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O Brasil diante de tendências internacionais explosivas

Danilo Paris

O Brasil diante de tendências internacionais explosivas

Danilo Paris

A atual situação internacional, combinada com problemas estruturais já existentes no país, colocam uma série de interrogantes sobre as perspectivas econômicas, sociais e políticas, que atingem todos os espectros da vida política nacional. Em especial, a duração do conflito na Ucrânia será decisiva para as extensões dos impactos que irão afetar o Brasil. O cenário é completamente diferente diante de um cessar-fogo, ou um prolongamento do conflito. Do mesmo modo, a manutenção e intensidade da guerra econômica promovida por todo o chamado “Ocidente” contra a Rússia é um fator muito importante na balança do equilíbrio capitalista internacional.

A profundidade da situação internacional faz com que vários meios, analistas e intelectuais, de diversos espectros políticos, como Paul Krugman, a The Economist, entre outros, tenham que voltar na crise dos anos 1970 - ora a crise de 1973, chamada de choque do petróleo, ora com 1979, em função da revolução iraniana - para mensurar as consequências do atual cenário. Do ponto de vista do marxismo, há enormes diferenças entre um momento e outro, mas a necessidade de ter que recorrer a esse paralelo histórico é reveladora das preocupações que perpassam as cabeças da burguesia internacional. Embora haja pontos convergentes em demonstrar que a crise atual não é tão grave quanto aquela, todos afirmam que será severa.

A volta do medo das revoltas e revoluções

O temor por revoltas e rebeliões é declarado de forma aberta por esses mesmos meios. A The Economist lembra que o aumento do preço dos cereais em 2010 e 2011 foi responsável pelo estouro da Primavera Árabe. Diante da crise dos combustíveis faz menção aos Coletes Amarelos, que sacudiram o imperialismo francês. Argumentam ainda que o aumento dos preços em 2007 e 2008 provocou “distúrbios” em 48 países, relacionando isso com as preocupações nas eleições de meio turno nos EUA, e maiores problemas que podem se colocar para Biden diante de uma inflação histórica, a maior nos últimos 40 anos que nos acumulado em 12 meses chegou a 7,9% em fevereiro. Como subproduto disso, articulado com uma recomposição subjetiva que está se expressando em setores da classe trabalhadora norte-americana, ocorre a greve histórica dos professores de Minneapolis, que não só lutam por reajustes salariais, mas também levantando temas como o racismo e a desigualdade existente no maior imperialismo do mundo.

É particularmente chamativo o processo de greve dos trabalhadores da Disney - apenas em Orlando são 75 mil - contra a posição da empresa em relação à lei que veda os conteúdos sobre sexualidade na Flórida. Seu CEO emitiu pareceres favoráveis à lei, e apoiava congressistas favoráveis à sua aplicação. Isso somado as processos de luta pela legalização dos sindicatos, como na Amazon e o Striketober (onda de greves trabalhistas em outubro de 2021) são expressões substantivas de recomposição subjetiva proletária no coração do maior imperialismo do mundo.

No Iraque e na Albânia, esse prognóstico começa a apresentar os primeiros sinais, com fortes manifestações contra o aumento dos combustíveis e dos alimentos. Esses motores de revoltas sociais ainda podem ganhar mais força. A ONU, por exemplo, emitiu um alerta que o preço dos alimentos pode atingir 20% de aumento.

Na zona do euro, o medo por revoltas também está na boca de seus principais líderes. Foi chamativa a definição do ministro alemão dizendo que a interrupção do fornecimento de gás e petróleo russo poderia abalar a “paz social” na Alemanha, ou nas palavras que ele não pode proferir: revoltas e revoluções.

Para coroar o cenário, a China vive um novo surto de Covid, que levou a interromper parcialmente sua atividade econômica, levando à paralisação da produção de gigantes, como a taiwanesa Foxconn, o que reacendeu os alertas para novos efeitos ainda mais recessivos internacionalmente.

Impactos políticos e crises de difícil resolução

Os efeitos políticos da guerra são enormes, e alteram diversos fatores na correlação de forças entre os países no mundo. Entre vários outros, em especial, o enorme rearmamento militar do imperialismo alemão, que agora vai possuir o orçamento bélico superior ao da França e Reino Unido juntos, um marco desde o pós-guerra, é uma expressão da aceleração dos tempos políticos e de tendências muito mais agudas na crise capitalista. Voltando a Lênin, o atual cenário confirma e reatualiza o período de crises, guerras e revoluções produzidas pela etapa imperialista do capitalismo internacional, e os tempos não são mais os mesmos que antes.

O giro da Casa Branca, em buscar uma relação mais pragmática com Caracas, em busca de alternativas para importação do petróleo russo é um sintoma de como a guerra impacta economicamente e politicamente nas relações na América Latina, que também atua de outras formas como a renovação dos empréstimos do FMI para Argentina e inclusive a presença da diplomacia americana na posse de Boric.

Brian Nichols, chefe da diplomacia americana para a América Latina e o Caribe, declarou que “houve ameaças, nem mesmo veladas, de funcionários do alto escalão russos, que estariam tentando tirar proveito de suas alianças”, referindo-se aos países das Américas e concluindo que “isso é inaceitável e tomaremos medidas para defender nossa segurança nacional e nossos interesses nacionais". Na semana passada, o Comando Sul dos Estados Unidos apresentou um documento ao Comitê de Serviços Armados da Câmara dos Representantes (Hasc) no qual afirma que a Rússia “continua desestabilizando a região e minando a democracia” por meio da desinformação. O texto ainda acrescenta que “a relação entre a Rússia e seus principais parceiros regionais permite que Moscou amplie seu acesso aéreo e marítimo para projetar poder militar na região.” A intervenção do imperialismo na região historicamente foi um fator de ingerência e desestabilização. Para a política nacional, os evidentes laços entre o departamento de Estado dos EUA e a Lava Jato foram decisivos para grandes inflexões na situação brasileira.

A partir desse cenário, a questão chave é inscrever o momento atual no interior de um panorama que relaciona o momento atual com os eventos marcantes que se desdobraram a partir da crise econômica que se inicia em 2008: crises recessivas, processos profundos na luta de classes, guerras comerciais, crise pandêmica, novos fenômenos políticos, e agora uma guerra na Europa, envolvendo grandes potências.

León Trótski analisando as crises capitalistas, define que o papel da burguesia em buscar a resolução das crises que ela mesmo provoca é análogo à uma galinha que choca um ovo de crocodilo, isso quer dizer, provocando crises ainda mais profundas. No mesmo sentido desenvolvido por Marx, que as crise cíclicas do capitalismo só podem ser mais destrutivas, por mais que a burguesia busque encontrar alternativas, o panorama atual é de extrema tensão, e pode provocar saltos abruptos operando em um sentido potencialmente explosivo e de crescente instabilidade. Símbolo disso é a evidente frustração das perspectivas burguesas que afirmavam que a eleição de Biden traria um mundo de mais estabilidade geopolítica, diferente do momento marcado pela política agressiva de Trump. São mostras de marcas estruturais da crise capitalista, que estão longe de encontrar uma solução mínima.

Tendências explosivas, possibilidade de novos fenômenos políticos e sociais

Para o Brasil, a análise do cenário internacional pode antecipar tendências que resultem em novos fenômenos políticos que a crise atual pode engendrar. Já no ano passado, o Financial Times colocava o Brasil entre os “países emergentes” mais suscetíveis às oscilações da economia internacional, pela alta dependência da exportação de commodities, em função dos abalos que esse setor poderia sofrer a partir de mudanças na política econômica da China e dos EUA.

Com uma natureza distinta, a crise econômica de 2014/15, como reflexo da crise 2008, motorizou importantes mudanças políticas no país, como o próprio golpe institucional, que provocou uma radicalização burguesa, combinada com uma intervenção do imperialismo dos EUA, que queria ataques e reformas muito mais profundas do que o PT era capaz de aplicar. Esse momento teve enquanto marca uma queda acentuada no preço das commodities. O PIB do país caiu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Em 2017, o desemprego atingiu seu auge, com uma taxa de 13,7%, o que representava 14,2 milhões de brasileiros desempregados.

Atualmente, o número de desempregados se mantém um pouco abaixo desse índice, no entanto com um nível de precarização nas condições de vida maiores do que esse momento. Para ter um comparativo mais amplo, levando em conta o IPCA a inflação acumulada desde o início da pandemia é de 16,29%. Analisando apenas a cesta básica, o valor de subida é três vezes maior do que a inflação oficial. Segundo o IBGE, entre o período de 2012-2021, o salário médio caiu pela metade. O gás de cozinha já chega a custar 160 reais em alguns estados do país. Somente no último ano, a renda média real do trabalhador brasileiro teve uma queda de 9,7%. Tudo isso coloca a manutenção de cenários de aumento exponencial da fome e miséria no país, o que inscreve o país entre aqueles suscetíveis a possíveis revoltas, temidas pelas grandes agências burguesas.

Os problemas estruturais do país, que se aprofundaram após o golpe institucional de 2016, dificultam enormemente a possibilidade de alguma resposta burguesa que minimize os impactos da situação. Do ponto de vista da Petrobrás, não só a política de preços, mas o avanço da privatização da estatal, em especial do refino, colocam um cenário complexo e de tendência a novas subidas nos combustíveis. As medidas apresentadas pelo Congresso, para reduzir os impactos dos aumentos, podem virar pó com novos aumentos do preço internacional do petróleo ou do dólar. Nem mesmo uma margem maior para política monetária é uma alternativa colocada, frente à independência das decisões do BC.

O mega aumento nos combustíveis e a escalada nos preços alimentícios vão agravar ainda mais essa situação. São reflexos não só do cenário internacional, mas também são expressões de problemas estruturais do país, como desenvolveu Leandro Lanfredi em seu artigo. Diante desse cenário, Guedes, que de maneira ridícula sempre tenta apresentar prognósticos positivos, foi obrigado a declarar que o Brasil vai sofrer impactos de um "choque adverso", ressaltando os dados de escalada inflacionária.

Ainda há muitas interrogantes como a crise atual pode impactar o agronegócio. Leandro, em seu artigo, desenvolve que “com aumento de mais de 122% nos fertilizantes e aumento nos combustíveis a taxa de lucro do latifúndio está caindo, porque deve pagar para as importadoras de fertilizantes e sementes mais (proporcionalmente) do que recebem quando entregam o produto para exportar”. Ou seja, mesmo que o valor nominal das commodities esteja subindo, isso não significa necessariamente boas notícias para o agronegócio.

Contraditoriamente, essa situação pode gerar uma maior unidade com Bolsonaro, em especial do setor relacionado ao plantio e ao latifúndio, já que aumentam a pressão por políticas de flexibilização ambiental e de mineração, para tentar contornar os problemas gerados pela crise atual. A tentativa de aprovar a exploração mineral na Amazônia é uma expressão disso, e o General Heleno (Ministro do Gabinete de Segurança Institucional - GSI), mostra o interesse de parte da cúpula militar no avanço da mineração em terras indígenas na Amazônia.

Ainda que o aumento das commodities possa gerar algum impacto no PIB, os seus efeitos sobre a economia de conjunto serão pouco sentidos pela massa da população. São características desse tipo de atividade econômica a baixa utilização de mão de obra e grande concentração de riqueza. Junto dessas grandes contradições internacionais, é preciso ver como irão se comportar os fluxos dos investidores e especuladores do capital financeiro, que com o acirramento dos conflitos no leste da Europa, Rússia e Ásia, pode buscar regiões mais seguras como a América Latina para os seus negócios, o que pode nublar a real situação econômica do país.

O governo Bolsonaro está adotando uma política para evitar um descontrole social, o que prejudicaria muito seus planos eleitorais. Além do auxílio emergencial, agora o governo Bolsonaro assinou um decreto que antecipa o 13º de aposentados do INSS para abril e maio, que deve injetar R$ 56,7 bilhões na economia (R$ 28 bilhões em abril e R$ 28 bilhões em maio). Junto com isso, liberou a retirada de até 1 mil reais do FGTS, o que nas estimativas do governo, pode alcançar 40 milhões de trabalhadores e injetar até R$ 30 bilhões na economia em 2022. Esses fatores colocam possibilidades nas quais haja certa contenção de dinâmicas mais aceleradas de degradação social, inclusive são parte de explicar a recomposição relativa que Bolsonaro veio apresentando, aumentando suas intenções de votos.

Mesmo o valor do real, em dólar é um tema controverso entre os analistas burgueses. O aumento do preço das commodities pode aumentar o valor total das exportações brasileiras, o que pode fortalecer relativamente a moeda nacional. Outro fator que contribui para esse fortalecimento é o brutal aumento da taxa básica de juros, a Selic, pelo Banco Central. No entanto, uma taxa Selic muito alta também pode impactar as contas públicas e a pressão por mais ajustes. Segundo a Folha de São Paulo, uma Selic média de 12% em 2022 fará o governo federal gastar R$ 900 bilhões a mais do que em 2021 com os pagamentos da dívida pública. A Selic também impacta na atividade industrial, e uma análise da FGV, em base ao boletim Focus, já prevê que a alta vai impactar em uma baixa na geração de empregos, que deve aumentar no máximo 0,1 pontos. Já do ponto de vista industrial, as constantes tensões nas cadeias de abastecimento colocam também muitas dúvidas sobre a produção nacional, como por exemplo de carros, que pode ser afetada devido à escassez de semicondutores.

Em função do ano eleitoral, é possível que ataques e ajustes ainda mais duros fiquem “represados”. No entanto, as perspectivas para 2023 apresentam cenários ainda mais difíceis para um eventual novo governo Lula. Não há margem para concessões como Lula fez em seus primeiros mandatos, apoiado por uma conjuntura econômica internacional favorável. Ao contrário, todas as tendências apontam para um cenário de inflação, estagnação e necessidade de ajustes.

Um Lula sem lulismo

Do ponto de vista estrutural, ou seja, as consequências dos efeitos de uma economia como a do Brasil, e de todos os efeitos desde o golpe institucional, geraram um nível enorme de contradições sociais que não são simples de resolver. Mesmo em relação ao preço dos combustíveis, que Lula vem prometendo que irá diminuir, poderia produzir instabilidades com setores do capital financeiro que já se beneficiaram muito do avanço da privatização da Petrobrás. A mudança do PPI (preço de parede por importação), por exemplo, tomada de uma maneira isolada, poderia gerar desabastecimento uma vez que o país não tem mais monopólio do refino, e Lula está longe de se propor a reverter as privatizações, como sempre foi em seus governos. Ao contrário, já defendeu avançar na privatização da CEF, Furnas e Eletrobrás.

Essas perspectivas colocam novos problemas para a vida política do país. Lula não poderá se apoiar nas mesmas bases daquilo que se denominou lulismo, isto é, condições econômicas internacionais excepcionalmente favoráveis, que permitiram, que permitiram concessões sociais, sem radicalização e no marco de um projeto conservador que aumentou o lucro de banqueiros e grandes empresários como ele mesmo faz questão de ressaltar.

Teórico do conceito, André Singer, afirma que: “Parece-nos que o lulismo, ao executar o programa de combate à desigualdade dentro da ordem, confeccionou nova via ideológica, com a união de bandeiras que não pareciam combinar” [1]. Sobre essa nova via ideológica, o autor refere-se à manutenção da incorporação da política neoliberal de FHC, com políticas de concessões sociais que só foram possíveis por condições econômicas anômalas. Por tudo que se apresenta, o que está claro é que a manutenção de parâmetros macroeconômicos neoliberais vão continuar sendo uma perspectiva de Lula, e Alckmin é a chancela para que ninguém duvide. Contudo, as concessões sociais, outro fator decisivo para que o lulismo tenha se constituído, não é uma possibilidade no horizonte, diante de todos os fatores econômicos internacionais e nacionais, de forma muito diferente daquelas que estavam colocadas nos anos 2000. Um Lula sem lulismo será um fenômeno novo, uma nova interrogante teórico-política, que irá provocar enormes efeitos na classe trabalhadora, nas massas e nas organizações de esquerda.

A enorme crise histórica do PSOL, com sinais terminais, em função de sua completa diluição na política do PT são os primeiros sintomas do que pode se desenvolver. Um partido que busca desesperadamente sua localização no regime do golpe institucional agora está em vias de desenvolver uma federação com um partido burguês, atuando a partir de um programa em comum durante quatro anos, como mínimo. Parlamentares da Rede votaram a favor das reformas e Marina Silva, principal figura pública do partido, apoiou o golpe institucional e defendeu a prisão de Lula, momentos decisivos inclusive para a ascensão da extrema direita, e ainda sempre foi porta-voz de posições reacionárias, como a negação do direito ao aborto.

Hipóteses para luta de classes

De outro ponto de vista, começam a ocorrer movimentações iniciais e ainda contraditórias do movimento operário, em especial nos setores da educação, em particular no estado de Minas Gerais. Essas movimentações confirmam aspectos transitórios que começam a influenciar uma situação marcada por um longo período reacionário sob o signo do bolsonarismo.

Nesse contexto, há duas hipóteses ou tendências que podem influenciar a dinâmica atual do ponto de vista da luta de classes. A primeira, e mais provável, é que sigam se desenvolvendo greves mais controladas, ou inícios de organização de categorias que não saiam em greve, mas que obtenham reajustes acima do que vinha se prometendo, de tal forma que essa ginástica sirva para iniciar uma recomposição de categorias que tinham sido muito atacadas em anos anteriores. A segunda está relacionada à possibilidade de choques de fome e de miséria, a partir de parcelas da população pobre que não estão organizadas em categorias e sindicatos mais tradicionais, que começam a se colocar em movimento, de maneira mais disruptiva devido ao aumento da carestia da vida. Por ora, esse cenário é menos provável no curto prazo, porque todas as grandes centrais vão atuar para frear qualquer tendência desse tipo, em função dos seus interesses próprios, além das medidas já referidas que o governo busca implementar.

Do mesmo modo, apesar de todo o controle, a importante expressão que teve o "Ato pela terra" no DF, organizado por intelectuais, sindicatos, movimentos sociais e partidos também se inscreve no marco dessa nova situação, motorizado pelas ameaças do governo em aproveitar da guerra, em especial fertilizantes, para liberar a extração mineral em reservas indígenas. Em setores da juventude, em particular, podem haver expressões de pautas ambientais ou vinculadas, que se cruzam com o tema das reservas indígenas, que pode gerar algum processo de mobilização mais ativa.

No entanto, é importante observar que a conjuntura eleitoral, e as grandes expectativas que geram o retorno de Lula ao governo, são fatores que atuam em um sentido oposto para ao estouro de crises sociais mais graves no plano imediato ou conjuntural. Ainda que a situação possa atingir um limite e apresentar alguma forma de descontrole, a localização de Lula é um fator concreto para evitar que isso se desenvolva, e foi por isso que seus direitos políticos foram restituídos pelo mesmo regime que os prescreveu.

A batalha para construção de uma alternativa de independência de classe

Por tudo que analisamos, o país está atravessado por tendências internacionais potencialmente explosivas. A miragem que provocam as perspectivas eleitorais de Lula não corresponde às condições estruturais do país, e menos ainda sob o prisma das tendências internacionais. Os tempos não são mais os mesmos, e as tarefas para construção de organização revolucionária assumem cada vez mais uma urgência maior.

A relativa recuperação de Bolsonaro nas pesquisas indicam que não será a partir das eleições e da estratégia institucional que a extrema-direita será derrotada no Brasil. O cenário de que Lula poderia vencer as eleições tranquilamente começa a ser questionado por diversos setores, e não está descartado que possa haver uma polarização muito maior nas disputa dos votos em um possível segundo turno. Como irá se comportar o eleitorado de outras variantes que seguem não emplacando, como Ciro e Moro, será muito importante para os contornos dessa disputa.

Bolsonaro irá se apoiar na chamada “pauta dos costumes”, com participações em marchas “por Deus e pela família”, ao mesmo tempo que já está adotando medidas econômicas para manter ou ampliar sua base social. O autoritarismo do bonapartismo institucional, em especial o STF, novamente mostrou que mais uma vez vai atuar nas eleições, e pretende banir o Telegram do país.

A esquerda que se dilui na política de Lula está na contramão dos objetivos preparatórios que estão inseridos nesse cenário. Cumprem um papel de transmissão da velha política de conciliação de classes. Confirmada a tendência de um novo governo Lula, a nova gestão petista será repleta de problemas e contradições, o que inclui a necessidade de ajustes. Esses setores que localizam sua política a partir da maré das pesquisas de intenção de votos, vão aceitar uma chapa com uma proeminente figura neoliberal como Alckmin. O bolsonarismo, como corrente social, não irá desaparecer depois das eleições, e inclusive vai buscar se aproveitar das desilusões e desmoralização provocadas pelo governo PT para tentar restabelecer e avançar com o seu projeto reacionário.

A partir das perspectivas estratégicas para o país, que não se encerram em outubro, o MRT está batalhando com todas as suas forças para reagrupar a vanguarda revolucionária, a partir da perspectiva da independência de classes. Nesse sentido, estamos construindo o Pólo Socialista e Revolucionário, junto a diversos ativistas e organizações que não querem sucumbir à reedição do projeto de Lula, inclusive nas eleições, colocando debates em um sentido da construção de uma alternativa de independência de classe.

No mesmo sentido, estamos defendendo nas diversas categorias de trabalhadores e de estudantes que atuamos a urgente necessidade da articulação das lutas em curso, articulado com uma exigência para que as centrais sindicais saiam da paralisia que estão há muito tempo e organizem imediatamente uma paralisação nacional contra os aumentos dos preços, a carestia da vida, os ataques contra indígenas e ao meio ambiente. Precisamos de um plano de luta para impor demandas urgentes como a derrubada de todos os aumentos feitos na pandemia (luz, água, gás, gasolina e transporte), congelando os preços nos valores anteriores à crise sanitária.

Mas é necessário batalhar por uma saída de fundo. Por isso é fundamental a defesa da reversão de todas as privatizações, o que inclui uma Petrobrás 100% estatal, sob gestão dos trabalhadores e controle da população, para que o interesse de um punhado de acionistas não se imponha sobre a vida de milhões de pessoas, junto ao não pagamento da dívida pública. De maneira combinada, lutar pelo reajuste salarial automático de acordo com a inflação para todos os trabalhadores e aposentados, junto ao auxílio de um salário mínimo para todos os desempregados e subempregados, defendendo que devem ser os capitalistas que paguem por essa crise.


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Danilo Paris

Editor de política nacional e professor de Sociologia
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