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Música e luta de classes: a greve dos Garis no Rio de Janeiro

Miguel Gonçalves

Música e luta de classes: a greve dos Garis no Rio de Janeiro

Miguel Gonçalves

A greve dos garis agitou o Rio de Janeiro por 11 dias, mostrando toda a disposição de luta da categoria que levou a greve adiante mesmo com a perseguição e a intransigência por parte de Eduardo Paes, da Comlurb e do judiciário. Esta categoria de maioria de trabalhadores e trabalhadoras negros mais uma vez expressou toda a sua criatividade nas músicas que recarregavam os ânimos dos garis a cada piquete e a cada mobilização, demonstrando a importância da arte como ferramenta de expressão da subjetividade dos trabalhadores em meio à processos de luta.

A greve dos garis do Rio de Janeiro veio para provar que os ventos da luta de classes não deixaram de soprar na cidade, memso com as tentativas de Eduardo Paes, da Comlurb e do judiciário de atacar os trabalhadores e tornar a greve ilegal. Uma categoria de maioria de trabalhadores negros mostrou que a frase do marxista negro que fundou a IV internacional nos Estados Unidos, C.L.R James, segue mais atual do que nunca: "O negro dócil é um mito. O único lugar onde os negros não se rebelaram foi no livro dos historiadores capitalistas.” Enquanto isso, a burocracia do sindicato também fazia esforços para terminar com a greve sem se desmoralizar frente aos trabalhadores. Frente a isso, parte da esquerda defende que a única saída para a crise e para os trabalhadores é a conciliação com setores da direita que sempre estiveram do lado contrário dos trabalhadores, como faz o PSOL ao defender um programa comum e se federar com a REDE e Lula ao se aliar com Alckmin, a greve dos Garis aponta o caminho correto para se enfrentar com este regime: a luta de classes.

Lula esteve no Rio de Janeiro na mesma semana em que a greve acontecia e seu silêncio foi ensurdecedor, nada disse sobre as principais greves que ocorriam no país naquele momento, como a própria greve dos garis e a dos educadores em Minas Gerais. Preferiu defender sua política de conciliação, a mesma que abriu espaço para o crescimento da extrema-direita no país.

A greve dos garis durou 11 dias e terminou com a conquista de um relativo aumento salarial e algumas outras reivindicações. A categoria lutou bravamente nestes dias, mesmo com a perseguição e intransigência de Paes, Comlurb e judiciário e pela política da esquerda que se negou a dar apoio ativo à greve, deixando a categoria em isolamento, somado à política de conciliação da burocracia do sindicato que a todo momento deixava claro sua intenção de terminar com a greve.

No entanto, apesar de não conquistar suas reivindicações até o fim (foram acordados aumentos parciais que não chegam perto do que é tomado pela alta inflação), a greve não foi em vão. Rodoviários e motoristas de aplicativo paralisaram junto com os garis no dia 29 de maio, impactando o clima da cidade.

Em meio aos protestos, a categoria composta majoritariamente por trabalhadoras negros, demonstrava seu ódio ao enfrentar Eduardo Paes e a Comlurb. Mas também expressava a alegria de estar lutando junto com os colegas de trabalho, com o apoio da juventude e da população que se somavam às ruas para gritar em apoio aos garis. Todo esse misto de sensações se expressou artisticamente através das músicas criativas que embalavam os atos e os piquetes.

Durante toda a greve vimos uma categoria que colocava toda a sua genialidade operária à disposição da luta dos trabalhadores. Com cânticos e até performances artísticas, os garis mostravam que a luta de classes e arte operária andam, como sempre andaram, juntas. Aqui no Brasil e, sobretudo, no Rio de Janeiro, isso se expressa muitas vezes na música.

De versões de Arlindo Cruz e Beth Carvalho, do Samba-Enredo da Unidos da Tijuca à músicas próprias, a subjetividade desta categoria lutadora se expressava com toda a potência de ritmos historicamente negros. A percussão dava o tom e impulsionava o ânimo dos garis e dos apoiadores da greve.

Cantada desde a vitoriosa greve de 2014, a versão do samba-enredo vencedor da Unidos da Tijuca se tornou uma espécie de hino dos garis, cantada em todas as manifestações. A letra mostra a importância da greve e do enfrentamento com o Estado. O Carnaval, que acontecia ao mesmo tempo que a Greve de 2014, foi tomado como inspiração para uma versão bem-humorada e combativa, que expressa a criatividade da classe trabalhadora:

“Acelera Comlurb, que eu quero ver
Este lixo vai feder
A Prefeitura não deu aumento não
E esse lixo vai ficar todo no chão”

Garis cantando em meio à greve de 2014, que se deu em pleno Carnaval

Ainda com a temática da greve, uma das músicas ironiza a Prefeitura, atualmente ocupada por Eduardo Paes, que apesar de morrer de medo da categoria, publicamente sempre diz que as mobilizações são feitas por uma minoria. Desta vez, Paes fez ataques racistas chamando os garis de bandidos e marginais. Os garis deram um recado claro:

“Ei Prefeito
Acharam que eu não vinha
Trabalho na Comlurb
E não vou mais catar latinha”

O samba evidentemente influencia essa categoria de trabalhadores. Assim como as torcidas de futebol fazem, os garis cantaram a música “Vou Festejar” de Beth Carvalho. No entanto, com um detalhe cômico que demonstra a insatisfação da categoria, que é vista com desprezo pelo Estado e pela Comlurb apesar do trabalho essencial que cumprem e da sua importância para a cidade como foi visto na greve de 2014 e durante as fases agudas da Pandemia:

“Você pagou com traição
A quem sempre varreu seu chão”

O Rap também marcou presença. Feita durante a greve deste ano, a versão dos Garis denunciava a suposta falta de dinheiro do Paes que, enquanto não propunha um reajuste justo aos garis, gastava dinheiro com bitcoins e $7 milhões num plano de contingência para desmontar a greve.

“O gari já deu o papo, que o lixo vai ficar
Ô prefeito muquirana, para de nos enganar
5% é pouco você sabe muito bem
Tem dinheiro para a farra, mas para o gari não tem,
Atende nossa demanda, nossa reivindicação,
Nosso lema é trabalho, esforço, dedicação
Se não manter sua postura, você que vai se queimar
o gari tá acordado e tá em outro patamar”

O rap sendo cantado em manifestação

Por fim, mas não menos importante, uma simples música se transforma num grito de guerra que fazem as manifestações pulsarem:

“Ôôô O Gari acordou”

Garis cantando na porta do Sindicato

A arte é uma ferramenta que se potencializa em momentos de luta como expressão subjetiva da classe trabalhadora. Em uma categoria majoritariamente negra, o peso do samba, do ritmo, da percussão e da dança são gritantes. Além de um exemplo de luta que se enfrenta com o Estado e com os patrões, os garis nos ensinam sobre a importância de uma agitação moralizante, que constantemente contagiava a todos, e mais do que isso, como a arte é uma ferramenta muito importante para os trabalhadores em meio aos processos de luta de classes. Imaginemos o quanto se elevaria essa potência cultural que já se expressa entre esses trabalhadores quando a arte for libertada das amarras do capitalismo.


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