação pré-capitalista contra as quais Lênin chama a votar.

Já, no caso inglês, Lênin convida a “votar em Henderson contra Lloyd George”, isto é, votar no Partido Trabalhista conciliador, que se apresentava separado e contra o Partido Liberal e seu bloco com os conservadores (Churchill), com a intenção de “sustentar Henderson com meu voto do mesmo modo que a corda sustenta o enforcado”. Como a analogia serve ao Brasil atual, quando justamente a Resistência chama a votar numa chapa composta e apoiada por liberais? Não enxergam que, para fazer essa analogia, teriam que dizer que apoiam a “chapa Henderson-Loyd George”, “contra Churhill”? Ou Alckmin, a FIESP, a Febraban e Biden seriam correspondentes aos Trabalhistas? São todas “contradições” sobre as quais atuar ou inimigos de classe que precisamos derrotar?

Suponhamos que a Resistência estivesse correta nesta comparação e devêssemos chamar voto em determinada chapa contra um mal maior como “a corda que sustenta o enforcado”. Por acaso Silvia Ferraro ou a Bancada Feminista estão chamando voto em Lula-Alckmin como “a corda que sustenta o enforcado”? Com frases sobre Lula como “por onde passa, faz o medo das pessoas ir embora e deixa no lugar a esperança!”, “estaremos juntos para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo, assim como para enfrentar o neoliberalismo” e que “o Brasil da esperança para as crianças é um país com Lula presidente”, parece muito longe disso. Deixam mais do que cristalino que o palavrório marxista de baixo nível em textos nada tem a ver com a política concreta da Resistência.

Até onde vai (ou não) a Resistência?

Por fim, a Resistência insiste: “os camaradas vão organizar panfletagens pelo voto nulo nas cidades do país? Ou vão se contentar em dizer à vanguarda que não votam em Lula por seus princípios inabaláveis, mas na agitação pública seguirão escondendo das massas sua verdadeira posição?”. Aqui nos perguntamos: a quem serve essa insistência por parte da Resistência para que façamos campanha pelo voto nulo? Estamos, como sempre estivemos, na linha de frente contra Bolsonaro e toda a extrema direita, batalhando para que seja organizado um combate sério desde as ruas, locais de trabalho e estudo inclusive agora, para enfrentá-la, mas não prestamos apoio político à chapa Lula-Alckmin, cuja conciliação já demonstra que não servirá para derrotar o bolsonarismo, desarmando as lutas e abrindo espaço à extrema direita com suas alianças. Ainda assim, dizemos que estamos lado a lado a todos os que querem rechaçar Bolsonaro nas urnas, seja com voto em Lula, seja nulo ou abstenção. Mas por que é tão difícil conceber que uma política de independência de classe neste momento seja possível?

Há 6 anos, quando o MRT lutava contra o golpe institucional da direita contra o governo de Dilma Rousseff, a corrente de Valério Arcary se encontrava em debates internos no PSTU acerca de questões elementares, como se posicionar a favor ou contra um golpe institucional da direita. O passo adiante que essa corrente deu, rompendo com o PSTU, foi parte apenas do ABC do marxismo, compreendendo que das mãos da direita e da Lava Jato não poderia haver uma saída para os trabalhadores naquele momento. Mas já lá, alertamos: “a nova organização que surgiu, o MAIS, dá sinais muito contraditórios quanto ao caminho que pretende trilhar. É claro que será preciso mais algum tempo antes que esse novo agrupamento termine de definir sua própria fisionomia política e organizativa. No entanto, é preciso destacar o perigo de que os que romperam com o PSTU vendo apenas o seu lado sectário, agora girem 180o para uma política de adaptação oportunista às mediações reformistas”. De lá para cá, esse caminho se consolidou de vento em popa. Insistimos que sua diluição no petismo, em base ao mais frenético eleitoralismo, tem e terá consequências nefastas para esta corrente, agora de mãos dadas com golpistas de então, neoliberais e reacionários do STF, da Fiesp, da Febraban e longo etcétera, que disputam com Bolsonaro pela campanha “mais cristã” e contrária ao direito ao aborto.

Apelamos ao bom senso: resistirá a Resistência? Seu marxismo já não resistiu.


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FOOTNOTES

[1Leon Trótski, Escritos Latino-americanos.

[2Lênin, Tomo XXI das Obras Completas, p.151
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Vitória Camargo

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