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Pandemia | Governo do MAS adota punitivismo sanitário diante de novo surto de pandemia na Bolívia

Apresentamos a seguir uma declaração da Liga Obrera Revolucionária, organização irmã do MRT, publicada no La Izquierda Diario Bolívia como parte da Rede Internacional do Esquerda Diário.

domingo 9 de janeiro de 2022 | Edição do dia

O governo de Luis Arce Catacora, em 22 de dezembro de 2021, por meio dos Decretos Supremos 4640 e 4641, regulamentou a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19 ao exigir o porte do Cartão de Vacinação e para quem não deseja ou não pode se vacinar, é necessária a apresentação do teste RT-PCR negativo com validade máxima de 48 horas. Essa situação ocorre em meio a uma nova onda de infecções que, segundo os especialistas, atingiria seu pico em 3 semanas. A verdade é que o número de infecções, cujo epicentro é em Santa Cruz, ultrapassou em muito os recordes das 3 ondas anteriores. Embora ressaltem que no momento não foi registrada a presença da variante Omicron no país, a situação é novamente bastante delicada. Além disso, foi informado recentemente que um médico de Santa Cruz assegurou que o primeiro caso de flurone [1] havia sido registrado na Bolívia.

Com os decretos mencionados, o governo de Arce adota uma política e medidas punitivas, ou seja, passa a aplicar sanções ao cidadão comum para enfrentar a pandemia. Cabe lembrar que a obrigatoriedade das vacinas foi levantada pelo prefeito de La Paz e ex-ministro golpista, Iván Arias, bem como pelo "Creemos", partido do golpista Luis Fernando Camacho e finalmente adotado pelo Movimento pelo Socialismo (MAS). No entanto, a mera exigência de vacinas ou testes de PCR estão longe de resolver o problema (nem o confinamento militarizado na época), pois continua a negligenciar a urgência de enfrentar o problema estrutural do sistema de saúde.

Isso não nega a importância das vacinas. De fato, por isso mesmo, desde o La Izquierda Diario iniciamos e mantemos uma campanha de quebra de patentes de vacinas para não depender dos miseráveis ​​mecanismos de doação de vacinas e menos para pagar milionárias somas para obter doses dos grandes aproveitadores transnacionais da pandemia. A liberação das patentes permitiria a produção de vacinas sem estar atrelada aos negócios dos laboratórios e, assim, iniciar um plano real, eficaz e informado de vacinação em massa. Embora a vacina não impeça a pandemia, é uma ferramenta de prevenção destinada a reduzir as formas e complicações graves da Covid-19 e isso foi comprovado. Não à toa, segundo fontes recentes, a letalidade no país teria caído de mais de 6% na primeira onda para 0,8% hoje. Além disso, de acordo com informações oficiais, das mortes da Covid nesta nova onda, pelo menos 80% são pessoas que não foram vacinadas e também os poucos espaços de terapia intensiva são ocupados quase inteiramente por pessoas não vacinadas. Isso até levou um grupo de médicos na França a “se perguntar” se pessoas não vacinadas deveriam ter acesso a uma UTI, brutal.

O punitivismo sanitário, promovido por esses decretos, se expressa na impossibilidade de acesso aos direitos básicos, supostamente garantidos pela Constituição Política do Estado (CPE). Aqueles que não cumpram não poderão entrar em instituições públicas, privadas ou financeiras, o que significa que as pessoas não poderão pagar por serviços básicos ou receber salários, aluguéis ou bônus entre outras transações bancárias vitais. É o caso, por exemplo, de um aposentado que não conseguiu sacar a aposentadoria ou pagar suas dívidas ao fazer greve de fome na porta de um banco de Santa Cruz. Também não é possível ter acesso a serviços de justiça, inclusive serviços de saúde ou centros de trabalho, como é o caso dos porteiros que foram impedidos de entrar no terminal de Cochabamba para trabalhar. Você não poderá entrar em shopping centers, mercados, supermercados, unidades educacionais, universidades, institutos técnicos e instituições de ensino em geral, locais de diversão e recreação, entre outros. Da mesma forma, o uso do transporte público para viagens interprovinciais e interdepartamentais é restrito, o que afeta principalmente os setores populares que realizam suas atividades econômicas com deslocamento permanente de um lugar para outro.

Agora, com as portarias, o governo estaria dando a opção de que aquelas pessoas que não se vacinassem tivessem a opção de apresentar um teste de PCR que, por exemplo, para o local de trabalho envolve um teste quase a cada 3 dias. Isso sem dúvida é uma loucura que é rejeitada por toda a população e, portanto, dificilmente levada em conta. No entanto, é o que estabelece a norma. A opção é, portanto, falsa. Não só porque, como já falamos, isso significaria que uma pessoa teria que fazer esse teste praticamente a cada 3 dias! Mas também porque, como sabemos, os testes de PCR são caros (seu custo varia de US$ 70 a US$ 100) e só são gratuitos em casos de suspeita de Covid ou em aeroportos por motivos de viagem; apenas os testes de antígenos nasais são gratuitos, mas a regra exige PCR. Em todo caso, embora essa opção permaneça no papel porque é impossível, em última análise, reflete que quem se beneficiaria com ela são os laboratórios privados que não pararam de fazer grandes negócios com a pandemia.

O problema de querer resolver uma situação tão crítica como a que se vive com esta política, é que tende justamente a reforçar o caráter punitivo do Estado. Tudo o que não foi feito, como, por exemplo, promover massivas campanhas de informação para que se compreenda a importância das vacinas e que o seu valor na prevenção do vírus seja cientificamente conhecido, pretende hoje ser simplificado pelo carácter obrigatório. O problema com isso é, como estamos vendo, que tentar impor uma medida contra a vontade de grandes setores populares só gera rejeição massiva com respostas combinadas. Por um lado, aqueles que acabam se vacinando por desespero e que está fazendo transbordar os pontos de vacinação com filas infinitas, e por outro, aqueles que, longe de aceitarem, estão radicalizando sua rejeição de não se vacinarem, ameaçando mobilizar e exigir a anulação da medida.

Essa situação pode se transformar em um bumerangue que pode acabar fortalecendo a direita e o movimento anti-vacinal reacionário.

Um exemplo disso foi a entrevista coletiva de ontem, quando setores de El Alto e dos Professores Rurais deram ao Governo um prazo de 24 horas para revogar o decreto que exige a carteira de vacinação ou o teste de PCR. Dias antes, em 31 de dezembro, a Federação Camponesa Tupac Katari, a Federação de Mulheres Camponesas “Bartolina Sisa” e as federações La Paz de Interculturais, ayllus e markas e Cofecay divulgaram um comunicado conjunto que em suas partes principais indica: “Por unanimidade, do acordo interinstitucional do departamento de La Paz exigimos a revogação dos Decretos Supremos 4640 e 4641, que são decretos inconstitucionais por terem sido emitidos sem prévia consulta ou socialização do povo boliviano”. Além disso, o documento também prevê exigir a destituição do ministro da Saúde, Jeyson Auza, por não socializar a Lei, uma vez que qualifica que se trata de uma decisão arbitrária. Na mesma linha, a Comissão Cívica de El Alto, chefiada por Gregorio Gómez, exigiu a revogação de ambos os decretos e a destituição do Ministro da Saúde. Por sua vez, os sindicatos e as fábricas falam em um prazo de 72 horas para o governo revogar essas medidas. E mais recentemente, a federação de jovens camponeses das 20 províncias do Departamento de La Paz também aderiu à demanda de revogação e anunciou medidas.

Quem são os que não se vacinam?

Partindo do fato de que a vacinação em massa reduz significativamente as consequências da Covid. E isso é um fato científico comprovado pelas centenas de milhões de doses já aplicadas que tiveram o efeito de reduzir significativamente a mortalidade e as complicações. E que para acabar com essa pandemia é necessário e fundamental vacinar o maior número de pessoas possível. No entanto, vemos que, na realidade, um setor importante da população se recusa a ser vacinado.

Este é um grupo altamente heterogêneo. Algumas vozes que se ouvem desde o início da crise de saúde e o surgimento da vacina, principalmente em relação à sua eventual obrigatoriedade, reivindicam a liberdade individual, rejeitando por princípio qualquer reflexão coletiva sobre a crise de saúde. Outros tendem a rejeitar qualquer vacinação, num contexto de desconfiança antivacinas que vem de longe, devido aos escândalos de saúde que existem há várias décadas, acentuados pela gestão catastrófica e errática da crise sanitária. Tendências que podem levar a soluções individuais que só podem ser contraproducentes para resolver a crise de saúde.

Ou seja, se encontra desde grupos marginais e pequenos do movimento antivacinas e aterramentos, seguidos das igrejas evangélicas e grupos católicos que fizeram parte do golpe. Mas também existem setores populares muito amplos no campo ou em bairros operários ou cidades intermediárias que expressam desconhecimento ou uma desconfiança saudável e legítima em relação às políticas do Estado e dos comerciantes da saúde. Pois existe uma longa história de casos de pessoas e até crianças que foram utilizadas como cobaias. Vamos apenas lembrar a "Aliança para o Progresso" de Kennedy, que esterilizou milhares de mulheres camponesas no Peru e na Bolívia sem seu consentimento. Ou a discriminação sofrida por pessoas de origem indígena e setores humildes quando vão a um posto de saúde. Portanto, a desconfiança na vacina de amplos setores populares é mais do que justificada.

O caráter imperativo dessas portarias teve que ser um pouco matizado, hoje, por meio da Resolução nº 001/2022 do Ministério do Trabalho e Emprego que esclarece que nenhum trabalhador pode ser demitido por não apresentar a carteira de vacinação no ingresso no trabalho. No entanto, não esclarece o que acontecerá aos trabalhadores que não estiverem em condições de apresentar o teste PCR a cada 3 ou 4 dias.

Toda essa situação mostra que o governo de Arce, assustado com o crescimento geométrico das infecções, optou por descarregar a responsabilidade do combate à pandemia nas costas da classe trabalhadora. Ou seja, a política de culpar a população continua sem reconhecer que a verdadeira solução é fazer uma transformação integral em todo o sistema de saúde, pois pela sua precariedade corre o risco de voltar a desabar por falta de pessoal, insumos, infraestrutura, medicamentos, etc. E tenhamos em mente que tudo isso está acontecendo antes que a variante Omicron entre.

Por uma resposta operária e popular para fazer frente à pandemia

Desde a Liga Revolucionária dos Trabalhadores pela Quarta Internacional (LOR-CI), organização que promove o La Izquierda Diario na Bolívia, já no início da pandemia levantamos a necessidade de uma mudança profunda em todo o sistema de saúde ao mesmo tempo em que atuamos contra as necessidades imediatas exigidas pela pandemia, como a distribuição massiva de medidas de biossegurança para os trabalhadores da saúde, mas também para a população em geral, exames massivos de prevenção e detecção de infecções, entre outros. É por isso que estamos do lado oposto dos antivacinas ou das igrejas que só querem que esses decretos sejam eliminados, mas querem continuar fazendo negócios com as clínicas privadas que controlam.

Por outro lado, a rejeição dos decretos por parte das organizações camponesas, operárias e populares não vai além de exigir a revogação desses decretos sem discutir uma solução fundamental para a crise do sistema de saúde e sem sequer questionar o negócio dos laboratórios privados com os testes PCR. Isso se expressa, por exemplo, na posição da federação de jovens camponeses do departamento de La Paz que, na hora de exigir a renúncia do ministro e a revogação dos decretos, pede também que seja certificada a medicina tradicional, uma vez que se certificam as vacinas “ocidentais”. A medicina tradicional também deve ser certificada. Essas visões, além do perigo de subestimar a pandemia, têm em comum a preservação do “sistema misto de saúde” promovido pelo MAS, que tem permitido o enriquecimento do setor privado de saúde, o declínio das previdências e de seguros, e o desmantelamento do mal chamado sistema de saúde público que na verdade é semiprivatizado porque basicamente você tem que pagar tudo quando se trata de exames, estudos, até remédios.

Diante desse cenário, queremos propor às organizações de trabalhadores, do campo e da cidade, de bairro e popular, de mulheres e de dissidentes e diversidades de gênero, a associações de pacientes com câncer, de pessoas com deficiência, entre outros, os seguintes pontos para começar a discutir seriamente uma saída para a profunda crise de saúde no país e a ameaça representada pela quarta onda da pandemia:

  • Em primeiro lugar, apelamos às organizações de trabalhadores, camponeses e populares para que incentivem a vacinação em massa junto com a demanda por testes PCR gratuitos para prevenir a violação de direitos.
  • Precisamos nacionalizar, sem indenização, todo o sistema privado de saúde, a começar pelos laboratórios, clínicas e empresas farmacêuticas que não deixaram de lucrar e continuam a lucrar à custa da vida e das necessidades das pessoas. A medida vai garantir testes de PCR gratuitos para toda a população, além de acabar com a facilitação que essas portarias estão fazendo para a obtenção de grandes lucros por parte desses mercadores de saúde.
  • Para que a nacionalização seja posta a serviço das grandes maiorias populares e não da corrupção e dos negócios de uma burocracia estatal, seja ela oficial ou da oposição, que se enriquece como no caso dos chamados "itens fantasmas" , deve estar sob a gestão e controle coletivo dos trabalhadores de base, que poderão distribuir os recursos de acordo com as necessidades sociais e a serviço do salvamento de vidas e não do lucro privado.
  • A entrega geral de itens é urgente, e a aprovação da Lei Geral do Trabalho para acabar com todas as normas e leis que tornaram o trabalho precário e flexível no setor saúde e que tanto golpistas, liberais e massistas estabeleceram e têm obstinação em defender com a colaboração da burocracia da Central Obrera Boliviana (COB) e das escolas médicas.
  • Somente sob a direção de enfermeiras e enfermeiros, trabalhadores manuais, de limpeza e alimentação, e profissionais honestos podem ser dados passos nesta direção. Hoje os sindicatos endossados ​​pela burocracia da COB só reconhecem os trabalhadores da saúde com itens, esquecendo-se das dezenas de milhares de trabalhadores precários ou desempregados. A gestão coletiva de um novo sistema de saúde por seus trabalhadores em conjunto com as comissões de familiares e pacientes permitirá o estabelecimento de um sistema de saúde democrático a serviço da satisfação das necessidades sociais e não do lucro do negócio com a vida.
  • Dirão que não há recursos, porém, já levantamos em várias reuniões de saúde, a necessidade de lutar por um aumento substancial do orçamento para saúde e educação, reduzindo os recursos destinados à repressão, ou seja, das Forças Armadas e a Polícia que são os agentes centrais do golpe e dos massacres de trabalhadores e camponeses durante 2019. Só com uma profunda transformação de todo o sistema de saúde pode-se avançar no convencimento de setores que ainda desconfiam das vacinas, e não com o punitivismo liberal -estalinista do Governo MAS.

[1] A Flurona é uma doença que é a combinação de alguma variante do Covid-19 com a gripe, geralmente o H3N3. Essa combinação torna a situação mais séria, pois intensifica os sintomas.




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