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SEMANÁRIO

O legado político de Franz Mehring a 101 anos de sua morte

Gonzalo Adrian Rojas

Shimenny Wanderley

O legado político de Franz Mehring a 101 anos de sua morte

Gonzalo Adrian Rojas

Shimenny Wanderley

Adicionalmente, posso apenas repetir sobre o seu livro o que disse, repetidamente, sobre os seus artigos quando publicados na revista Neue Zeit: é, de longe, a melhor exposição existente da gênese do Estado prussiano. Em verdade, posso bem dizer que é a única boa exposição que desenvolve corretamente, até os detalhes, as interconexões, na maioria das questões. (Carta de Friedrich Engels à Franz Mehring, 14 de julho de 1893 – sobre o livro A Lenda de Lessing).

No dia 28 de janeiro completaram-se 101 anos da morte do marxista alemão Franz Mehring, no marco da derrota da Revolução Alemã de 1919 e no contexto de brutal repressão contra o então recém-criado Partido Comunista Alemão (KPD) e apenas duas semanas após os assassinatos de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, sob o governo socialdemocrata. Mas quem foi esse destacado intelectual e político revolucionário, o “velho” Mehring, porque é tão importante resgatar seu legado político e manter o fio vermelho da continuidade histórica.

Franz Mehring, nasce na Pomerânia, nesse momento uma província da Prússia, no ano de 1846 e tem uma curiosa trajetória política.

Do ponto de vista político e acadêmico, paradoxalmente doutora-se na Universidade de Liepzig por suas teses antissocialistas no ano de 1882, e vai desenvolvendo suas posições que evoluem desde ideias liberais e democrata radicais iniciais, até os 45 anos, quando ingressa, já maduro, no Partido Operário Socialdemocrata da Alemanha (POSDAl).

No ano de 1891, incorpora-se à redação da revista teórica da socialdemocracia alemã Die Neue Zeit e escreve em 1892 A lenda de Lessing, um livro elogiado até por Friedrich Engels, que o coloca definitivamente no debate teórico do marxismo.
Em 1894 escreve Gustavo Adolfo II de Suécia, a Guerra dos trinta anos e a construção do Estado Nacional, em mais um contraponto a história oficial. O rei da Suécia na Guerra dos 30 anos invade a Alemanha, mais a burguesia alemã e sueca o transformaram em um herói como um lutador pela liberdade de consciência contra a servidão de jesuítas e católicos. Mehring faz uma análise materialista histórica dessas lutas e conflitos, no sentido de Engels nas Guerras camponesas na Alemanha, todo conflito na sua forma teológica ou política expressa os interesses das classes e das frações de classes em conflito

Suas posições políticas vão-se para a esquerda, e quando explode a Primeira Guerra Mundial localiza-se totalmente no campo dos revolucionários, dos socialistas internacionalistas, sendo um dirigente destacado da ala esquerda da socialdemocracia. Encontrando-se nessa posição em todos os debates políticos à esquerda. Para mencionar só alguns, luta primeiro contra o revisionismo de Eduard Berstein, para depois de romper com Karl Kautsky em 1912, em geral defendendo as posições políticas de Rosa Luxemburg. Abandona a redação Die Neue Zeit e posiciona-se contra o militarismo e a guerra na Primeira Guerra Mundial, continuando com sua trajetória política na Liga Spartacus primeiro e posteriormente no Partido Comunista Alemão (KPD).

Na sessão do Reistag do dia 04 de agosto de 1914, o conjunto dos deputados socialdemocratas, inclusive aqueles que eram contra a guerra, pela disciplina partidária, votaram favoráveis aos créditos militares por unanimidade. Existia ainda certa ideia de que se existe só uma classe operária, deveria existir apenas um partido da classe operária.

Em setembro de 1914, tanto Rosa Luxemburg como Karl Liebknecht enviam uma carta aos jornais difundindo sua posição política contra a guerra, entre centenas de solicitações de adesão encaminhadas, apenas Clara Zetkin e Franz Mehring decidem assinar e divulgar esta posição.

Nesta perspectiva, Karl Liebknecht será o único deputado a votar contra os créditos de guerra na segunda sessão no dia 02 de dezembro de 1914, contrariando a decisão do SPD, um fato político importantíssimo, fundamentando e denunciando os reais objetivos da guerra, uma guerra imperialista de partilha do mundo entre as grandes potências e que não correspondia a nenhum interesse de nenhum dos povos, bem como objetivava destruir o movimento operário em ascensão. Sobre Karl Liebknecht recomendamos este artigo de Shimenny Wanderley publicado no Esquerda Diário http://www.esquerdadiario.com.br/101-anos-do-assassinato-de-Karl-Liebknecht-Antimilitarismo-internacionalismo-e-estrategia-marxista
Franz Mehring, funda junto com Rosa Luxemburg, no ano de 1915, Die Internacionale, que era o jornal dos socialistas internacionalistas.

No ano de 1916, sendo um destacado propagandista, é preso com a própria Rosa e Karl Liebknecht por sua atividade antimilitarista, anti-imperialista e antibelicista.
Franz Mehring foi eleito deputado pela Dieta prussiana de 1917 à 1918, realizando uma política parlamentar revolucionária. Leva essa tática política adiante na Alemanha, como outros parlamentares revolucionários, como o já mencionado Karl Liebknecht, o deputado Otto Rühle, a deputada feminista socialista Clara Zetkin ou Hans Kippenberg.

Parlamentarismo Revolucionário é a participação dos revolucionários no parlamento burguês, ou seja, a participação de partidos políticos revolucionários no Parlamento de uma forma específica em termos táticos, não estratégicos, no marco institucional, tendo como característica fundamental a manutenção da independência política, dos patrões, dos oficialismos governamentais e do Estado, de forma que estes parlamentares revolucionários reivindicam sua participação no parlamento numa perspectiva que articula a luta no Parlamento com os conflitos sociais em curso no país, se apresentando como tribunos do povo, em termos leninistas. Atualmente esta tática tem continuidade na experiência do Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) que faz parte da Frente de Izquierda y de los Trabajadores - Unidad (FIT-U) na Argentina, organização irmã do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), integrantes da Fração Trotskista – Quarta Internacional (FT-QI).

Franz Mehring, como mencionamos, foi primeiro dirigente da Liga Spartartaquista (LS) a qual fundou junto com Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, Clara Zetkin, Leo Jogiches e Paul Levi, e posteriormente, mesmo em ausência pelos seus graves problemas de saúde, fundador do Partido Comunista Alemão (KPD).

Hugo Eberlein, no seu impecável relatório sobre o trabalho clandestino da Liga Spartartaquista, coloca a Mehring, um dia após a aprovação dos créditos de guerra pela socialdemocracia oficial, como um dos sete participantes de uma reunião na casa de Rosa Luxemburg e fazendo parte do coletivo que toma a decisão política de continuar a luta contra o militarismo e a guerra. Este grupo decide enviar duzentas cartas solicitando assinaturas justamente para um manifesto contra a guerra, mas contra as expectativas iniciais conseguem apenas algumas poucas respostas, entre elas as de Clara Zetkin e o próprio Mehring.

Em relação a seu enorme trabalho intelectual foi reconhecido desta forma por Rosa Luxemburg numa Carta escrita em Südende dirigida a ele, com data de 27 de fevereiro de 1916, na ocasião do 70° aniversário do nascimento do revolucionário alemão:

O senhor ocupa faz décadas uma posição entre nós que nenhum, a não ser o senhor pode assumir: o senhor é o representante da verdadeira cultura intelectual em todo seu brilho e esplendor. Se na opinião de Marx e Engels o proletariado é o herdeiro histórico da filosofia clássica alemã, o senhor foi o executor desse legado. O senhor salvou do campo da burguesia o que ainda restava dos dourados tesouros da antiga cultura intelectual e os trouxe para nós no campo dos deserdados sociais (...) Com cada uma das linhas saídas de sua pluma maravilhosa o senhor educou nossos trabalhadores que o socialismo não é questão de ‘garfo e faca’ e sim um movimento cultural, uma grande e orgulhosa visão do mundo.

É possível destacar duas caraterísticas deste grande intelectual orgânico e dirigente do proletariado revolucionário alemão. Primeiro, seu trânsito e vínculo entre a primeira geração de revolucionários como Karl Marx e Friedrich Engels e a geração da Revolução Russa. Em segundo lugar, outro trânsito, nesta ocasião desde seu liberalismo antissocialista para um democratismo radical, cuja consequência o leva, passando por um lassalismo inicial, em referência ao líder do movimento operário alemão Ferdinand Lasalle, pela sua preocupação pelo social, até sua vinculação ao marxismo em 1891 e a socialdemocracia, para posteriormente fazer parte de suas alas esquerdas até a criação do grupo Spartakus e o Partido Comunista Alemão (KPD).

O filósofo húngaro, George Lukacz, escreve em Franz Mehring 1846-1919, contribuições à história da estética, que o que diferencia Mehring de outros defensores de ideologias do campo burguês que passam às filas do proletariado é sua honesta decepção com a democracia burguesa e seus limites, o que colocou a Mehring no campo do movimento operário desde essa perspectiva, sobretudo em momentos em que a socialdemocracia maioritária no seu giro chovinista, nacionalista e reformista inicia uma idealização deste regime político.

O impacto do livro A lenda de Lessing foi tão forte, que pela sua repercussão, como já mencionado, o próprio Engels se manifesta. Friedrich Engels, numa carta a Agust Bebel datada em 1892, já havia elogiado este livro. O próprio Mehring recebe de Engels três cartas, onde na primeira explica que a negativa a responder cartas anteriores era porque Mehring apoiava as leis antissocialistas e estando em trincheiras diferentes não tinha sentido e, além disso, as leis estavam ainda vigorando.

A segunda e terceira cartas de Engels, enviadas em 1893, são elogiosas acerca do livro A lenda de Lessing, já que expressa uma desmitificação da história prussiana oficial e destacando a importância de realizar um bom estudo das mediações da ideologia e as representações, indo além das estruturas e na mesma trincheira de luta.

Sendo o livro objeto de algumas críticas, Mehring responderá algumas destas em escritos agrupados sob o título O materialismo Histórico.

Como intelectual, professor e propagandista, ministra a disciplina de História na Universidade Operária de Berlim, escrevendo uma importante obra História da Socialdemocracia Alemã, entre os anos de 1897 e 1898.

Podemos também mencionar um artigo escrito em julho de 1914, A classe operária e a guerra mundial, no qual, estando preocupado pela situação da guerra e do militarismo, é um dos marxistas que incorpora de forma original o estudo do general prussiano Karl von Clausewitz. Compara o Anti-Duhring de Engels com Da Guerra de Clausewitz, destacando a importância do primeiro para o materialismo histórico e tomando a relação entre economia e guerra, mas estando preocupado também pela relação entre guerra e política, defensiva e ofensiva realizados pelo general prussiano. Para Mehring, a guerra entre nações são enfrentamentos num segundo plano em comparação com as contradições de uma guerra civil entre as classes no marco de uma determinada formação econômico -social. Foi um dos marxistas revolucionários preocupados, assim como Engels, Lenin ou Trotsky, pela questão militar.

Mehring defende a Revolução Russa de outubro de 1917 e no ano de 1918 publica sua famosa biografia de Marx, intitulada Karl Marx: A história de sua vida. Dedicada a Clara Zetkin, a qual tem tanto impacto político que o próprio Karl Kaustky escreve uma contribuição sobre a história da socialdemocracia alemã conhecida como o anti-Mehring, intitulada Franz Mehring e a socialdemocracia alemã. Em termos da confiança política, a filha de Marx, Laura Lafargue, solicitou para que seja ele quem a represente na comissão editorial que publicaria as cartas entre Marx e Engels, após a morte de ambos.

Duas semanas após os assassinatos de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, com sua saúde muito abalada, ainda no marco da derrota da revolução alemã e no contexto de brutal repressão contra o Partido Comunista Alemão (KPD), falece no dia 28 de janeiro de 1919, aos 72 anos de idade.

Há cento e um anos de sua morte, como bem afirma Rosa Luxemburgo, é importante recuperar suas obras para que o movimento operário e a juventude possam fazer do comunismo não só uma mudança do modo de produção, como pretenderam fazer acreditar os stalinistas, mas uma vida que valha a pena ser vivida. Para isso, intelectuais revolucionários como Franz Mehring e seu legado teórico e político são indispensáveis.


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