×

Campanha salarial | Lições da campanha salarial dos servidores municipais de Campinas

Guilherme ZanniProfessor da rede municipal de Campinas.

sexta-feira 29 de julho de 2022 | Edição do dia

A campanha salarial dos servidores municipais de Campinas terminou com uma escandalosa traição da direção do STMC (Sindicato dos trabalhadores do serviço municipal de Campinas).

Contrariando as expectativas de Dário e do STMC, os trabalhadores encheram o paço municipal em assembleia para ouvir que a prefeitura mantinha a mesma proposta da assembleia anterior mais 2,87% de reajuste em janeiro de 2023, além de uma promessa de bonificação diferente para cada categoria. Em uma votação repetida três vezes, os trabalhadores rechaçaram a proposta da prefeitura e massivamente gritaram por greve. Mesmo assim, a diretoria do STMC disse que aceitaria a proposta, encerrou a assembleia e tiveram que sair escoltados pela GCM de Dário que ainda reprimiu os servidores.

A resposta da assembleia foi admirável. Demonstrou uma enorme vontade de luta e um sentimento de ódio contra a burocracia sindical. Além de colocar os burocratas para correr, se organizou em ato até a reacionária câmara de vereadores.

Não foi a primeira vez que a direção do sindicato, ligada ao PSB (partido de Jonas Donizette e Alckmin) e filiada à CTB, ficou do lado da prefeitura e utilizou de manobras e métodos burocráticos contra os trabalhadores. Contudo, o contexto político atual é fundamental para compreender o empenho por parte da direção do STMC para impedir qualquer desenvolvimento da luta.

Nesse texto, buscamos relembrar alguns antecedentes da nossa campanha salarial, mostrar o sentido político da traição da direção do STMC e refletir sobre quais lições podemos tirar para que nossas lutas não estejam nas mãos de aliados do governo.

Os trabalhadores municipais mostraram força para lutar e enfrentar a burocracia do STMC

O primeiro semestre deste ano teve importantes batalhas e mobilizações dos servidores municipais. Em janeiro, monitoras e agentes de educação infantil se mobilizaram exigindo reconhecimento enquanto carreira do magistério. Logo em seguida, as trabalhadoras terceirizadas da limpeza das escolas começaram a se mobilizar e fizeram uma fortíssima greve exigindo o pagamento dos salários e benefícios por parte da empresa Especialy. O apoio dos trabalhadores efetivos foi muito importante, buscando romper a divisão que os patrões buscam impor entre terceirizados e efetivos.

Ainda em fevereiro, ocorreram assembleias autônomas, organizadas por setores da oposição, contra o sindicato que dizia que só discutiria campanha salarial em maio, mês de nossa data-base. Essas assembleias foram organizadas em resposta a negociação a portas fechadas do sindicato com a prefeitura que definiu um bônus de R$ 800 e 20% de reajuste no vale alimentação como reposição dos dois anos de salários congelados durante a pandemia e de enormes aumentos da inflação e da carestia de vida.

Somente em meados de maio, o STMC falou sobre campanha salarial, definindo as pautas e formando uma comissão de negociação com a prefeitura sem discussão alguma com os trabalhadores e trabalhadoras. Entre as pautas definidas pelo sindicato, estava o reajuste salarial de 25,68%, entre outros pontos. Sendo que, em meio à crise econômica, com inflação alta e sem reajuste salarial a três anos, os trabalhadores já acumulam perdas salariais que chegam a 40,2%.

Na primeira assembleia, após a mesa de negociação em que a prefeitura não apresentou índice algum, nada foi encaminhado, embora boa parte dos trabalhadores presentes na assembleia já expressavam a necessidade de organizar uma greve. Na segunda mesa de negociação, Dário Saadi propôs 12,13% de reajuste, referente à inflação oficial dos últimos doze meses, e aumento de R$100 no vale alimentação. Em uma manobra extremamente burocrática, quando a esmagadora maioria da assembléia gritava a necessidade de iniciar uma greve, a diretoria do sindicato colocou para votação somente “estado de greve”, mantendo os trabalhadores paralisados até a próxima mesa de negociação e assembleia que viria a acontecer somente duas semanas depois, em véspera de feriado.

Nessa altura, era possível que uma greve forte dos servidores municipais de Campinas se somasse a outras lutas em curso no país naquele momento. Professores da educação básica e superior em Minas Gerais pouco tempo antes realizaram uma importante greve contra Kalil e Zema; os metroviários da CBTU lutaram contra as privatizações incentivadas por Bolsonaro e Mourão; em Volta Redonda, trabalhadores entraram em greve contra a privatização da CSN. Professores da rede municipal de Salvador pararam, e, aqui na região, tivemos uma semana de greve de trabalhadores terceirizados da Replan. Greves como essas tinham o potencial de se unificar e apresentar um caminho pela luta de classes na conjuntura reacionária do Brasil de Bolsonaro, Mourão e Guedes, onde os salários são corroídos pela inflação, os direitos são arrancados, impondo precariedade da vida à população e beneficiando empresários e acionistas.

Nós do Movimento Nossa Classe temos clareza que regionalmente era estratégico para a burocracia do STMC impedir uma greve dos servidores contra Dário Saadi. Uma luta decisiva poderia ser mais um fator de instabilidade na conjuntura, poderia gerar solidariedade e influenciar outras categorias.

Através do Esquerda Diário e de nossos militantes divulgamos as ações dos servidores contra Saadi e burocracia do STMC. Construímos a solidariedade a essa batalha com apoio dos estudantes da Unicamp que constroem a Faísca Anticapitalista e Revolucionária, e com professores de diversas escolas da rede estadual.

Exigimos a destituição da comissão de negociação e a votação em assembleia de uma nova, assim como, de uma nova pauta que atendesse as necessidades das categorias da educação, saúde e assistência social, e fosse definida democraticamente. Buscamos colocar nossas forças à disposição para fortalecer o espírito combativo e raivoso contra a campanha do STMC compromissada com a prefeitura.

O sentido político da traição em meio a longa trégua das Centrais Sindicais

Os servidores municipais acumulam experiências inúmeras de que não podem confiar nessa burocracia encastelada no nosso sindicato. É prática frequente a perseguição de ativistas da oposição, como o processo contra ativistas da chapa 2 das últimas eleições sindicais e militantes do MST, assim como os golpes em assembleias e eleições.

Não suficiente, a atual direção do STMC antes ligada à prefeitura de Jonas Donizette (do mesmo PSB de Alckmin e um dos cotados para ser vice-governador de Haddad), manteve a boa relação com a prefeitura na atual gestão de Dário Saadi, do reacionário e pró-Bolsonaro Republicanos.

O histórico de traições do PSB não é novidade. No entanto, ela ocorre em um momento onde as burocracias sindicais conjuntamente estabeleceram uma verdadeira trégua com os governos, em nome de preservar a ordem social até as eleições. Não devemos esquecer, que a chapa Lula-Alckmim tem como protagonista o próprio PSB que dirige sindicatos pelo país, mas defende posições diretamente burguesas, anti operárias. O pacto eleitoral construído por Lula e o PT é um aceno para a burguesia de que suas administração não atingirá os interesses dos empresário e grandes capitalistas. Uma proposta assim necessita que as burocracias sindicais sinalizem para a burguesia que são eficientes em impedir a luta de classes.

Todo empenho em travar a luta dos servidores municipais por parte do STMC não está desligado da política municipal, estadual e nacional. E é por isso que defendemos que a independência de classe, a mobilização, organização e ação direta dos trabalhadores é a única saída que podemos ter, tanto para arrancar conquistas, como para, nos unir às outras lutas contra o reacionário governo Bolsonaro. Isso, sem seguir a política de conciliação de classes do PT que é incapaz de enfrentar o bolsonarismo com suas alianças com a direita, incluindo com nosso inimigo Alckmin.

Por um sindicato independente do Estado, com democracia operária e contra o corporativismo!

Para avançar na luta por melhores salários, condições de trabalho, mais contratações, o que afetaria diretamente a qualidade dos serviços prestados à população, é necessário se enfrentar com a prefeitura de Dário Saadi, mas também com a atual direção do STMC. Os métodos que favorecem a luta dos trabalhadores são os que colocam nossa classe na linha de frente das ações e decisões, defendendo a mais ampla democracia operária. Começando por construir nas bases as nossas assembleias e respeitar a soberania desse espaço, construindo também comitês com representantes revogáveis de cada local de trabalho (escolas, postos de saúde, hospitais, etc).

Defendemos, a rotatividade dos diretores sindicais liberados, e o fim dos privilégios que garantem aos diretores sindicais que deixem de ser trabalhadores se afastando da realidade da nossa classe, e se dediquem a carreiras políticas burguesas, como é o caso de Marionaldo, antigo diretor do STMC, que chegou ser secretário dos Recursos Humanos de Jonas Donizette, hoje é presidente do Camprev e ajudou a aplicar duas reformas da previdência contra os servidores.

Tal perspectiva se liga à batalha pela unidade das fileiras operárias, contra a divisão entre efetivos e terceirizados, em defesa da efetivação de todos os terceirizados sem necessidade de prestar concurso público. Também pela aliança com a população, ou seja, não como sindicalistas defensores somente dos interesses de uma categoria, mas defendendo respostas às necessidades do conjunto dos setores explorados e oprimidos. Uma perspectiva independente, democrática e anti burocrática como essa nos permitiria poder atuar como uma alavanca para potencializar a força de toda a classe e sua capacidade de conduzir a luta de todos os oprimidos.

Na nossa opinião essa perspectiva deve ser de toda a oposição. Um dos perigos que a rotina sindical impõem à luta dos trabalhadores é de restringir nossas demandas unicamente as pautas da categoria, e somente, aquelas que são pragmaticamente negociáveis. Nossa oposição à burocracia, vai além de exigirmos mais direitos ou um maior índice, temos concepções do que devem ser os serviços públicos radicalmente opostas e isso deve estar explícito em nossa luta. No contexto atual, em que políticos de direita e a mídia tentam difamar a imagem dos servidores como priveligiados, nossa batalha deve ser para que os serviços como saúde, educação e assistência social estejam a serviço e sejam controlados pelo conjunto da população. Um sindicato corporativista e compromissado com as administrações é o oposto dessa perspectiva.

Nós do Movimentos Nossa Classe lutamos para forjar esta tradição, baseada na auto-organização e na independência de classe, para arrancar os sindicatos das mãos da burocracia e colocá-los a serviço da luta de classes. Consideramos que o enfrentamento da categoria contra a direção pelega do STMC, que vimos nessa campanha salarial, é um grande exemplo de luta que precisa ser incentivada através da construção de organismos de base em nosso local de trabalho.

As assembleias autônomas seriam ainda mais fortes e com mais potencial para superar os pelegos com uma forte organização democrática e pela base, a partir de cada local de trabalho. Assim intervimos nas assembleias e em nossas escolas.

Consideramos que após a traição do STMC, poderia ter sido articulado um forte movimento pela continuidade da construção de uma greve, que exigisse assembleia e espaços de organização e pela destituição da comissão pelega de negociação. Nossa luta contra a burocracia sindical, além dos períodos eleitorais, deve implicar em impor a força dos trabalhadores nos momentos decisivos de luta contra a vontade das próprias direções sindicais quando elas estão aliadas aos governos ou aos patrões.

Consideramos fundamental que a oposição à atual diretoria do sindicato crie espaços de auto organização democráticos que imponham a vontade dos trabalhadores, sem capitular a conciliação de classe imposta pela burocracia sindical e pelo projeto eleitoral de Lula-Alckmin. A oposição em Campinas, possui uma contradição, PT e PCdoB se colocam como oposição ao STMC, mas em outros lugares, como Metrô de São Paulo formam uma mesma chapa que, como aqui, aceitam ataques e submetem burocraticamente os trabalhadores aos acordos com a empresa. Agora que a campanha salarial chegou a um fim, essas forças políticas que se colocam na categoria estão voltadas para as eleições e, tragicamente, estarão unidas com o mesmo partido, PSB, anti trabalhador que dirige o STMC. O PT e o PCdoB que dirigem as centrais sindicais CUT e CTB (mesma central que se encontra o STMC) deveriam romper a trégua que se encontram esperando as eleições e colocar toda sua estrutura para lutar na rua contra as ameaças golpistas do bolsonarismo, a fome, inflação, assassinatos de Dom e Bruno… Motivos para se parar o país não faltam.

Infelizmente, a maioria das correntes do PSOL, também embarcaram a seu modo na chapa Lula-Alckmin e estão fortalecendo a ilusão de que a extrema direita vai ser derrotada fundamentalmente pelas eleições e não pela luta de classes. Por isso, achamos que é fundamental, que as correntes que atuam na categoria e também são críticos a conciliação de classes, escancarada na chapa Lula-Alckmin, como as que estão no Coletivo Trabalhadores em Luta, se utilizem da experiência da campanha salarial para debater com a categoria que a traição que vivenciamos na campanha salarial é fruto de uma política que rifa a luta dos trabalhadores para administrar o Estado capitalista. Nesse sentido, não podemos separar a luta sindical para retomar o STMC da política nacional, da batalha para construir uma força operária independente que possa derrotar Bolsonaro e as reformas, como a trabalhista e da previdência, que geram fome e tanto desespero da população. E isso só pode se dar pela luta de classes, pela força independente dos trabalhadores. Não serão atos eleitorais com empresários, banqueiros e a FIESP que vão derrotar as ameaças de Bolsonaro e seu projeto econômico, já que esses atores o fortaleceram e querem garantir que esse legado de reformas do golpe seja preservado. Somente com um plano de lutas, com paralisações e greves, para que a classe trabalhadora entre em cena como sujeito independente, poderemos enfrentar Bolsonaro e a extrema direita, com representantes como Dário, e todos os ataques contra os trabalhadores.

Nós nos orgulhamos de participar dessa batalha dos servidores municipais de Campinas. Aqui, debatemos ideias que consideramos importantes para avançar em futuras lutas, e nos preparar para batalhas decisivas que exijam retomar os sindicatos para as mãos dos trabalhadores, lutando por nossas demandas e construindo um movimento para derrotar as reformas, a extrema direita e o bolsonarismo na luta de classes. É urgente uma saída operária para essa crise, que se aprofundou ainda mais desde a pandemia, com centenas de milhares de mortes. Precisamos enfrentar os capitalistas no nosso terreno, na luta de classes, para que eles paguem pela crise.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias