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Entrevista | O desafio de construir um grupo socialista revolucionário na Alemanha

De 9 a 11 de setembro, aconteceu em Munique o Congresso da Revolutionären Internationalistischen Organization (RIO) da Alemanha, parte da Fração Trotskista e da Rede Internacional do Esquerda Diário. Confira aqui a entrevista com Stefan Schneider, cientista político, Yunus Aktaş, agente de saúde e Inés In, assistente social, da direção do grupo.

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

terça-feira 20 de setembro de 2022 | Edição do dia

De 9 a 11 de setembro, aconteceu em Munique o Congresso da Revolutionären Internationalistischen Organization (RIO) da Alemanha, com a participação de mais de 60 camaradas representantes do grupo vindos de várias cidades alemãs. O RIO faz parte da Fração Trotskista e da Rede Internacional do Esquerda Diário, publica o jornal digital Klasse Gegen Klasse e uma revista teórica como a Ideias de Esquerda.

O congresso discutiu as novas tendências da situação internacional desde a guerra na Ucrânia, bem como as mudanças na situação geopolítica da Alemanha como principal hegemonia europeia. No novo contexto aberto pelo “giro histórico” da burguesia alemã em direção ao rearme e o militarismo, o grupo RIO debateu a necessidade de agitar um programa anti-imperialista e socialista diante da crise atual, contra as tendências inflacionárias, o rearme imperialista e a guerra. Ao mesmo tempo, uma série de importantes resoluções foram aprovadas para levar adiante o desafio de construir um grupo socialista revolucionário na Alemanha, incluindo a construção do movimento operário e da juventude estudantil, bem como uma ofensiva com as ideias do marxismo.

Sobre essas questões, conversamos com Stefan Schneider, cientista político, Yunus Aktaş, profissional de saúde, e Inés In, assistente social, da direção do grupo RIO.

O congresso discutiu em profundidade as mudanças geopolíticas globais desde a guerra na Ucrânia. No quadro do rearmamento das potências imperialistas, apontam que a burguesia alemã está realizando uma "virada histórica". O que isso quer dizer?

Inês In: A guerra na Ucrânia exacerbou as tendências mais profundas da situação internacional. O período da chamada "globalização pacífica" - que nunca foi pacífica fora de uma maior estabilidade nos centros imperialistas - terminou e as tendências ao confronto entre as grandes potências voltaram. Não apenas política e economicamente, mas cada vez mais militarmente. Nesse sentido, a situação atualiza a definição de nosso tempo como de crises e de guerras - e também podemos prever que será de revoluções - como disse Lênin. Precisamente nesta situação internacional, a burguesia imperialista alemã decidiu, com o início da guerra na Ucrânia, lançar um pacote histórico de rearmamento de 100 bilhões de euros. Não só isso, como também rompeu com o status quo de décadas de não enviar armas às zonas de guerra e está se preparando para futuros enfrentamentos militares abertos.

Stephan Schneider: É preciso dizer que a burguesia alemã vem falando há anos em assumir mais "responsabilidade militar" no mundo. Os planos de rearmamento já estavam nas mesas do Ministério da Defesa antes da guerra na Ucrânia. Mas a invasão russa da Ucrânia deu ao governo "progressista" da coalizão semáforo [por causa das cores dos partidos social-democrata, liberal e verde que a compõem, NdT.] o pretexto necessário para lançar este gigantesco pacote de rearmamento e quebrar o pacifismo profundamente enraizado na sociedade alemã. Na vanguarda desta operação estão não só o SPD (social-democratas que governaram durante vários anos com os conservadores de Merkel) e o FDP (liberais), mas sobretudo os Verdes, que, com a Ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, e o novo líder do partido, Omnid Nouripour, exigem que se entregue cada vez mais armas e tanques.

As mudanças na situação mundial, como resultado da guerra na Ucrânia, estão causando uma crise energética sem precedentes e uma escalada inflacionária que não se vê há décadas nos centros imperialistas. Como isso está afetando a economia alemã? Estamos diante do fim do ciclo do "milagre" do modelo exportador alemão?

Stefan: O modelo de exportação alemão foi questionado em seus fundamentos pela crise mundial. A guerra na Ucrânia exacerbou os gargalos de oferta e os preços crescentes das matérias-primas que existiam antes e agora até prejudicam as exportações alemãs. Isso porque a economia alemã foi construída, por um lado, com mão de obra barata, muitas vezes da Europa Oriental, com o mercado único europeu e com a união monetária. E, por outro lado, com base em matérias-primas baratas, como o gás da Rússia, e na exportação de bens e capitais para países como a China.

Inés: Exatamente, e esta situação é muito complicada para a burguesia alemã. Há muito que se beneficia de não tomar uma posição clara sobre o conflito EUA-China, bem como de uma estreita cooperação econômica com a Rússia. Com a guerra, o governo teve que se distanciar da Rússia, mas sem um substituto adequado para as matérias-primas russas como o gás, a economia alemã enfrenta recessão. Além disso, um bloco russo-chinês está sendo cada vez mais delineado, de modo que a indústria alemã também terá cada vez mais dificuldade em exportar ou produzir na China.

Stefan: Depende muito, é claro, de como a guerra continua. Por enquanto, o governo alemão continua subordinado aos Estados Unidos no que diz respeito à Ucrânia, mas já é visível que parte da burguesia busca um novo equilíbrio com a Rússia e a China para não prejudicar seus negócios. Em parte, também porque o humor da população - especialmente na Alemanha Oriental - está mudando diante da crise energética e da inflação, e as sanções contra a Rússia estão se tornando mais questionadas.

No congresso foi discutido que no momento a situação está relativamente contida, mas em um nível profundo todas essas mudanças são importantes.

Inés: Sim, a "virada histórica" ​​da burguesia alemã ainda não foi concluída. Devemos distinguir entre a conjuntura e a etapa. Conjunturalmente, a situação continua relativamente calma internamente. Há protestos iniciais e também muito descontentamento com a política do governo, mas ainda não há mobilizações massivas nas ruas e as burocracias sindicais continuam conseguindo conter as lutas dos trabalhadores e impor acordos que não compensam a inflação. Embora também deva ser dito que uma série de greves de trabalhadores começaram em setores estratégicos como o portuário ou metalúrgico, que mostram algo novo. E quanto à política externa, como disse antes, a Alemanha ainda não abandonou completamente a política de mediação entre os Estados Unidos e a China. Mas a "virada histórica" ​​é profunda: política, econômica e militarmente. O imperialismo alemão está se preparando para desempenhar um papel militar ofensivo no mundo e já conseguiu minar o profundo pacifismo da população alemã. E isso produz tendências profundas de luta de classes que acabei de mencionar, os primeiros sinais de que algo está mudando.

Precisamente sobre este assunto, pela primeira vez em muito tempo alguns analistas alertam para o perigo de uma "explosão social" na Alemanha. Isso era impensável há um tempo atrás. Disseram que houve alguns protestos, ainda não muito de massas, contra o aumento do preço do gás. Que papel têm partidos como o Die Linke e a extrema direita nisso? E sobre as greves operárias que ocorreram em setores centrais como metalúrgicos ou portuários, que elementos se destacam?

Yunus Aktas:Na Alemanha, houve várias greves nos últimos meses, algumas delas exigindo aumentos salariais muito altos para compensar a inflação ou movimentando setores como os portos que não estavam em greve há décadas. A greve nos portos, em particular, foi histórica nesse sentido. E já há sinais de novas ondas de greves, como a dos catadores de lixo de Berlim, que exigem aumento salarial de 16%, ou a rodada de negociações para o acordo coletivo no setor público com mais de cinco mil funcionários ao final do ano. Mas, ao mesmo tempo, as burocracias reformistas dos sindicatos conseguem frear as reivindicações e os métodos das greves para manter a "paz social" no interesse do governo semáforo. Isso não é apenas evidente no porto, onde a burocracia sindical promoveu um acordo que significa apenas 3,5% a mais de salário para os grupos que recebem os menores salários, enquanto a inflação está em 8%. Fica evidente também, por exemplo, na rodada de negociação coletiva dos setores do metal e eletricidade que acabam de começar, que atingem quase quatro milhões de trabalhadores, e onde a enorme burocracia da IG Metall chega às negociações com uma demanda salarial de apenas 8%, portanto, uma perda pré-programada de salários reais.

Inês: Com a crise econômica, a "paz social" começa a rachar. Devido à inflação, uma em cada duas pessoas tem que gastar todo o seu salário mensal apenas para cobrir as despesas correntes. No início de setembro, como você mencionou, ocorreram as primeiras manifestações contra a inflação e os preços da energia, embora ainda muito pequenas. Enquanto a extrema direita quer explorar demagogicamente esses protestos, parte do partido Die Linke também tenta sair da forte crise que o partido atravessa promovendo mobilizações sociais. Enquanto a grande maioria da liderança partidária - que está no governo federal há 15 anos e é parcialmente responsável por ajustes na educação e saúde, pela terceirização, deportações e violência policial - manteve a "unidade nacional" durante a pandemia e apoiou a linha do imperialismo alemão na guerra da Ucrânia, a ala chauvinista em torno de Sahra Wagenknecht apresenta-se como uma alternativa social e pacifista. No entanto, o populismo de esquerda de Wagenknecht coloca os interesses da indústria alemã acima dos oprimidos, endossando assim discursos racistas e sexistas. Dizem que buscam "dialogar" com a base da extrema direita, insatisfeita com a crise social, mas o fazem cedendo ao social-chauvinismo e ao racismo desses setores.

Como parte de sua orientação, vocês pretendem agitar uma saída da crise. Quais seriam os eixos dela?

Yunus: Para lutar contra a inflação, a crise e também a guerra, são necessárias fortes mobilizações para um programa de emergência: um programa baseado no congelamento imediato dos preços da energia, alimentos e aluguéis e um ajuste automático de salários, pensões e benefícios sociais à inflação, financiado com altos impostos sobre lucros e fortunas. Propomos também a nacionalização sem compensação do setor energético sob o controle dos trabalhadores. Mas, ao mesmo tempo, defendemos um programa que não se detenha nas demandas econômicas, mas que assuma a luta contra o acúmulo de armas sem precedentes do imperialismo alemão, sanções e preparativos para guerras futuras, que defenda o cancelamento da dívida dos países dependentes e que diante da crescente catástrofe humanitária da guerra, bem como da migração forçada devido à catástrofe climática, exija admissão incondicional e plenos direitos de cidadania e residência para todos os refugiados e o fim de todas as deportações. Em nossa opinião, tal programa só poderia ser imposto por meio de greves e mobilizações massivas de trabalhadores e jovens. Para isso propomos a unidade de ação dos sindicatos, da esquerda e das organizações sociais.

Inés: Exatamente, para nós este programa é uma resposta emergencial à crise atual e contra as políticas de rearmamento de nosso próprio imperialismo. Mas não devemos esquecer que estamos em um momento de crescente confronto entre as grandes potências, como dissemos no início. Sem falar na catástrofe climática que continua inabalável e ameaça a vida em todo o planeta. Por isso vinculamos este programa à perspectiva de um governo operário e de uma revolução socialista, na perspectiva de uma sociedade completamente diferente. Um governo operário que exproprie os capitalistas e transforme toda a economia segundo um plano democrático e ecológico a serviço das necessidades sociais.

O congresso também discutiu os passos para uma forte ofensiva ideológica, com a publicação do Klasse Gegen Klasse Magazin, além de palestras, workshops e outras iniciativas. Vocês poderiam mencionar alguns dos debates importantes que desejam abordar nesta revista?

Inês: Sim, de fato, é uma tarefa central para nós fortalecer a luta ideológica e política contra outras ideias que prevalecem na esquerda e entre as massas. É, por um lado, o confronto com a perspectiva reformista do partido Die Linke, que pretende realizar algumas reformas no parlamento como parte de um governo capitalista, em vez de promover a auto-organização nos locais de trabalho, universidades, escolas e as ruas contra o governo e o capital. Mas também discutimos em nosso congresso como intervir no grande debate com as políticas identitárias pós-modernas sobre questões de feminismo, antirracismo etc., onde a questão de classe é negada ou diluída porque é vista como "outra identidade". Contra isso, é importante dar uma resposta baseada em uma estratégia que aposte na hegemonia da classe trabalhadora ao lado dos oprimidos como um todo, para não cair na armadilha de uma resposta economicista-populista à la Sahra Wagenknecht, que nega a importância das questões de opressão e, portanto, apenas reproduz a divisão dentro de nossa classe. Esse debate percorre grande parte da esquerda global, mas também está plenamente presente em ambas as alas do Die Linke.

Stefan: No congresso, vários camaradas também apontaram a importância de formularmos com mais clareza nossos objetivos socialistas. Especialmente em um país como a Alemanha, onde o passado recente do stalinismo e da RDA ainda carrega muito peso e cria todo tipo de preconceito "anti-totalitário" contra o marxismo e o socialismo. Contra isso, queremos reforçar justamente o legado do trotskismo, que defendia o marxismo revolucionário contra a degeneração stalinista.

Muitos setores da juventude votaram com ilusões nos verdes, que agora são a ala mais militarista do governo imperialista. E não fazem nada para resolver a crise ecológica. Que tipo de corrente de juventude vocês planejam construir na Alemanha hoje?

Inês: Como jovens, fomos jogados em uma crise após a outra. O neoliberalismo nos prometeu auto-realização e, em vez disso, nos trouxe empregos cada vez mais precários, aluguéis inacessíveis, psiques quebradas e, finalmente, o roubo de todas as perspectivas para o futuro. Por isso queremos construir uma juventude que não se contenta com o pouco que o governo da coalizão do semáforo nos oferece, nem com o reformismo do partido Die Linke. A juventude só tem perspectiva se o mundo não for destruído pela guerra e pela catástrofe climática. Portanto, ter uma perspectiva internacionalista, anti-imperialista e revolucionária é essencial para nós desde o início. A juventude sempre desempenhou e desempenhará um papel central na história para fazer avançar a luta de classes e desenvolver ideias revolucionárias. Para isso, devemos nos unir aos setores mais avançados da classe trabalhadora para lutar contra o capitalismo como um todo, que está destruindo o planeta, e por uma revolução socialista. Só assim poderemos criar um mundo sem exploração ou opressão no qual tenhamos uma perspectiva de vida.

Uma das resoluções é lutar por uma política revolucionária nos sindicatos. Desde que lugares vocês estão lutando por essa perspectiva?

Yunus: Como já dissemos, as burocracias sindicais são o maior obstáculo para o movimento operário dar uma resposta contundente à inflação, à crise e à guerra. Isso significa que, para dar uma saída real à grande maioria do povo, devemos também nos organizar contra as burocracias sindicais e, em última análise, expulsá-las dos sindicatos para transformá-los novamente em verdadeiros órgãos de luta de nossa classe. Queremos lutar para que a Rede de Sindicatos Militantes (VKG), uma coordenação que integramos junto com diferentes correntes da esquerda sindical, seja o ponto de partida dessa política.
Para isso, participaremos da conferência VKG nos dias 8 e 9 de outubro em Frankfurt e ajudaremos a construir o VKG nos lugares onde estamos. Estamos participando desde nossas posições no setor hospitalar, onde temos colegas comprometidos com a construção de grupos sindicais militantes e de base. Ao mesmo tempo, no congresso decidimos nos envolver mais no setor da educação, onde houve grandes greves nos últimos anos.

Inés: Sim, mas não queremos ficar só aí. Diante da dinâmica de mudança da luta de classes, queremos acompanhar as greves e lutas em todo o país com nosso jornal e construir uma rede nacional de correspondentes em torno deles. É o que já fizemos com a nossa cobertura das greves portuárias, em que entrevistamos colegas grevistas e usamos o jornal como instrumento político na luta contra a burocracia sindical, que queria manter as greves em um cenário desfavorável. Alguns desses companheiros do porto vieram mais tarde para nossa escola de verão.

Muito obrigado, para finalizar, que balanço geral vocês têm deste congresso?

Stephan:Os três dias cheios de debates e novos desafios me deixaram muito animado. Especialmente muitos camaradas novos e jovens fizeram discursos importantes e inspiradores. E sem esquecer os colegas dos grupos da nossa corrente internacional que vieram especialmente para o congresso e com quem pudemos trocar sobre os avanços em outros países, especialmente na França. Lá, nossos camaradas organizaram recentemente uma Universidade de Verão com 500 pessoas e estão se preparando para fundar uma nova organização revolucionária no outono. Isso mostra que, nesta situação de mudança da luta de classes, as ideias do marxismo revolucionário voltam a ser mais atraentes. Saúdo o desafio de contribuir para a construção do trotskismo aqui na Alemanha - terra de Marx, Engels, onde Luxemburgo e tantos outros lutaram pela revolução - nesta nova situação. E lutemos por uma solução independente, da classe trabalhadora e socialista para esta crise.




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