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Kohei Saito: contradições criativas do marxismo ecossocialista

Facundo Nahuel Martin

Kohei Saito: contradições criativas do marxismo ecossocialista

Facundo Nahuel Martin

Sobre La naturaleza contra el capital [1] e outras obras de Kohei Saito.

Saito em seu contexto intelectual

A publicação de La naturaleza contra el capital (2023) pelas edições IPS nos permite um encontro com o pensamento de Kohei Saito, jovem e original pesquisador no campo ecomarxista. Também vou comentar alguns aspectos de seu mais recente lançamento, Marx in the Anthropocene (Cambridge University Press, 2022), onde as posições políticas do autor aparecem, talvez, mais explícitas. Proponho uma discussão que vai dos aspectos mais teóricos aos mais imediatamente políticos de seu pensamento. Saito atende a duas condições que nem sempre ocorrem juntas: a de um acadêmico especializado e a de um teórico engajado politicamente. Ele é, ao mesmo tempo, um cuidadoso intérprete de Marx e um pensador situado no presente com valiosas, polêmicas e dignas apostas para discussão. Vamos ver.

A publicação do MEGA-2 (Marx Engels Gesammtausgabe-2) da década de 90 do século passado modificou vários aspectos da filologia marxiana. Deu novas bases a algumas correntes de renovação teórica que vinham se desenvolvendo anteriormente e ajudou a desmistificar uma certa imagem estagnada do marxismo, legada pela ortodoxia stalinista. Pela primeira vez, avança uma edição crítica e completa das obras dos "fundadores" da tradição, incluindo um grande número de cadernos, anotações e comentários. Textos recebidos como "obra" nunca foram, porém, preparados para publicação, como é o caso de A Ideologia Alemã ou dos Manuscritos de 1844. O próprio volume III de O Capital é, sabemos hoje, mais um compêndio reunido por Engels das notas de Marx, do que o produto completo de uma investigação concluída. O projeto intelectual maduro de Marx, a crítica da economia política, é necessariamente inconclusivo e complexo. Ele possibilita desdobramentos divergentes das modulações situadas da história, ainda em aberto, da sociedade capitalista. A publicação de MEGA-2, longe de encerrar este projeto ou facilitar o estabelecimento de uma teoria final, nos apresenta as vacilações, ambiguidades, marchas e contramarchas do pensamento vivo de Marx e Engels. Retornar a esses cadernos não é, então, buscar as respostas para todos os problemas em um texto supostamente definitivo, mas reabrir a cada vez um projeto incompleto de crítica da economia política. Um projeto que só pode ter seu fim, claro, no campo da ação e não da teoria, com a abolição prática da sociedade capitalista. Enquanto esta sociedade existir, o marxismo será o mais poderoso projeto inacabado de reflexão sobre o presente.

Podemos apontar, obviamente sem ser exaustivo, três campos de expansão ou renovação teórica do marxismo que, se não nasceram com a edição MEGA-2, recebem com ela um novo impulso. 1) O debate sobre a forma do valor e o desenvolvimento das chamadas "novas leituras de Marx", que enfatizam o caráter social e historicamente determinado das categorias capital, trabalho e valor, estruturadas pelo fetichismo da mercadoria. 2) O estudo do Marx tardio, a ênfase na multiplicidade das temporalidades e a ruptura com o "materialismo histórico" ortodoxo, uma suposta filosofia eurocêntrica e prometeica da história, centrada no desenvolvimento das forças produtivas como motor dinâmico da história. 3) A renovação ecológica do marxismo, o retorno ao problema do materialismo na teoria marxista e o estudo das "contradições ecológicas" do capital [2].

Kohei Saito se insere justamente na intersecção entre essas três grandes correntes de reconstrução do pensamento de Marx e Engels. Como marxista ecológico, ele pertence à linha de trabalho aberta por John Bellamy Foster e Paul Burkett com o estudo da ruptura metabólica entre sociedade e natureza devido à acumulação de capital. A primeira característica interessante de Saito é que ele não apenas expande a teoria da ruptura metabólica, mas também reconstrói sua relevância exegética com base em uma filologia marxista mais atualizada, trabalhando diretamente com os cadernos coletados no MEGA-2. Depois do trabalho de Saito, podemos dizer que a importância da teoria da ruptura metabólica como chave para o cofre do pensamento ecológico de Marx está fora de qualquer dúvida. As conhecidas acusações de “produtivismo” e determinismo tecnológico podem ser aplicadas, talvez, a uma parte da tradição herdada, mas não resistem ao encontro com o texto de Marx. No entanto, o autor também integra a teoria do valor e o problema das múltiplas temporalidades em sua obra, o que a torna interessante para além da erudita “marxologia”, como tentarei explicar nas próximas linhas

A teoria do valor e da natureza

Vamos à teoria do valor (ou forma de valor). Saito formula uma discussão entre o marxismo ecológico e a neue Marx-Lektüre alemã, desenvolvida por Hans-Georg Bakchaus, Helmut Reichelt, Michael Heinrich, entre outros. As novas leituras de Marx partem, em geral, de uma crítica às visões transhistóricas da teoria do valor. Eles contestam as interpretações que atribuem ao trabalho humano em geral a "propriedade" ou a "faculdade" de criar valor, ignorando a mediação historicamente determinada das relações capitalistas na constituição do valor como categoria estritamente social. Essas concepções naturalistas ou substancialistas acreditam que o trabalho humano "produz" valor em virtude de uma propriedade intrínseca ou inerente, independente do contexto. As novas leituras marxistas, por outro lado, não se preocupam simplesmente em relacionar um dado conteúdo (o trabalho abstrato) à sua forma de manifestação (a forma do valor). Eles nos lembram de uma questão-chave de Marx em O capital: por que esse conteúdo assume essa forma? Em que condições sociais o trabalho humano é objetivado como valor na mercadoria? (2010, 98). Só é possível responder a essa pergunta considerando as formas históricas de existência da sociedade produtora de mercadorias, na qual o valor emerge como uma objetividade fantasmagórica e totalmente social. Ou melhor: a produção de valor corresponde ao trabalho realizado privadamente com vista à troca de bens. O valor é uma objetividade espectral ou evasiva, uma realidade imaterial e abstrata, decorrente da forma de mediação social capitalista, que se apresenta em configuração invertida como propriedade natural ou intrínseca (extra-social) das mercadorias. O fetichismo da mercadoria, então, não é um mero acréscimo filosófico dispensável, uma digressão intelectual acrescentada à teoria do valor. Esta é uma teoria sobre a forma como as relações entre as pessoas existem no capitalismo, onde as propriedades estritamente sociais ou relacionais das coisas aparecem necessariamente invertidas, como suas propriedades "naturais" ou intrínsecas. O fetichismo da mercadoria é, então, o cerne da teoria do valor como uma elucidação da forma social historicamente determinada das relações capitalistas.

Da neue Marx-Lektüre à leitura categórica desenvolvida por Moishe Postone e à chamada “nova dialética”, as novas leituras marxistas destacam o caráter socialmente constituído da forma de valor e suas categorias concomitantes. O valor não é uma propriedade intrínseca ou “natural” das mercadorias. O trabalho humano não tem a propriedade geral e ahistórica de “criar valor”. Pelo contrário, o valor é um atributo inteiramente social da mercadoria, e o trabalho criador de valor tem uma forma social historicamente determinada que é constitutiva dele. É por isso que as novas leituras de Marx são antinaturalistas, ou seja, acentuam a constituição “puramente social” da objetividade espectral do valor, propriedade que as mercadorias adquirem apenas na estrutura relacional e historicamente determinada da sociedade capitalista. Esse antinaturalismo, à primeira vista, parece colidir com a virada para a natureza preconizada pela corrente ecomarxista de ruptura metabólica. Essa corrente, finalmente, não se preocupa apenas com as formas sociais e seu puro movimento fantasmagórico, mas com as “contradições” (oposições reais) que surgem entre a produção capitalista e a sustentabilidade da sociedade na natureza, em virtude de processos de produção material e corporificada. A ruptura metabólica ocorre no mundo material, e seus efeitos sobre o processo formal de valorização são apenas mediatos. Saito, um seguidor de Paul Burkett, relaciona ambas as correntes por meio de uma crítica matizada do "antimaterialismo" nas teorias (puras) da forma de valor.

Concentro-me na dimensão “material” (stofflich) do mundo, um componente essencial de sua crítica [de Marx] da economia política, geralmente subestimada nas discussões de O capital. Nesta obra, Marx desenvolve sistematicamente as categorias formais puras inerentes ao modo de produção capitalista –“mercadoria”, “valor” e “capital”–, revelando o caráter específico das relações sociais de produção constituídas pelo capitalismo, que operam como forças independentes do controle humano. Nesse sentido, a “nova leitura de Marx” (neue Marx-Lektüre) surgida na Alemanha – iniciada por Helmut Reichelt e Hans-Georg Backhaus e agora formulada com mais profundidade e rigor por Michael Heinrich, Ingo Elbe e Werner Bonefeld – reinterpretou de forma convincente a crítica de Marx à economia política clássica como uma crítica ao entendimento fetichista (isto é, a-histórico) das categorias econômicas, um entendimento que identifica a fisionomia da sociedade capitalista com as leis econômicas universais e transhistóricas da natureza. Em vez disso, Marx entende essas categorias econômicas como "formas especificamente sociais" e revela as relações sociais subjacentes que dão validade objetiva a esse mundo invertido, onde os fatores econômicos dominam os seres humanos. No entanto, a crítica marxista não pode ser reduzida a uma simples reconstrução categórica da totalidade historicamente constituída da sociedade capitalista, uma vez que tal perspectiva não pode explicar adequadamente por que ele estudou tanto as ciências naturais. De fato, a “nova leitura de Marx” é omissa a esse respeito (Saito 2023, 29).

É importante entender bem o significado dessa crítica. Saito se propõe a integrar e superar os melhores momentos das novas leituras de Marx, com sua reconstrução categórica do "sistema puro" do capital, no quadro da teoria da ruptura metabólica, com sua atenção contínua às dimensões material e metabólica (Stofflich) da vida social na natureza. Ele discute a unilateralidade em que caem as novas leituras de Marx quando se limitam ao estudo das "formas sociais puras", sem levar em conta a relação sociedade-natureza. Mas ele não descarta seu momento da verdade. Converte o que pode ser um defeito conceitual da teoria da forma do valor (abstração, o estudo refinado de meras formas sociais), em uma virtude crítica. Mostra que o capital, como valor em movimento, é necessariamente abstraído das dimensões situadas e corporificadas do metabolismo social localizado na natureza. “O método crítico e prático do materialismo postulado por Marx, de fato, vai além desse tipo de análise da ’forma’, examinando a inter-relação entre as formas econômicas e o mundo material concreto, cuja existência depende estreitamente de dimensões ecológicas" (Saito 2023, 30, itálico original). O caráter abstrato, indiferente à vida material, da forma valor, fundamenta uma crítica radical à sociedade capitalista.

Essa crítica não é feita do ponto de vista da “distribuição da riqueza” que se apresenta invertida na forma de mercadoria. Em vez disso, a crítica da economia política atinge o cerne da forma de riqueza nesta sociedade. É que o valor baseado no trabalho abstrato, por sua constituição social intrínseca, é uma péssima forma de valoração social, porque indiferente às peculiaridades do ambiente e do contexto, ou ignora as dimensões sempre situadas do valor de uso. A crítica da economia política é uma crítica radical à forma de valoração social no capitalismo, necessariamente alheia às determinações contextuais e qualitativas em que se reproduz a vida humana e extra-humana [3].

A abstração das dimensões qualitativas do trabalho, decorrentes da forma de valor na produção de mercadorias, implica a abstração da natureza. A forma predominante de valoração social no capitalismo contém a ignorância e a negação da fragilidade biológica, interdependência e situacionalidade da vida social. Portanto, contém uma tendência intrínseca de interromper processos naturais essenciais para a sustentabilidade da vida. Como diz Paul Burkett, a ruptura metabólica surge da contradição entre valor de uso e valor de troca intrínseco à forma social da mercadoria (1999: 82). A oposição entre riqueza material e valor tem consequências ambientais que vão além do puro movimento das formas sociais.

Acumulação de capital e a ruptura metabólica

Para Saito, a ruptura metabólica tem sua origem na forma do valor como tal, mas adquire um caráter dinâmico-processual com a transformação do valor em capital. Em um primeiro movimento, a forma de valor é abstraída do valor de uso, do caráter corporificado do trabalho concreto e da produção de riqueza material. Com o surgimento do capital como categoria social, as relações sociais adquirem um movimento próprio, imposto aos sujeitos como uma necessidade cega. A determinação formal (Formbestimmung) do valor, que se sobrepõe à produção de valores de uso, adquire agora um dinamismo intrínseco e alienado. O capital é valor que incuba valor, e sua reprodução ampliada se impõe como meta cega e incontrolável da atividade coletiva. O reino das formas, abstraído da riqueza material, adquire um caráter autotélico ou automediador: substitui-se como meta fetichizada do processo social. Isso marca uma novidade histórica específica do capitalismo, onde a produção não é realizada para a satisfação de necessidades sociais, mas para o lucro. O capital então se coloca como o "sujeito automático" do processo social. O metabolismo social, a interação situada entre os seres humanos e seu meio ambiente, condição de possibilidade transhistórica de qualquer sociedade, está subordinado ao movimento formal específico do capital [4].

O problema dessa mediação reificada aparece mais claramente com o surgimento do "capital" já desenvolvido, pois o valor então funciona não apenas como "mediação" da produção social, mas agora se torna o "alvo" da produção. O capital ameaça a continuação do metabolismo da humanidade com a natureza, ao reorganizá-la radicalmente na perspectiva da exploração máxima possível do trabalho abstrato (Saito 2023, 147).

O capital reorganiza o metabolismo social ou a produção material sob sua égide, posicionando-se como seu sujeito reificado. O ser humano deixa de controlar o processo de produção, que passa a ser regido por esse sujeito automático, que surge das próprias formas sociais. Para piorar, o capital como sujeito possui uma lógica recursiva infinita, cujo único objetivo é o aumento quantitativo de seu próprio valor. O processo de trabalho, condição transhistórica de toda sociedade, é reorganizado como um processo de valorização, subsumido primeiro formalmente e depois materialmente sob a lógica do capital. Ao submeter a criação de valores de uso à lógica recursiva da valorização, o capital tende a desconsiderar todos os limites ambientais e constrangimentos situados próprios da vida humana na natureza. Os tempos e as formas de reposição da biosfera, que devem ser contemplados para a criação de riqueza material, são ignorados pela lógica cega do valor em movimento, que efetivamente rege a atividade social, independentemente de decisões políticas conscientes. Essa lógica social, como é óbvio, tende a deteriorar e às vezes destruir as condições qualitativas situadas, finitas, nas quais a sociedade se reproduz na natureza. Ocorre então a ruptura metabólica, resultado “da tensão fundamental entre uma produção reificada de bens e uma relação sustentável com a natureza” (Saito 2023, 124).

Hoje, diante da condição do Antropoceno e dos já manifestos perigos do aquecimento global, a humanidade enfrenta um paradoxo de poder e impotência que testemunha as contradições ambientais da lógica do capital. O gigantesco desenvolvimento das forças produtivas a partir da "grande aceleração" econômica, tecnológica e populacional do pós-Segunda Guerra Mundial transformou nossa espécie em uma força geológica com impactos ao nível do sistema terrestre como um todo. O “poder humano”, por assim dizer, não transforma mais apenas ambientes locais, mas todo o planeta. No entanto, esse domínio planetário assume a forma paradoxal de uma catástrofe grotesca, que ameaça destruir as condições habitáveis da maior parte do planeta em poucas décadas. A humanidade, que conseguiu crescer em poder o suficiente para ameaçar a estabilidade da biosfera, parece impotente para parar sua própria carreira destrutiva, estúpida e suicida. A lógica do capital explica essa dialética de poder e impotência. É que, propriamente falando, a inflexão geológica em curso não é obra da atividade humana em abstrato, mas da atividade humana sob uma forma social específica, a forma social do capital, que promove, por sua lógica intrínseca, o crescimento econômico com ignorância de todos os limites contextuais e situados. A aberta tendência destrutiva não é, naturalmente, controlável a partir da política de Estado burguesa, por uma simples razão: o sequestro da dimensão política do social pertence à estrutura básica da lógica do capital. O imperativo do crescimento perpétuo não é, pois, um simples erro ideológico de nossos dirigentes, por mais imbecis que sejam. É uma compulsão objetiva de nossa forma social alienada. As perspectivas de construir um arranjo social habitável para o Antropoceno, sem abolir a lógica do capital no processo, parecem escassas e improváveis.

Naturalismo, monismo, forma e matéria

Para Saito, a crítica da economia política assenta no estudo da relação entre a forma social e o seu conteúdo material, tendo em conta a não identidade entre ambos. A determinação formal da produção depende do modo como se constituem as relações sociais. Na sociedade moderna, a forma social é estruturada pelo valor (mediação social) e pelo capital (forma de mediação social dotada de movimento reificado, automático). Corresponde à crítica da economia política estudar as formas sociais, com seu dinamismo intrínseco e historicamente determinado, mas também dar conta de como essas formas sociais se realizam no mundo material. Incorporar esta segunda dimensão requer ir além das mediações formais internas à lógica do capital, para pensar sua colocação em um meio parcialmente externo, não puro, onde habitam outras determinações da realidade, como as condições biológicas para a reprodução da vida, estabilidade ambiental e, também, aspectos complexos da subjetividade e sociabilidade humana irredutíveis a uma lógica social única. A lógica do capital não esgota, então, o sistema aberto da sociedade capitalista em sua complexidade emaranhada. Em uma visão materialista e ontologicamente realista da sociedade, as condições materiais da existência humana não são simples atributos, construções ou propriedades do processo histórico. Eles respondem a outras temporalidades e possuem ontologias próprias, “não definidas” pelo capital (ou qualquer outra categoria social).

Todas as criaturas vivas devem ter interação constante com seu ambiente se quiserem viver neste planeta. A totalidade desses processos incessantes cria um processo da natureza que não é estático, mas dinâmico e aberto. Antes de Ernst Haeckel chamar essa economia da natureza de “Ökologie” [ecologia], esse todo orgânico formado por plantas, animais e humanos era geralmente analisado sob o conceito de “metabolismo” (Stoffwechsel). Essa noção fisiológica tornou-se popular e no século XIX foi aplicada, além de seu significado original, à filosofia e à economia política para descrever as transformações e trocas entre substâncias orgânicas e inorgânicas, através do processo de produção, consumo e digestão, tanto no nível individual quanto a nível de espécie (Saito 2023, 81).

Marx incorpora o conceito de metabolismo para elaborar o aspecto material de sua crítica da economia política [5]. Ela articula a unidade ou continuidade entre o ser humano e a natureza (da qual fazemos parte, por isso não podemos interromper nossas trocas metabólicas com o meio ambiente), juntamente com sua descontinuidade ou desunião (porque a forma social sob a qual nos comportamos em cada caso o metabolismo social é histórico, variável e requer um nível específico de análise). O método de Marx é, portanto, um naturalismo qualificado com um momento antinaturalista. Desenvolve a “dialética” da unidade e desunião entre os humanos e (o resto da) natureza, ou destaca a especificidade emergente das formas sociais humanas e historicamente mutáveis no contexto do metabolismo natural universal. Podemos dizer que, no materialismo de Marx, a relação entre forma social e natureza é assimétrica. A forma social pertence ao mundo natural, mas tem dentro de si propriedades emergentes específicas, irredutíveis às propriedades do mundo biológico (e mais amplamente físico) em geral. O ser natural, então, envolve e supera o ser social, que se destaca em seu interior como peculiar, não idêntico, contínuo e descontínuo ao mesmo tempo.

Essa dialética de continuidade e descontinuidade separa Marx de novas correntes teóricas que, radicalizando o monismo, parecem negar toda validade à separação “moderna” entre humanos e natureza. Em Marx in the Anthropocene, Saito desenvolve uma crítica mais direta a esses “novos monismos”, como a ecologia mundial de Jason W. Moore, o hibridismo de Bruno Latour, os novos materialismos ou o pós-humanismo. A condição do Antropoceno parece marcar o fim de qualquer distinção significativa entre sociedade e natureza, que agora se apresentaria como irremediavelmente híbrida. Nos termos de Moore, o capital não subsume a natureza, muito menos causa uma "ruptura metabólica" com ela. Em vez disso, capital e natureza são coproduzidos em um feixe indistinguível chamado oikeios, ou teia da vida. Não haveria, então, exterioridade entre forma e matéria, entre valor e valor de uso, entre capital e natureza. Haveria uma unidade original, sempre-já emaranhada, entre o social e o natural.

Para Saito, neste ponto um claro seguidor da orientação filosófica de John Bellamy Foster, é preciso ver a sociedade como parte da natureza e ao mesmo tempo separada dela. O monismo da substância, típico de todo o materialismo teórico, não nega o pluralismo das propriedades, que especifica novos níveis de emergência dentro do ser natural, incluindo a sociedade humana (Malm 2017). As formas sociais são irredutíveis aos níveis biológicos, químicos ou físicos mais amplos nos quais estão enraizadas. Os processos sociais expressam determinações formais da atividade humana com particularidades ontológicas, como a ação orientada para um objetivo ou a construção de certas estruturas complexas de mediação social. A determinação singular da forma social não se refere apenas à posição particular da espécie humana no mundo natural. no curso. Cito longamente:

A sociedade não existe sem a natureza, mas as relações sociais produzem suas únicas propriedades emergentes, que não existem na natureza sem os humanos, mesmo que as propriedades emergentes da sociedade não possam ser completamente separadas de sua base e suporte materiais. O capital é um parasita de seus portadores e deles depende totalmente, mas permanece cego a eles até que sua degradação apareça como um obstáculo à valorização. Esse caráter paradoxal do capital é exatamente o motivo pelo qual a crítica de Marx à economia política enfatiza a distinção e a interconexão das formas "puramente sociais" e seus "portadores" materiais e analisa sua tensão devido à falta de identidade.
Assim, a rejeição do dualismo cartesiano não conduz automaticamente Marx a uma ontologia plana sem distinção entre o social e o natural, algo para o qual Hegel (1977: 9) certa vez ridicularizou Schelling como equivalente à "noite em que ... todas as vacas são escuras”. Em vez disso, Marx enfatizou a singularidade do metabolismo humano para a natureza em comparação com o de outros animais. Isso não é necessariamente um antropocentrismo ultrapassado (Saito 2022, 120).

Articulando a teoria da forma de valor e o marxismo ecológico, Saito se junta aos que defendem o conceito de ruptura metabólica das acusações de "dualismo cartesiano", defendidas sobretudo por Jason Moore e sua teoria da ecologia mundial. Em termos mais filosóficos, Saito defende a necessidade de um dualismo não cartesiano, de natureza metodológica, compatível com um monismo substancial materialista ou naturalista. Sob esse dualismo não cartesiano, é necessário estudar as formas sociais específicas (capital, valor, mercadoria) e sua encarnação no mundo natural, do qual fazem parte, mas dentro do qual funcionam como um nível singular de emergência. Neste ponto, na linha de outros autores contemporâneos como Carl Cassegard (2021), Adrian Johnston (2019) ou Andreas Malm (2017), Saito defende a necessidade de articular o monismo ontológico materialista com uma dialética “não idêntica” da sociedade e natureza. Ele inscreve a crítica do capital no contexto de um materialismo emergente ou estratificado que resiste a formulações planas e monismos “completos”.

Ecossocialismo e sociedades que antecedem o capitalismo

Para encerrar, vou retomar um dos aspectos mais originais, mas também os mais polêmicos, da proposta de Saito: sua defesa das sociedades pré-capitalistas como modelo parcial do socialismo e, em sua obra mais recente, sobre o que ele chama de comunismo de decrescimento. Aqui também o autor se encontra em uma confluência de debates. Sintetiza criativamente a ecologia de Marx com leituras centradas nos múltiplos desenvolvimentos temporais e no caráter aberto do desenvolvimento histórico. A objeção segundo a qual Marx seria um pensador prometeico e eurocêntrico, um otimista tecnológico com uma visão determinista da história, que condenaria todas as sociedades históricas a seguirem um único curso de desenvolvimento, veria os povos das periferias como atrasados e colocaria a modernidade como meta inexorável do desenvolvimento.

Um bom número de obras, especialmente dedicadas ao falecido Marx (por exemplo, Shanin e Wada 1983; Anderson 2010; Sasaki 2021, para citar apenas as mais importantes para nosso autor) questionam seriamente a legitimidade dessa leitura. Saito, apoiando-se nessa corrente, levanta a seguinte questão: por que, após a publicação do Volume I de O Capital, Marx passou cada vez mais tempo estudando ciências naturais e etnografia? Que ligação existe entre seu interesse pelas sociedades pré-capitalistas e sua extensa dedicação ao estudo da química orgânica ou das condições físicas da agricultura?

Em La naturaleza contra el capital, Saito tenta mostrar que as preocupações ecológicas e o interesse pelas sociedades antigas andam de mãos dadas em vários momentos do pensamento de Marx. Ele relê os cadernos escritos em Paris na década de 1840 como uma crítica radical da modernidade que reivindica parcialmente formas de trabalho pré-capitalistas. Na sociedade feudal não há compulsões objetificadas e anônimas de valor e mercadoria. Em vez disso, o vínculo social é estruturado com base em relações de dependência direta (entre senhores e servos, por exemplo). Essas relações não se vestem de forma fetichista, mas aparecem pelo que são: relações abertas de dominação legitimadas pela tradição. Marx não poupa críticas a essas formas de dependência pessoal. No entanto, também não idealiza a modernidade, um tempo de “dominação impessoal e reificada” de um novo tipo (Saito 2023, 55).

Com a mediação das relações sociais pelo valor e pela mercadoria, surge um novo tipo de dominação social, cujo fundamento é justamente a ruptura da relação entre o trabalho e a terra, ou entre a classe trabalhadora e suas condições materiais de existência. A modernidade surgiu, dentre outras coisas, com a dissolução violenta das formas de sociabilidade camponesa em que a comunidade de produtores não se separava dos meios de produção. Marx, já nos anos 40, recusa-se a reconhecer a passagem à modernidade como um simples avanço, nos termos das filosofias burguesas-progressistas da história. Em vez disso, identifica uma mudança qualitativa na forma de dominação, que é ambígua e contraditória, resistindo a narrativas lineares, modernizantes (progressistas) ou românticas (nostálgicas).

Os trabalhadores modernos perdem todas as garantias que protegem sua existência física, e sua atividade torna-se estranha para eles, sendo controlada e dominada por forças estranhas. A falta de propriedade, a precariedade, a alienação e a exploração estão intimamente ligadas. É verdade que os servos eram explorados e tinham de fornecer ao senhor o seu excedente de trabalho e os seus excedentes de produção. No entanto, contrastando essa situação com a dos trabalhadores modernos, Marx argumenta que o trabalho dos servos ainda tinha uma "faceta afetiva", pois graças à ligação com a terra os servos mantinham sua autonomia no processo de produção e em suas vidas. segurado. Ironicamente, este é um resultado particular da negação de sua personalidade na sociedade feudal, que os transforma em meros apêndices dos meios objetivos de produção. A esse respeito, Marx sem dúvida reconhece um aspecto positivo do modo de produção feudal (Saito 2023, 57).

O traço comum entre o comunismo e o feudalismo seria a unidade dos trabalhadores com a terra, destruída pelos processos de espoliação das comunas camponesas empreendidos, através da violência do Estado, durante a chamada acumulação original. Nesse ponto, o comunismo inclui um "momento romântico" integrado à crítica do romantismo nostálgico ou conservador. Trata-se de um regresso mediado às condições de produção comunal, orientadas para a satisfação direta de necessidades coletivas e não para a troca, num contexto de atividade económica local de subsistência. Nesse ponto, as preocupações etnográficas e ambientais convergem no Marx tardio, leitor atento do físico agrícola Kar Fraas e do historiador da antiguidade Georg Ludwig von Maurer.

Lendo Fraas, Marx se interessa pelas sociedades pré-capitalistas que, devido ao desmatamento, produziram mudanças climáticas em nível local, levando à desertificação dos solos. Com Maurer, ele também estuda algumas formas comunais e camponesas, especialmente a marca germânica, como exemplo histórico de sociedades mais igualitárias e sustentáveis, em comparação com outras sociedades antigas, mas também com o capitalismo (Saito 2023, 306). Nem nostálgico nem modernizador, Marx se orienta para uma dialética do antigo e do moderno. A almejada sociedade comunista assenta nas forças produtivas desenvolvidas pelo capital, mas também na substituição de formas de existência comunais, de base local, orientadas para a sustentabilidade da vida e não para o mercado ou o lucro. Sua ideia de comunismo não é a continuação da modernidade, com suas formas tecnológicas e legais abstratas, mas também não é um simples retorno ao passado. Surge de uma dialética temporal aberta que opera simultaneamente com múltiplas temporalidades e resiste a enquadramentos temporais lineares, sejam eles progressivos ou regressivos, unilaterais modernistas ou românticos.

Comunismo de decrescimento, modernidade, tecnologia

Em Marx in the Anthropocene, o autor retoma sua pesquisa sobre as formas comunais pré-capitalistas, aprofundando a leitura de Marx em relação a Fraas e Maurer. Agora acrescente mais referências, algumas bem conhecidas na América Latina, como os famosos rascunhos da carta a Vera Zasulich ou as trocas com Maxim Kovalevsky. Mas também dá uma guinada teórico-política que, a meu ver, é problemática. A natureza contra o capital busca restaurar a continuidade de uma teoria ecológica em Marx, lendo algumas linhas comuns de manuscritos juvenis a textos de velhice. Em vez disso, no novo livro, Saito argumenta que há uma ruptura epistemológica no Marx tardio. Marx, ao que parece, teria deixado de ser moderadamente romântico em meados dos anos 40, para promover visões eurocêntricas e tecno-afirmativas, com o Manifesto Comunista e os textos dos anos 50, para então se voltar para um comunismo de decrescimento profundamente cético da tecnologia e da modernidade em obras tardias (Saito 2022, 209). Em textos como o "Fragmento das máquinas" dos Cadernos dos Grundrisse (1857-59) teríamos um Marx "tecnoutópico", que mais tarde romperia paulatinamente com essa visão modernizadora, para desenvolver uma crítica às forças produtivas capitalistas nos anos 60 do século XIX, e radicalizando a virada ecológica, decrescentista e comunitária muito depois da publicação de O capital (1867).

A ideia do comunismo de decrescimento se opõe ao prometeísmo do jovem Marx e não é inteiramente idêntica ao ponto de vista do “ecossocialismo” [...] O ecossocialismo não exclui a possibilidade de buscar maior crescimento econômico sustentável uma vez superada a produção capitalista, mas o comunismo de decrescimento sustenta que o crescimento não é sustentável nem desejável mesmo sob o socialismo (Saito 2022, 208-209).

Esta reviravolta de Saito novamente exige uma discussão cuidadosa. O autor faz uma crítica às correntes tecnoutópicas de esquerda, como o aceleracionismo (Srnicek e Williams), o "comunismo de luxo totalmente automatizado" (Bastani) e o pós-capitalismo (Mason). Essas correntes querem construir uma sociedade que supere o capitalismo com os recursos técnicos gerados de forma alienada pelo capital. Ao se apoiarem exclusivamente no “Fragmento das máquinas”, diz Saito, os novos socialistas tecno-utópicos desconhecem a virada crítica que Marx já dá nos cadernos tecnológicos de 1861-63 [6]. Nessas notas, juntamente com o conceito de subsunção real do trabalho, Marx cunhou a ideia de “forças produtivas do capital”. Com esses desdobramentos, ele começa a perceber que há uma imbricação qualitativa entre as formas de produção material desenvolvidas na modernidade e a lógica do capital. Rompe, então, com todo simples otimismo tecnológico: por mais que eleve a produtividade do trabalho, o capitalismo não cria uma base técnica diretamente disponível para a construção do socialismo. Os ambientes artefatos que ele materializa refletem sua lógica abstrata, automotriz e destrutiva. Os modernos sistemas de máquinas automáticas são baseados na desapropriação e desqualificação do trabalho, produção contínua com indiferença ao meio ambiente e degradação ambiental. Eles não podem ser tomados como base técnica para um futuro socialista. As formas concretas de cooperação social impostas ao processo de trabalho pelo capital não são compatíveis com a cooperação socialista. A tecnologia do capital não pode, sem mais, nos dar a base material da sociedade futura (Saito 2022: 157 e ss.).

A crítica de Saito ao que ele chama de "novo socialismo utópico" é interessante e enriquecedora. No entanto, como Esteban Mercatante (2023) e Juan Duarte (2023) apontaram, Saito exagera o “momento romântico” em Marx, e vai longe demais em termos políticos e exegéticos com a ideia de uma ruptura epistemológica tardia e uma virada do comunismo do decrescimento. De fato, as sociedades pré-capitalistas são um modelo parcial do socialismo, como fica claro se analisarmos as preocupações etnográficas de Marx. Essas sociedades produzem para uso ou consumo direto, não separam o trabalho de suas condições materiais de existência e não estão sujeitas à forma social reificada do capital. Mas isso não permite a obliteração dos momentos modernistas indispensáveis no pensamento de Marx, especialmente seu interesse na tecnologia que economiza trabalho e, também, nas instâncias de liberdade pessoal (independência de laços sociais diretos, autonomia individual) que caracterizam a sociedade capitalista. Mesmo no rascunho das cartas a Zasulich, onde ele questiona o potencial revolucionário da comuna camponesa russa, vemos que Marx não propõe um simples retorno ao pré-capitalismo, mas sim uma complicada dialética temporal que reivindica aspectos pré-capitalistas e modernos. “Marx não exigia a preservação da condição pré-capitalista da comuna rural como era, mas defendia o desenvolvimento das comunas ’em suas bases atuais’, absorvendo ativamente os resultados positivos do capitalismo ocidental” (Saito 2022, 195).

O próprio Saito, ao imaginar as possíveis formas de riqueza material em uma sociedade futura, recorre não apenas aos manuscritos tardios de Marx, mas também ao fragmento sobre as sociedades que antecedem a produção capitalista nos cadernos dos Grundrisse, ou seja, às notas contemporâneas do "Fragmento das máquinas" (1857-59), a fonte teórica preferida da esquerda tecno-afirmativa. Isso põe em dúvida a solvência exegética de sua tese de ruptura epistemológica tardia, após O Capital. Marx provavelmente articulou momentos românticos e modernistas ao longo de toda a sua obra. Às vezes ele se inclinava mais em uma direção e às vezes mais em outra, dependendo das circunstâncias do contexto e de sua própria pesquisa. O ponto filológico é, no entanto, menos importante do que o ponto político. É improdutivo escolher um espírito de Marx contra outro, como se tivéssemos que escolher entre o Marx que olha para a comuna camponesa e aquele que olha para a automação das máquinas, entre o Marx defensor do pré-capitalismo e o entusiasta da tecnologia. O projeto inacabado da crítica da economia política precisa de ambos os momentos, justapostos em um campo de tensões dinâmicas.

Não se trata de escolher entre o tecnológico e o comunitário, entre as potências maquínicas do capital e o retorno à produção local sustentável. Um futuro desejável para o marxismo (e para a humanidade) exige que aprendamos a viver a tensão entre esses momentos, evitando uma resolução simples como a que prevalece, até hoje, entre a esquerda global. Os debates contemporâneos, por exemplo, sobre o decrescimento ou a transição energética, são melhor abordados quando aceitamos que esse campo de tensões é inevitável. Por um lado, sabemos que a energia renovável tem taxas de retorno muito mais baixas do que a energia de origem fóssil. As fontes de energia renovável são intermitentes e não podem ser extraídas e armazenadas para uso à vontade em nenhum contexto. Isso significa que um mundo baseado em fontes solares ou eólicas será necessariamente um mundo com menor abundância de energia. Decrescer, diminuir o fluxo de matéria e energia das sociedades (em princípio, nos centros imperialistas) é apresentado como um imperativo biosférico de sobrevivência coletiva. Ao mesmo tempo, construir matrizes produtivas alternativas para proporcionar um consumo social razoável de energia e riqueza material seria, para além da lógica alienada do capital, um objetivo desejável de qualquer sociedade socialista. Naturalmente, isso supõe o crescimento de alguns setores econômicos, como a indústria fotovoltaica ou a indústria de turbinas eólicas, especialmente nas periferias do capitalismo, onde temos populações com enormes necessidades materiais insatisfeitas. Construir economias locais, de forma semelhante, é essencial para pensar o ecossocialismo como uma sociedade baseada em comunas que produzem para subsistência direta. O socialismo não pode ser fundado apenas em organizações burocráticas de tipo estatal e em indivíduos abstratamente livres. Precisa de um momento “soviético”, conselhista ou comunal, que hoje tem grande relevância ecológica. Mas também sabemos que o momento comunitário não é suficiente para organizar uma sociedade futura, que terá que haver complexas mediações políticas de tipo estatal ou pseudo-estatal, que garantam coisas como o planejamento econômico, o fornecimento de infraestruturas para além do local e, também, os meios de violência indispensáveis para promover a transição social e ecológica. Entre a planificação comunal (ou soviética) e centralizada, mas também entre o crescimento e a decrescimento, a ideia do socialismo surge hoje como uma articulação tensa de momentos contraditórios reunidos numa dialética temporal aberta.

Com todas as limitações e dificuldades que podem ser apontadas, a obra de Saito é poderosa e valiosa. Ele faz uma grande releitura dos cadernos de Marx, que vai além da questão ecológica, em direção a problemas como a temporalidade histórica ou a forma do valor. Mas, fundamentalmente, é uma obra politicamente estimulante, necessária para a renovação da crítica do capital como nervo conceptual da teoria crítica da sociedade e, também, como estímulo para a abolição prática desta civilização falida que temos, a modernidade realmente existente.

Bibliografia

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FOOTNOTES

[1Lançado no Brasil pela Editora Boitempo com o nome O ecossocialismo de Karl Marx: Capitalismo, natureza e a crítica inacabada à economia política

[2Um quarto campo corresponderia ao marxismo feminista, que hoje também experimenta um renascimento moderado com a teoria da reprodução social e esforços relacionados. Menciono este campo em uma nota de rodapé porque não é central para discutir o pensamento de Saito.

[3Saito não desenvolve esse ponto diretamente, mas uma crítica às tentativas de “estender” a teoria do valor fora da produção de mercadorias, como vemos em algumas propostas feministas e ambientalistas, deriva de sua análise. Visões ampliadas de valor não captam o cerne crítico da teoria marxista e acreditam que “a propriedade de criar valor” se refere a um atributo intrínseco e positivo do trabalho humano, que deve então ser estendido a outros contextos que contribuam para a sustentabilidade da vida, mas não à valorização mercantil. Essas visões operam dentro da estrutura da teoria clássica do valor, ou ignoram as diferenças entre Marx e David Ricardo. Contra essas teorias, é necessário enfatizar o caráter histórico e crítico da teoria de Marx. “Expandir” o valor para incluir a natureza extra-humana ou o trabalho doméstico é, como dizem Foster e Clark (2020), aprofundar uma forma de mercantilização e distorção da valoração social da riqueza material. Se o valor é uma categoria crítica que expressa uma forma de dominação social, é imperativo aboli-lo ao invés de expandi-lo.

[4Para continuar a discussão "marxológica", acho que é isso que Saito quer dizer quando diz que o trabalho abstrato é trans-histórico e fisiologicamente definido como o gasto de músculos e nervos humanos, enquanto o valor é uma categoria historicamente determinada e própria do capitalismo. Sua posição é, podemos dizer, intermediária entre as visões naturalistas do valor, de cunho ricardiano, e as leituras inspiradas em Isaak Rubin, que restringem o trabalho abstrato à sociedade produtora de mercadorias. Para Saito, o trabalho abstrato é uma determinação trans-histórica necessária de toda sociedade e refere-se ao metabolismo corporificado da vida humana na natureza. Em vez disso, a expressão do trabalho abstrato como valor é uma determinação historicamente determinada da sociedade produtora de mercadorias.
De minha parte, não tenho elementos para avaliar a posição de Saito a esse respeito. Sua abordagem geral me parece interessante e poderosa porque nos permite aproximar a teoria (crítica) da forma do valor e a teoria da ruptura metabólica, articulando no vértice essas duas grandes tradições atuais que são as novas leituras de Marx e eco-Marxismo. Não sei se é preciso afirmar que o trabalho histórico tem um caráter trans-histórico e fisiológico para realizar essa bem-vinda síntese.

[5Um esclarecimento terminológico mínimo. Stoff pode ser traduzido para o espanhol como "matéria". Stoffwechsel, "metabolismo", também conota "troca material". Marx muitas vezes justapõe, em O Capital, Stoffwechsel e Formwechsel (“mudança de forma”). A primeira expressão refere-se, na leitura de Saito, aos processos de troca de matéria e energia que ocorrem no processo de trabalho específico. A segunda refere-se às mudanças na forma social, ou equivalência social, pelas quais os objetos passam no processo de produção, distribuição e consumo. As mudanças formais e materiais não são idênticas: não há correspondência necessária entre elas. Um carro que é usado para a entrega de mercadorias funciona formalmente como capital. Vendido a um particular e utilizado como bem de consumo individual, o mesmo objeto sofre uma mudança de forma (formwechsel), ou seja, adquire outra determinação de sua existência social sem grandes mudanças em sua estrutura material. O processo social sempre tem uma dimensão Stofflich ou corporificada, organizada sob dinâmicas historicamente variáveis ou lógicas formais, como a lógica do capital. A fórmula do capital, D-M-D’, é em princípio uma "dança das formas sociais", mas também se corporifica no processo de produção material e o reorganiza de acordo com suas restrições abstratas.

[6A meu ver, essa crítica não é totalmente justa, principalmente no que diz respeito ao aceleracionismo de esquerda. Srnicek e Williams questionam explicitamente a neutralidade da técnica (2015, 152). É por isso que eles prestam tanta atenção ao redesenho técnico e às ideias de refuncionalização. Eles não pensam na tecnologia de engenharia de capital que economiza mão-de-obra como uma base técnica disponível para construir o pós-capitalismo imediatamente. Em vez disso, eles se perguntam sobre a possibilidade de reorganizar e reconstruir essa base técnica em uma sociedade diferente, mas que herda alguns de seus resultados. Também não me parece correto entender o "Fragmento das máquinas" em termos de prometeísmo tecnológico. A leitura de Postone (1993), em grande parte baseada nesse fragmento, desenvolve uma crítica à tecnologia capitalista na qual o conceito de “forças produtivas do capital” é prefigurado, por exemplo. Em suma, deve-se admitir que os autores citados não tratam seriamente dos problemas ecológicos que são centrais para pensar uma transição energética em uma estrutura pós-capitalista. Por exemplo, eles permanecem mudos sobre a base de energia fóssil dos aumentos de produtividade legados pelo capital e a dificuldade material de sustentar esses mesmos aumentos com base em energia renovável. Sua abordagem tecno-afirmativa é unilateral, mas não é um mero utopismo tecnológico.
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