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O lugar dos militares no regime por trás do “perdão” a Pazuello

Danilo Paris

Thiago Flamé

O lugar dos militares no regime por trás do “perdão” a Pazuello

Danilo Paris

Thiago Flamé

Causou indignação em toda grande imprensa que o comandante do exército, Paulo Sérgio, não tenha dado nenhuma punição ao general Pazuello por participar do ato no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro. Prevaleceu a vontade do presidente: Pazuello foi sustentado pelo Alto Comando, e as ilusões no legalismo dos generais de 4 estrelas sofreu mais um golpe.

A situação de Pazuello, general de três estrelas que permanece na ativa depois de ter sido o Ministro da Saúde e agora, assessor de assuntos estratégicos da presidência da república, levanta algumas suspeitas, que se encerram com o resultado da suposta apuração interna. Como todo militar da ativa, está subordinado ao Alto Comando e ao comandante do exército, mas, como ministro da saúde, e agora como assessor, está diretamente sob as ordens de Bolsonaro. Os comandantes do exército podem dar declarações, como a de Paulo Sérgio, sobre o combate à pandemia, para tentar esconder o fato de que são diretamente responsáveis pela condução de Pazuello no ministério da saúde e que deram e seguem dando sustentação para a política de Bolsonaro.

A indignação de um Etchegoyen (general da reserva, responsável pelo Gabinete de Segurança Institucional do governo Temer), as palavras do vice, Mourão, as declarações de bastidores dos mesmos generais que decidiram não punir Pazuello com o objetivo declarado de não abrir uma crise com Bolsonaro, foi aonde a mídia institucional e petista se apegaram para ver algum sinal de resistência do Alto Comando, um passo atrás agora, para se preservar para enfrentamentos mais importantes em 2022. No entanto, essa decisão de não punir Pazuello, sequer forçar uma saída "voluntária" para a reserva, demonstra a cumplicidade entre Bolsonaro e o Alto Comando do exército.

A justiça militar, uma instituição que deveria ter sido extinta no Brasil, é um dos mecanismos de garantia da impunidade aos militares. Até mesmo o absurdo caso do Riocentro, em 1981, quando militares iriam colocar uma bomba num festival musical para acusar a esquerda e a bomba explodiu no colo deles, foi acobertado pelo STM (Supremo Tribunal Militar), que reabriu o caso em 1999 e encerrou o caso sem nenhum punido, a partir da lei da Anistia. Há outros casos em que podemos citar esse tipo de favorecimento, como o do próprio Bolsonaro, acusado também de planejar um atentado a bomba quando era capitão do Exército. Livrou-se de qualquer punição e pode ir para a reserva sem nenhuma anotação no seu “prontuário”. E a lista da impunidade é longa. Só o que é severamente punido nos meios militares é qualquer crítica de um praça aos generais ou qualquer suspeita de um pensamento de esquerda.

Esse é o caso de um terceiro Sargento da Marinha, que foi preso esse ano, por se posicionar nas redes sociais contra Bolsonaro a respeito da denúncia de recebimento de cheques da primeira dama provenientes do Queiroz. Ou seja, é um grande erro analisar as medidas disciplinares das Forças Armadas, por fora de interpretar suas motivações políticas, e a situação concreta do país.

Quem é Pazuello diz muito do significado dessa decisão do Alto Comando, de não enfrentar Bolsonaro nessa questão. O general intendente, da área de logística, que por isso não pode subir ao máximo da hierarquia e ocupar uma vaga do Alto Comando, é também sócio de uma série de empresas da sua família na região da Amazônia, já foi Secretário da Fazenda do governo de Roraima durante a intervenção federal, depois cuidou da operação junto aos imigrantes venezuelanos na região. Pazuello não é só a cara da condução criminosa da pandemia pelo governo Bolsonaro, mas está ligado aos múltiplos interesses bolsonaristas na região amazônica. O Alto Comando não quer abrir esse conflito com Bolsonaro, tanto porque deu sustentação à política de Bolsonaro para a pandemia, como porque sustenta e é parte dos interesses bolsonaristas na Amazônia, que levam a medidas militares ofensivas contra os Yanomamis em Roraima e contra os Mundukuru no Pará, além de outras regiões ameaçadas.

Não foi só o Alto Comando que acatou Bolsonaro. No passo seguinte, a CPI, em mais uma mostra dos seus objetivos limitados, acatou o Alto Comando. O senador Osmar Aziz, presidente da CPI, afirmou que já acha dispensável um novo depoimento do general. Renan Calheiros, por sua vez, ainda considera chamá-lo, mas isso não é prioridade por ora. Sim, por ora melhor não mexer nem com o Alto Comando do exército, nem com os interesses militares ligados à Amazônia. A tese de Renan e Randolfe sobre o corrido é expressiva desse ponto de vista. Ambos consideram que foi um "recuo tático" de Paulo Sérgio, ou seja, tomou uma decisão contrariado para se manter no comando e não permitir um novo general mais alinhado com Bolsonaro. Randolfe chega a dizer que mantém "sua fé inabalável no Alto Comando". Esses acontecimentos são reveladores das motivações de fundo dessa CPI. Ela serve para que uma ala do regime apareça como oposicionista ao discurso de Bolsonaro, mas não lhe interessa ir a fundo para atacar os outros setores de peso dentro desse regime, como os militares. Como viemos dizendo, a CPI, muito mais do que suas frases de auto propaganda, de que serve para salvar vidas, serve antes para salvar o regime político, frente à maiores insatisfações sociais que se acumulam contra o governo. Sustentado por Pazuello dessa maneira, Bolsonaro mostra que está disposto a defender os seus, pelos menos os que ocupam posições-chave. A longa luta em torno de Ricardo Salles também mostra isso e essa defesa até o final de Pazuello pode indicar também que o governo vai ainda longe para manter Salles.

Bolsonaro exposto diariamente pela CPI, chegando no auge da sua avaliação negativa e atrás de Lula em todas as pesquisas, não está moderando o seu discurso e sua política para conter o desgaste. Ao contrário, aposta em aprofundar a polarização, fortalecer onde pode os elementos de estado policial e suas forças extraparlamentares. No Rio de Janeiro, está estreitando laços com o novo governador, e a chacina de Jacarezinho e o ato feito logo após com Pazuello e com o governador se inserem nesta lógica. Também a ação dos garimpeiros contra os Yanomamis em Roraima, na região de fronteira com a Venezuela, foi o local escolhido pelo general Paulo Sérgio para conversar com Bolsonaro dias antes do veredito de Pazuello. Braga Netto também estava presente. A ponte de madeira que ambos inauguraram foi justamente uma ponte que é parte do conflito na região, para demonstrar a unidade do exército com o governo Bolsonaro na questão da Amazônia.

Tudo isso, como dissemos, dá pouca margem para a ilusão de um pendor legalista por parte dos generais do Alto Comando. Não querem abrir uma crise com o governo Bolsonaro, pois ainda o consideram a melhor opção para vencer Lula. Ao mesmo tempo, deixam correr livre e protegem as medidas que Bolsonaro toma para fortalecer sua base de extrema direita, pois isso fortalece a própria posição de árbitro do Alto Comando. Os generais estão se favorecendo como nunca das benesses do poder, o próprio exército tem se tornado a maior empreiteira do governo federal, os militares comandam ministérios e estatais e se favorecem comprando desde conhaque até caviar para os quartéis, um sem fim de regalias. A convergência ideológica de Bolsonaro com o Alto Comando é irrigada por uma volumosa verba pública que vai em direção aos generais quatro estrelas e seus subordinados. Estima-se quase 7000 militares em cargos nos governo, além do fato de que o próprio exército tenha virado um polo de construção de rodovias e outras obras de infra-estrutura, regando os cofres da caserna. Mais ainda, o exército e os militares são garantidores das reformas e ataques que Bolsonaro vêm implementando. Não à toa, após a decisão de Paulo Sérgio, no dia seguinte o mercado reagiu positivamente, diferente de outros momentos onde há mais crise política, e o mercado financeiro interpreta que os seus planos podem ser alterados.

Os generais ainda vêem que há muito o que se conquistar com o governo Bolsonaro. Há cerca de um mês, o ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, disse, em audiência no Senado, que o maior desafio atual da pasta é a falta de recursos. O Ministério da Defesa pediu ao Ministério da Economia para acrescentar nada menos do que um R$ 1 bilhão aos recursos da pasta.

É um mito, reverberado pela grande mídia, setores do regime, e até mesmo pela própria esquerda, que há uma parte dos generais que são comprometidos com a legalidade e com a instituição. Quando ocorreu a troca dos comandantes das três forças, essa foi a principal tese aventada, e a recente crise não deixa pedra sobre pedra, nessa concepção que ignora as características sociais e políticas dessa instituição reacionária, que ano após ano comemora a "revolução de 64", saudando a ditadura que perseguiu, torturou e matou centenas de pessoas.

A tentativa da mídia de querer amplificar reações de generais da reserva que são oposicionistas de Bolsonaro, como Paulo Chagas e Santos Cruz, é parte dessa política de querer alimentar a ilusão de que há uma ala comprometida com a legalidade entre o generalato. Cada um por seu motivo particular, esses dois generais foram bolsonaristas e romperam com o governo, mas a reação que se acompanhou foi em sua grande maioria de disciplinamento e aceitação diante da decisão de Paulo Sérgio. Até mesmo Mourão, que tinha dito que Pazuello tinha colocado seu pescoço no cutelo, disse que não comentaria o caso porque mesmo sendo da reserva, seria disciplinado à hierarquia da decisão do comandante.

Nesse contexto, mesmo generais que se delimitaram da decisão de não punir Pazuello, como Etchegoyen, colocam-se a favor do voto impresso nas eleições de 2022. Esse tema tem sido agitado sistematicamente por Bolsonaro como forma de pressionar o STF e manter questionadas as eleições que podem dar vitória a Lula. Diferente do que alertam setores da mídia, não estamos sob a iminência de um golpe militar. Para isso, há muitos outros fatores políticos e sociais, que por ora não estão entre as determinantes do país. No entanto, a política de Bolsonaro, frente à sua localização nas pesquisas atrás de Lula, é clara. Utilizar-se da narrativa de fraude da urna eletrônica e querer se apoiar nesse "fator militar", tanto no exército como nas bases policiais, para ser um ativo seu de ameaça à estabilidade caso perca as eleições.

Alguns membros importantes do regime mostram preocupação sobre a decisão, como o ministro Marco Aurélio Mello, além do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, entre outros, como Kassab, atual cacique do PSD. Alas dentro do Congresso tentam colocar em tramitação um PL para impedir que generais da ativa assumam postos dentro do governo. No entanto, a relação visceral dos militares com o regime não começou com o governo Bolsonaro, e nem vai terminar com ele.

Desde a transição tutelada do fim da ditadura militar, o generalato é uma força permanente dentro do regime. Com o governo Bolsonaro, essa relação se fez mais pública e aberta, e, por isso, todos os esforços dos generais são para garantir que o governo se preserve e consiga se manter estável para aplicar seus planos. Por isso, mesmo em um eventual novo governo Lula, a atividade política dos generais não vai desaparecer. O próprio Lula, ainda se mantém em silêncio sobre o caso de Pazuello. Logo após sua reabilitação, fez um discurso no sindicato dos metalúrgicos, sinalizou para as forças armadas que pretendia manter boas relações com elas.

Por isso, a força inicial que começou a se expressar nas mobilizações do 29M não pode ser canalizada pelas vias institucionais, seja nas eleições, ou através do impeachment. No caso desta última, ao contrário de debilitar a força militar no regime, teria um efeito reverso. Mourão, esse general reacionário que ganhou notoriedade pública com um discurso abertamente golpista durante o governo Dilma, assumiria o país. Em relação às ilusões de que a eleição de Lula poderia reverter esse quadro, o próprio ex-presidente vem costurando um arco de alianças com velhos setores do regime, como FHC, Sarney e Kassab, e como mostrou em seus anos de governo, tentará buscar apoio nas Forças Armadas, preservando-a no interior do regime como um fator de poder, que seguirá influenciando sobre os rumos do país. Foi durante o seu governo que o exército ganhou "prestígio" com a operação criminosa no Haiti, que teve a frente do seu comando a figura de ninguém menos que Heleno.

É fundamental a bandeira não só pela "Fora Bolsonaro", mas também contra Mourão e militares, que seja articulada através de uma mobilização efetiva que não se restrinja ao interior dos limites do que pretende a política petista. Por isso, estamos exigindo das grandes centrais de massas pelo país, que construam um dia de paralisação nacional, através de assembleias democráticas, tanto em lugares de trabalho como de estudo. Essa seria uma força social para impulsionar mobilizações e processos de luta de classes, que avancem para questionar todo o regime do golpe e o lugar dos militares dentro dele. Através dessa mobilização, defendemos a batalha por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, para que se punam todos os militares envolvidos em assassinatos, perseguições e torturas durante a ditadura, todos os crimes policiais que barbaramente continuam acontecendo, como em Jacarezinho, que revogue todas as leis reacionárias implementadas pelo golpe, bem como que revogue todos os entulhos da ditadura, como a Lei de Segurança Nacional, incluindo sua nova versão já aprovada pela Câmara. Combinado com isso, para que se revogue todas as reformas e debata um programa para os capitalistas pagarem pela crise. Frente à ilusão da maioria das massas com a democracia burguesa, essa Constituinte poderia promover uma experiência com seus limites, abrindo caminho para um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

Créditos imagem: Alexandre Miguez


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Danilo Paris

Editor de política nacional e professor de Sociologia

Thiago Flamé

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