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SEMANÁRIO

Os interesses de classe por trás das relações Brasil e Israel

Camila Begiato

Os interesses de classe por trás das relações Brasil e Israel

Camila Begiato

A nova ofensiva do Estado de Israel contra o povo palestino que se iniciou ano passado já conta com mais de 25 mil vítimas, a maioria delas mulheres e crianças. O imperialismo segue injetando investimentos e financiando o genocídio promovido pelo sionismo, recusando o cessar fogo e avançando na expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza. A declaração de Lula sobre o genocídio que acontece hoje na Palestina, que vem depois de alguns meses da ofensiva do Estado de Israel, causou raiva entre a direita sionista: a extrema direita bolsonarista ataca Lula e pede impeachment, e ainda há de se ver o impacto na política externa do governo de frente ampla. Fazem isso em prol do genocídio e não podemos aceitar. Mas a história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa: o fato de que as relações entre Brasil e Israel não foram rompidas tem por trás um histórico de interesse de classes que perdura desde o começo do século, e a sede por lucro das burguesias nacionais seguem sendo saciadas com o sangue dos trabalhadores palestinos.

A extrema-direita bolsonarista e sionista, que hoje exige o impeachment de Lula, faz coro à mídia burguesa e ao imperialismo norte americano que, junto a Netanyahu, tenta justificar com declarações racistas a ocupação das terras palestinas. O governo de frente ampla, depois de um fortalecimento dos laços entre Brasil e Israel pelo governo Bolsonaro, segue sustentando essas relações. Os setores que foram a base do bolsonarismo, como o agronegócio, a igreja evangélica e os militares, fazem parte do governo de vale-tudo do PT e, não só tem influência, como também são os que mais lucram com a conservação das relações entre Brasil e Israel.

O genocídio que acontece na Palestina já acontece há décadas e cada ofensiva sionista sempre deixa milhares de vítimas. Desde o início dos bombardeios no fim do ano passado, mais de 25 mil palestinos foram mortos, em sua maioria crianças e mulheres, hospitais foram destruídos e são chocantes os vídeos na internet de vilas totalmente dizimadas. É hoje o maior genocídio do século XXI, massacre que começou a ser promovido pelo sionismo antes mesmo da votação formal da criação do Estado de Israel na ONU, com documentos que comprovam o avanço das milícias sionistas e missões de reconhecimento extensivas para a criação das colônias de assentamento na Palestina. Cenas como crianças passando fome, universidades sendo destruídas por bombardeios e mulheres parindo em meio a escombros estão na conta do Estado sionista, do imperialismo e da extrema direita internacional.

Mas cada movimento de Estados burgueses tem por trás interesses de uma classe. É assim com o Estado de Israel, financiado pelo imperialismo norte americano que lucra milhões com a ocupação israelense na Palestina; e pela burguesia sionista, que lucra mais alguns milhões com a produção dos armamentos bélicos utilizados pelo Estado israelense contra os palestinos. É assim também no Brasil: as empresas privadas no setor bélico seguem lucrando (e as empresas israelenses se certificam disso); o Estado encontra nos armamentos israelenses todas as ferramentas para oprimir e assassinar a juventude com a sua polícia; e o agronegócio segue avançando e fazendo milhões com a destruição do meio ambiente, fortalecidas ainda mais com as iniciativas que facilitam o comércio das tecnologias israelenses. A cereja do bolo é que todos esses setores encontram conforto e segurança no governo de frente ampla, que garante que os interesses da burguesia sejam sempre garantidos. No Brasil, foi durante o primeiro governo Lula que as relações entre entre os dois países começaram a se aprofundar e, mesmo durante os avanços mais sangrentos do Estado de Israel nesse século sobre os palestinos, como em 2008 e 2014 (cujo número de vítimas só perdem para o massacre de hoje), quando o PT ainda era governo, as relações entre Israel e Brasil nunca foram rompidas. Ao contrário, incentivaram as relações entre as empresas israelenses e brasileiras e o comércio entre os dois Estados.

Brasil e Israel: uma história de amizade

Foi um diplomata brasileiro, Oswaldo Aranha, que hoje dá nome a ruas e praças israelenses, que mediou a sessão da ONU que votou a favor da criação do Estado de Israel: não apenas mediou, como também atuou para manobrar a votação e ganhar mais tempo para que o sionismo ganhasse o apoio e os votos necessários. Se as relações Brasil-Israel começaram com o pé da direita, essas relações se aprofundaram desde o começo dos anos 2000, aumentando o nível das suas relações comerciais e políticas.

No governo Bolsonaro, as relações entre Israel e Brasil atingiram seu auge, até pela sua proximidade ideológica com Benjamin Netanyahu, a quem Bolsonaro chegou a visitar assim que foi eleito em 2018. Durante o seu governo, Bolsonaro inaugurou escritório da Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex) em Jerusalém, o Brasil se alinhou a Israel nas resoluções da ONU sobre a Palestina e assinou diversos acordos nas áreas de defesa, serviços aéreos, prevenção e combate ao crime organizado, ciências e tecnologias, prometendo cooperar em setores como petróleo e gás, termoeletricidade e energias renováveis e no desenvolvimento de startups [1].

Historicamente, apesar de ter cumprido papel importante em 1947, foi a partir de 2003 que as relações Brasil-Israel ganharam novos contornos, em que o novo cenário econômico brasileiro levou o governo do PT a procurar novos parceiros e o aumento de exportações no Oriente Médio. De 2003 à 2010, o intercâmbio bilaterial entre Brasil e Israel aumentou US$795 milhões, as exportações brasileiras aumentaram US$152 milhões e em 2014 multinacionais brasileiras já funcionavam em Israel [2].

Em 2023, Israel foi o 34º país a mais exportar para o Brasil [3], chegando a uma balança de cerca de US$2 bilhões, que cresceu comparado ao ano anterior devido a substituição das importações russas (frente às sanções econômicas impostas à Rússia com a Guerra na Ucrânia) pelas israelenses. Os acordos de cooperação entre Brasil e Israel feitos durante o governo Bolsonaro foram mantidos e, dentre os três acordos feitos por Bolsonaro que foram votados na Câmara em 2023, um deles na área de segurança pública contra o crime organizado (que em 2019 foi denunciado pelo Comitê Nacional Palestino do Movimento BDS como um acordo que reforçava o domínio israelense sob a Faixa de Gaza [4]), chegou a ser defendido pela bancada do PT no Congresso [5].

Dos produtos importados hoje de Israel estão adubos, fertilizantes químicos, inseticidas e similares (56%), e outros produtos que incluem tecnologias e equipamentos bélicos (44%). Dos produtos mais exportados pelo Brasil, que somam mais de US$600 milhões, estão óleos brutos do petróleo, soja e carne bovina (58%) [6]. Da bancada do Boi, da Bala e da Bíblia, que foram base do governo reacionário de Bolsonaro e hoje fazem parte do governo de frente ampla, as duas primeiras cumprem papel importante e têm interesse na conservação das relações Brasil-Israel.

Do povo palestino para a população negra no Brasil: a importação de armamentos israelenses

Depois da Segunda Intifada palestina em 2000, a indústria militar israelense deu um salto na produção e exportação de armamentos: hoje Israel gasta em torno de US$15 bilhões (US$2,5 bilhões deles por investimento do imperialismo norte americano dos EUA) em gastos militares, e arrecadou US$12,5 bilhões em exportação de armamentos em 2022 [7]. Os dados exatos das quantidades exportadas para o Brasil são nebulosas, ocultadas por um acordo entre Brasil e Israel de “Proteção de Informação Classificada e Materiais”, o que não deixou com que uma das preocupações da burguesia brasileira com as recentes declarações de Lula fosse a pauta de projetos da FAB que dependem de tecnologia israelense [8].

A maior parte da pesquisa e produção tecnológica de Israel é feita por empresas de defesa israelenses, com ajuda do Ministério da Defesa Israelense e com engenheiros e técnicos que serviram na Força de Defesa Israelense (IDF), órgãos públicos que ajudam amplamente no desenvolvimento de armas e equipamentos por essas empresas privadas. Empresas como a Elbit Systems e a Israel Aerospace Industries (IAI) se tornaram notoriamente famosas pelos drones e mísseis lançados pelo Estado de Israel que atingem as mulheres e crianças palestinas. Um míssil em especial, chamado Heron, produzido pela IAI, foi usado pelas forças armadas israelenses na Operação Chumbo Fundido em 2008, depois em 2014 e de novo agora na ofensiva sionista sob Gaza [9].

Documentários como The Lab [10] mostram como em grandes feiras onde as empresas e instituições apresentam seus principais produtos militares, como a Feira Internacional de Defesa e Segurança (Laad) realizada no Brasil, a “apólice de seguro” e a eficiência desses drones e mísseis é provada com o número de vítimas palestinas. A Palestina é um grande laboratório para essas empresas privadas, que são as que mais se beneficiam do genocídio do povo palestino: após a ofensiva de 2008, mais de 100 drones Heron foram vendidos para Estados nacionais, o Brasil sendo um dos compradores em 2011, ainda no governo do PT, junto de outros modelos de drones [11].

Lula e o sargento Leo Gleser, vendedor de equipamentos bélicos, retratado no documentário The Lab.

A Elbit Systems Ltd. tem como subsidiária no Brasil a empresa Aeroeletrônica Indústria de Componentes Aviônicos (AEL) e produz para a FAB hoje aviônicos, aviões de ataque, helicópteros e blindados [12]. A empresa tem longo histórico com as forças armadas brasileiras: obteve contrato brasileiro em 2001 para melhoramento de caças F-5; de novo em 2002 com a Embraer para produção de aeronaves para a FAB que foram avaliados em US$80 milhões; renovados em 2008 no governo Lula. Pela AEL, chegou a vender torres para blindados que suportam canhões de montagem automática e suporte para montagem de metralhadoras. A IAI tem escritório em território brasileiro e assinou acordos com empresas brasileiras como Avionics Services e a Embraer, na produção de sistemas de defesa de fronteira martíma [13].

Do Estado que assassina a juventude palestina para o Estado que assassina a juventude negra nas favelas, as polícias brasileiras ainda hoje mantém fortes relações com Israel: Israel recebe os policiais militares de Castro do Rio de Janeiro para palestras sobre combate a criminalidade [14], a policia civil do Rio Grande do Sul firma parcerias com empresas israelenses para combater cibercrimes [15], os blindados israelenses reforçam a polícia de Tarcísio em São Paulo [16]. Outros inúmeros acordos reforçam a vinculação entre dois Estados assassinos e sujam de sangue a mão de empresas privadas que saem lucrando com a limpeza étnica de um lado do oceano e com chacinas do outro.

O agro é pop: as tecnologias israelenses de ponta no agronegócio brasileiro

Hoje existem cerca de 150 empresas israelenses no Brasil que são em sua maioria compostas por empresas na área de agrotecnologia (42) [17]. Além de importar de Israel os adubos e inseticidas que fertilizam as terras do agronegócio, e de exportar a soja e a carne de boi que são produto dele, o Brasil importa também tecnologias israelenses de ponta que servem ao agronegócio.

Algumas das relações entre Brasil e Israel englobam acordos que encorajam o desenvolvimento de tecnologias entre o setor público e privado brasileiros e israelenses: alguns deles são o Acordo Básico de Cooperação Técnica (1962), que estabelece cooperação técnica entre o governos de Israel e Brasil e organizações ou empresas privadas para projeto de irrigação no Piauí, bem como o Acordo Complementar que estende o primeiro ao desenvolvimento de projetos de desenvolvimento econômico social no Nordeste brasileiro; o Acordo de Cooperação Bilateral em Pesquisa & Desenvolvimento (2007), que estimula cooperação de empresas brasileiras e israelenses em projetos de desenvolvimento junto a órgãos governamentais; o Acordo sobre Cooperação no Campo da Agropecuária (2007), que firmam trocas de informações técnicas e científicas entre os setores agropecuários e a promoção de investimentos agrários privados; todos ainda estavam em vigor em 2015 e os dois últimos aprovados no segundo governo Lula [18].

O clima está muito favorável para as empresas do agro! São desses acordos que saem as milionárias licitações e projetos de concessões das quais as empresas brasileiras e israelenses faturam: é caso por exemplo do projeto de irrigação do Baixo Acaraú, cuja licitação no Ceará foi vencida por uma empresa israelense [19] e que, pelo que parece ser ironia do destino, é um dos responsáveis (juntos a tantos outros efeitos causados pelo agronegócio) pela degradação ambiental do Rio Acaraú [20].

A quem serve manter as relações Brasil-Israel?

O imperialismo segue lucrando com o genocídio do povo palestino, em todos os cantos do mundo, e o governo do PT mantém o Brasil subordinado. Não é à toa que, dos setores mais beneficiados com as parcerias entre Brasil e Israel como o agronegócio, as forças armadas e o extrativismo, estão os que foram base do governo Bolsonaro e estão profundamente ligados aos interesses imperialistas. Hoje eles também encontram espaço no governo de frente ampla, que garante a sua exploração desenfreada, e não é surpresa que o ministro das Relações Institucionais já garantiu que as relações entre Brasil e Israel não serão rompidas [21] e, mais ainda, que Lula se encontre com o chefe da diplomacia norte americana Anthony Blinken, garantindo que irão trabalhar juntos [22]. Fruto dessa subordinação é o fato de que as centrais sindicais, como CUT e CTB, o PT e o PSOL, não convocam ações de solidariedade ao povo palestino, mas, pelo contrário, levou Boulos a dizer que não era prefeito de Tel Aviv [23] frente às declarações de Lula.

No site da Embaixada de Israel no Brasil, jaz uma nota [24] entitulada Brasil e Israel: uma história de amizade. De fato, entre as burguesias brasileira, israelense e imperialista existem laços profundos que nascem de interesses muito similares. Os seus interesses e os interesses do povo palestino, da juventude negra e dos povos indígenas no Brasil são diametralmente opostos: é a classe trabalhadora quem pode lutar pela ruptura das relações com o Estado que financia o assassinato da juventude negra, da população indígena e a degradação ambiental. É parte da luta da classe trabalhadora internacional exigir pelo fim dos bombardeios e por condições médicas e materiais para que os palestinos possa reconstruir suas vidas, como vieram fazendo os trabalhadores com diversos atos pelo mundo com milhares de pessoas em solidariedade ao povo palestino. É essa a força que pode colocar de pé um programa por uma Palestina livre, operária e socialista, em que possam conviver árabes e judeus não sionistas em uma terra livre da exploração imperialista.


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FOOTNOTES

[1Disponível aqui.

[2SILVEIRA, Isadora Loreto da. Relações Brasil-Oriente Médio (2003-2014): motivações, estratégias de aproximação e resultados. Rio Grande do Sul. Disponível aqui.

[3Disponível aqui.

[4Disponível aqui.

[5Disponível aqui.

[6Idem.

[7Disponível aqui.

[8Disponível aqui.

[9Disponível aqui.

[10The Lab (2013): Israel’s Weapons-Testing Human Laboratory. Disponível aqui.

[11Disponível aqui.

[12Idem.

[13Disponível aqui.

[14Disponível aqui.

[15Idem.

[16Idem.

[17Disponívelaqui.

[18ERLICH, Priscila Cavalcanti. Acordos bilaterais entre Brasil e Israel: Contribuições e avanços negociais. João Pessoa, 2015. Disponível aqui.

[19Idem.

[20Disponível aqui.

[21Disponível aqui.

[22Disponívelaqui.

[23Disponível aqui.

[24Disponível aqui.
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