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Junho de 2013 e a necessidade petista de caluniar a luta de classes

Yuri Capadócia

Junho de 2013 e a necessidade petista de caluniar a luta de classes

Yuri Capadócia

Durante uma entrevista para a Telesur Lula repetiu o reacionário balanço que o PT faz das jornadas de mobilização em Junho de 2013. Em primeiro lugar, Lula localizou os massivos protestos como o ponto de partida para a emergência da extrema-direita que hoje governa o país.

Não se trata de uma análise nova por parte da intelligentsia petista, há muito tempo intelectuais e dirigentes do partido tentam emplacar essa visão de que Junho foi o “ovo da serpente” para chocar o autoritarismo e obscurantismo atual no país. Por diversas vezes aqui no Esquerda Diário já combatemos essa narrativa petista que é insustentável perante a análise material das contradições do processo.

Em síntese, essa revisão tem como objetivo primordial afastar os trabalhadores da luta de classes desacreditando a via da mobilização e das ruas, vindo de encontro à estratégia eleitoralista do PT que hoje mira as eleições municipais deste ano, mas fundamentalmente as longínquas eleições de 2022.

Entretanto, o fato novo dessa operação de travestir Junho como uma mobilização reacionária está na segunda intervenção de Lula quando opõe as manifestações no Brasil à atual onda de protestos na América Latina: “A diferença é que essas manifestações são feitas para conquistar direitos”, afirmou. Novamente a deslegitimação de Junho, que no critério subjetivo de Lula nem sequer representou uma luta por direitos, mas como ele prossegue em sua fala teve como objetivo definidor a construção do golpe contra o PT.

As manifestações de 2013 foram feitas já fazendo parte do golpe contra o PT. Elas já foram articuladas para garantir o golpe. Elas não tinham reivindicações específicas. As manifestações começaram como parte do golpe, incentivadas pela mídia brasileira e incentivadas, acho que inclusive, de fora para dentro. Eu acho já que teve o braço dos Estados Unidos nas manifestações do Brasil”

A necessidade de afastar Junho de 2013 dos atuais protestos na América Latina, ajuda a compreender a farsa da narrativa petista e a atual localização do partido. Como contraponto à fala de Lula e um exemplo dos pontos de contato entre as jornadas de outrora no Brasil e as atuais no Chile, ambas tiveram como estopim protestos da juventude contra o aumento da passagem, e encontraram na violenta repressão dos governos (Piñera no Chile e Haddad e Alckmin de mãos dadas no Brasil) um detonador de seu potencial massivo (para mais elementos de comparação entre as expressivas jornadas no Chile e Junho de 2013, recomendamos esse artigo.

O discurso e a prática do PT em relação ao protestos que ocorrem hoje na América Latina são contraditórios. Em seu primeiro discurso fora da prisão, Lula reivindicou a rebelião no Chile e o exemplo dos chilenos. Entretanto, desde então é impossível citar uma única ação concreta que o partido tomou para impulsionar a mobilização dos trabalhadores contra a agenda neoliberal. Essa é a ambiguidade intrínseca a um partido reformista e de conciliação de classes como o PT. Na oposição, o partido busca capitalizar retoricamente os exemplos de luta, não para impulsionar a organização e resposta da classe trabalhadora, mas para se posicionar à frente dos movimentos se preparando para conter qualquer mobilização que venha a surgir.

Dessa forma, o critério subjetivo apresentado por Lula para caracterizar um protesto como progressista ou reacionário, se uma manifestação é feita para conquistar direito ou não, se traduz na realidade em “estará sob controle burocrático do PT ou não”. A marcante espontaneidade do levante de 2013 assinalou justamente a ruptura desse controle burocrático do PT sob sua base social e o fim da hegemonia petista. É precisamente contra isso a revolta de Lula e do PT em relação a Junho de 2013.

Já em relação a esse novo ciclo de luta de classes que se processa na América Latina, vemos a outra face da ambiguidade petista: a tentativa de canalizar retoricamente, e estritamente na retórica, esse novo sentimento de revolta popular que desponta por todo o continente.

Entretanto, diferente da visão petista, não existe uma clivagem da primeira onda de luta de classes no continente, protagonizada pelo Brasil em Junho de 2013, e
essa nova onda presente nas massivas mobilizações contra Lenin Moreno e seu aumento dos combustíveis no Equador, no enorme rechaço às reformas neoliberais de Ivan Duque na Colômbia, na resistência ao golpe racista e reacionário na Bolívia, e principalmente nas jornadas revolucionárias no Chile. Tratemos de analisar detidamente cada um desses extremos e seus elementos de continuidade.

O que foi Junho de 2013?

Junho de 2013 foi um levante de massas, seguindo a onda de levantes internacionais como ocorreu na Espanha com o 15M, nos EUA com o Occupy Wall Street, no Mexico com o Yo Soy 123, na Primavera Árabe e levante estudantil no Chile. Todos processos resultantes da crise do capitalismo aberta em 2008 expressando o descontentamento social com o neoliberalismo, a carestia de vida e a desigualdade. Contudo carregando nas costas o peso de anos sem processos revolucionários, desorganização e fragmentação da classe trabalhadora, assim os movimentos - pesando algumas diferenças - eram marcados por uma composição social
policlassista, sem direção clara e sem métodos de luta tradicionais, desligado das estruturas de produção e estudantis. Primavam por grandes atos convocados na internet.

Diferente da farsa que Lula busca criar na entrevista, ainda que amplamente heterogênea, havia sim uma pauta de reivindicação por direitos desses setores. As aspirações sociais que se expressavam eram por serviços públicos de qualidade, como saúde, educação, transporte, e uma melhoria estrutural das condições de vida, sabendo que uma crise econômica começava a atingir o Brasil.

Quando Lula na entrevista fala no “ódio a politica, o ódio ao sindicato, o ódio à organização dos trabalhadores, o ódio à esquerda” que ele atribui à Junho de 2013, está diagnosticando o rompimento entre “representantes e representados” que já se gestava e que após estourar em manifestações de massas abriu uma nova etapa no Brasil, de crise orgânica, onde o governo e as direções tradicionais já não podiam dominar com os mesmos métodos de antes.

Enfim, Junho de 2013 representou a ruptura dos pilares da hegemonia petista, que alimentou o mito de que era possível o avanço gradual para tirar o país da pobreza, fazer do Brasil uma grande nação, com direitos sociais, sem lutas populares, sem questionar a propriedade privada e mediante a “gestão” social-liberal do Estado capitalista. O mesmo mito que Lula em cada um de seus discurso busca recompor, deixando de lado a nova etapa da economia capitalista mundial que não oferece as mesmas bases econômicas de outrora - o longo período de valorização das commodities e de crescimento global - que sustentaram enquanto possível esse mito.

Mesmo à época, a resposta do PT foi seguir alimentando esse mito, apostando nas suas alianças pragmáticas com a direita e na via da institucionalidade para tentar estancar essa crise do regime. Os sindicatos e as centrais sindicais, atreladas ao partido, se mantiverem a parte, engessados e impedidos de apresentar os métodos alternativos da classe trabalhadora, com greves e auto-organização, fruto da política consciente do PT de separação das lutas econômicas e lutas políticas.
Ainda assim, Junho abriu espaço para um levante expressivo do movimento operário, com um ascenso recorde de greves em 2014, conduzidas à revelia das direções burocráticas, como foram as greves de garis e rodoviários.

Além da resposta repressiva, que o PT por todo o país em cumplicidade com governadores da direita protagonizou, o partido não tinha soluções para apresentar. A persistência nessas ilusões resultaria na sequência no estelionato eleitoral, em que Dilma conseguiu se reeleger a partir de um discurso popular, mas no poder buscou satisfazer as reformas demandadas pela burguesia.

Em contrapartida, a direita se valendo da ausência do sujeito operário, soube se inserir nas manifestações civis e capitalizar para si apresentando seu programa reacionário de combate a corrupção, assentando as bases para a consolidação do autoritarismo judiciário que viria através da reacionária operação Lava Jato - essa sim planejada pela intervenção imperialista. Entretanto, essa intervenção crescente
da direita e mudança de composição social dos setores dos atos marca um momento posterior a Junho, em que já havia se consolidado sua derrota. São as marchas convocadas diretamente pela direita a partir de 2015, aí de fato golpistas.

A partir disso, e se recusando a mover suas bases operárias em torno de um plano
de resistência contra a aliança golpista que se formava entre mídia-parlamento-judiciário, o PT abraçou passivamente o caminho para o golpe.

Desde então foram seguidas e criminosas tréguas dirigidas pelas centrais sindicais que a custo de enormes derrotas objetivas e subjetivas da classe trabalhadora foram desacreditando os trabalhadores de seu gigante poder, relegando-os à passividade. O desmonte da greve geral de 2017 contra a reforma trabalhista repetido novamente em 2019 contra a reforma da previdência são alguns dos momentos mais simbólicos dessa política de desmonte das centrais.

O novo ciclo da luta de classes: o exemplo francês

O primeiro ciclo de levantes foi importante para o movimento de massas resgatar a perspectiva da mobilização como alternativa para a resistência da classe trabalhadora. Assim, esse novo ciclo de luta de classes, que se processa por toda a América Latina; ou no reavivar da “Primavera Árabe” na Argélia, Sudão, Iraque; e mesmo num país do eixo central do capitalismo como à França; já parte de uma posição subjetiva mais avançada da consciência da classe trabalhadora.

Precisamente na França onde podemos localizar o ponto inicial desse segundo ciclo de levantes, é possível depreender importantes lições para o movimento operário, e que também contrariam a tese petista. A irrupção dos coletes amarelos, um levante que se caracterizava mais uma vez pela espontaneidade do fenômeno e a heterogeneidade de sua composição social, trazendo como elemento novo uma impetuosa radicalidade, foi prognosticada por muitos analistas petistas, numa transposição de sua tese em relação à Junho, como a semente para o germinar da extrema-direita francesa, que já vinha se fortalecendo na figura de Marine Le Pen.

Passado mais de 1 ano de constantes mobilizações por parte dos coletes amarelos, presenciamos agora na França a maior greve de transportes da história do país, que segue por mais de 30 dias de mobilização, contra a reforma da previdência de Macron. Ao contrário do prognóstico dos analistas petistas o movimento espontâneo dos coletes amarelos não forneceu um campo fértil para o semear do reacionarismo da extrema-direita, que bem tentou intervir no movimento, porém, sem sucesso. A radicalidade dos Coletes Amarelos não foi em vão, pois não apenas fortaleceu e deu moral aos setores estratégicos do movimento operário, mas também trouxe o protesto e até os métodos históricos da classe trabalhadora a novos setores dos trabalhadores, deixados de lado por décadas pelas direções sindicais.

Logo no início da greve, Juan Chingo, correspondente do Revolution Permanente, seção francesa da rede de jornais La Izquierda Diario, escrevia as seguintes linhas analisando os primeiros passos da greve:

É claro que não estamos diante de apenas uma greve de pressão. Claro que é outra coisa. As bases haviam se desencantado com os dias de ação sem continuidade e com o fracasso retumbante da "greve intermitente" (que consistia em interromper o trabalho dois dias a cada cinco durante três meses) planejado pelas direções sindicais ferroviárias. Agora, inspirado pela revolta dos Coletes Amarelos e começando com a paralisação de um dia enormemente seguido em 13 de setembro nos transportes parisienses, e que mais tarde se espalhou para a SNCF com a onda de greves, está impondo outros métodos.”

O maior medo atual da burguesia francesa é que esse contágio do espírito dos coletes amarelos siga se expandindo no movimento operário, fazendo com que os proletários franceses, aqueles que ocupam as posições estratégicas dentro da cadeia de produção e distribuição da economia francesa, se radicalizem. A grande ferramenta da burguesia para impedir esse contágio segue sendo a burocracia sindical, na França capitaneada pela CGT, que se recusa a batalhar pela unificação desses setores da classe trabalhadora francesa.

Como evoluirá a luta de classes na França segue em aberto, se irão se consolidar ou não alianças mais sólidas entre as frações da classe trabalhadora francesa dos setores mais precarizados e dos setores estratégicos, permitindo liberar as energias revolucionárias latentes das camadas mais amplas do proletariado para vencer, mas o atual estágio de luta já serve de evidencia para refutar a tese petista que frente à qualquer irrupção espontânea e violenta das massas se prostra a prognosticar o iminente perigo fascista. Para nós cabe não só à inspiração na luta dos trabalhadores franceses que seguem buscando radicalizar a greve à revelia de suas direções sindicais, que estão dispostas a trair a greve frente a mínima concessão de Macron e do regime francês, mas também das melhores lições da tradição revolucionária, como citado pelo sociólogo Matias Maiello em artigo analisando as questões estratégicas postas frente à classe trabalhadora nesse novo ciclo da luta de classes:

Diante da questão de como harmonizar diferentes reivindicações e formas de luta dos trabalhadores da cidade e do campo, dos desempregados, das mulheres trabalhadoras, camponeses arruinados e os "milhões de necessitados e ignorados pelas organizações reformistas" quando tem início os grandes processos da luta de classes, Trótski sustentou no Programa de Transição: “A história já respondeu a essa pergunta: por meio dos sovietes".

Os sovietes unificarão os representantes dos distintos setores em luta. Ninguém propôs outra forma de organização distinta para alcançar esses fins, e parece impossível inventar uma forma melhor”. Hoje, mais de 80 anos depois de escritas essas palavras, outra forma melhor e mais democrática não foi inventada, a despeito do pós-marxismo de Laclau. É por isso que segue vigente o apontamento de Trótski de que não pode existir nenhum programa revolucionário sem a proposta de criar organismos de auto-organização e a frente única de massas como os "sovietes" ou conselhos.”

É necessária uma organização política revolucionária capaz de moldar a vanguarda através de cada uma dessas situações e momentos da relação de forças. E, dessa maneira, forjar suas próprias correntes nos sindicatos, no movimento estudantil, das mulheres, nas organizações de massa, na perspectiva de desenvolver organismos de auto-organização (Conselhos), capazes de articular volumes de força para combater com sucesso as burocracias e romper as fronteiras que mantêm a própria classe trabalhadora e seus aliados divididos.


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