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Giorgio Romano: “Essa esquerda demonstrou uma completa falta de capacidade de analisar o caráter do governo do Putin, é uma preguiça intelectual” (parte 2)

Daphnae Helena

Giorgio Romano: “Essa esquerda demonstrou uma completa falta de capacidade de analisar o caráter do governo do Putin, é uma preguiça intelectual” (parte 2)

Daphnae Helena

Como já publicamos em uma primeira parte, o Ideias de Esquerda entrevistou Giorgio Romano, Professor Associado na Universidade Federal do ABC (UFABC). Atua principalmente nos seguintes temas: Economia Política Internacional, Geopolítica da Energia, China, Política Externa Brasileira, Integração e Economia Brasileira Contemporânea. Esta entrevista ao Ideias de Esquerda foi concedida a Daphnae Helena, mestranda em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp e entrevistadora do IdE. Nesta parte, tratamos da caracterização de Putin e sua política e das relações entre Rússia e China.

Ideias de Esquerda: As organizações na esquerda brasileira e mundial vêm tomando diferentes posições em relação à Guerra da Ucrânia, alguns desses setores acabaram assumindo uma posição pró-Putin. Como você vê essas posições, tendo em vista o papel interno e regional do presidente russo?

Eu acho que as pessoas confundem um pouco. Não é porque ele chama Vladimir [Putin] que tem alguma coisa com aquele outro Vladimir [Lenin]. Não é porque ele é inimigo do meu inimigo que ele é o cara. Eu acho que essa esquerda demonstrou uma grande capacidade de criticar a OTAN e o Ocidente, com toda razão. Mas demonstrou uma completa falta de capacidade de analisar o caráter do Estado russo, o caráter da elite russa, o caráter do governo do Putin. É uma preguiça intelectual. Eu escrevi, em 2010, um estudo sobre como o Putin conseguiu dar a volta por cima com um setor [de petróleo e gás] totalmente entregue para a privatização selvagem. A gente chamava, na década de 1990, [as privatizações] aqui no Brasil, de privatização selvagem, mas em comparação com a Rússia não foi nada selvagem. Privatização selvagem aconteceu na Rússia na década de 1990. E o Putin reage, ele reconstrói o Estado, ele renacionaliza parcialmente. Não nacionaliza todo o petróleo e gás, porque 50% ficam na mão do [capital] privado, tanto é que a Shell, BP, Exxon estavam todas, atualmente, se retirando de lá. Mas elas se retiram agora, depois elas voltam. Daqui um ou dois anos capaz que esteja todo mundo lá de volta, porque são grandes recursos que tem na Rússia.

Bom, dito isso, existe uma coisa que eu chamaria de ciclos, com a ascensão e a decadência das lideranças políticas. Na ascensão, você tem um projeto político para o país em sintonia com os interesses do povo. O Putin tem uma história, está totalmente explicado porque ele tem tanto apoio popular. Mas chega um momento em que isso se esgota. O crescimento do PIB da Rússia é pífio nos últimos anos, em torno de 2%, não tem investimento em tecnologia, [o país] não participa da quarta revolução industrial tecnológica. É tudo [baseado] na grande questão que é ter a melhor diplomacia do mundo e saber usar os recursos de poder - a energia e a indústria bélica- como nenhum outro. Mas isso tem prazos curtos. O que ele [Putin] tem a oferecer para a sociedade russa? O nacionalismo.

Quando vemos os primeiros anos do Putin, não vemos essas declarações contra os gays, pela família. O enorme apoio [popular] do início é porque ele reconstruiu [a Rússia]. Mas uma vez que fez isso, para continuar aí [no poder], ele fez esse acordo com a Igreja cristã ortodoxa e muito conservadora nesses valores da família etc. A partir daí vem toda aquela coisa que foi o primeiro grande movimento, inclusive na Europa, de indignação - por onde ele ia na Europa, tinha grandes movimentos. Mas não é uma coisa especifica, entendeu? Não, essa política dele com os gays é o topo do iceberg, é uma política que é a visão dele do Estado para manutenção da sua liderança. Então, por isso que eu falo, o que ele tem a oferecer? O que ele quer? Quer ficar mais tempo no poder. Depois de vinte anos, tem fadiga material, é óbvio que tem.

Pega o discurso dele [Putin] de 2007, o famoso discurso na Conferência de Munique na Alemanha -que todo mundo tem que ler para entender como a coisa é. [Esse discurso] é assim de um nível de estadista, onde ele acusa o Ocidente, a arrogância dos Estados Unidos, é perfeito. Todo mundo, inclusive o Ocidente, reconheceu o Putin. Porque o Ocidente, a Europa, tinha respeito pelo Putin. Se tivesse sido feita uma sondagem na Alemanha durante a época do Trump, do tipo de quem você gosta mais, o Putin tinha ganhado de lavada. Então, você compara esse discurso de 2007 com essa fala que ele fez no mês passado, quando culpa o Lenin de ter colocado sementes do nacionalismo e que foi sacrificado o Império Russo. Império Russo... gente! Eu olhava aquilo e falava não é possível... Não é possível, entendeu? Eu até pensei, será que ele bebeu? O que está acontecendo... Porque não tem limite. Se você diz que a Ucrânia não tem história, se você diz que a Ucrânia não tem razão de existir, então o que você quer é anexar a Ucrânia? [Um país] com 40 milhões de pessoas? Donbass tem 3,5 milhões de pessoas, isso é uma coisa. Mas a Ucrânia inteira? Ninguém poderia imaginar, ninguém poderia imaginar que ele iria bombardear. Quem falava isso era o Biden e todo mundo achava que era uma propaganda dos Estados Unidos, porque a inteligência dos EUA sempre erra, então será que uma vez na vida eles estariam certos?

Então, o que o Putin fez tem a ver com a fase de decadência do regime dele e com o fato dele estar convencido demais, porque como deu certo na Síria, deu certo em 2008, deu certo em 2014. Mas agora não deu certo, ele se meteu numa encrenca e começam a aparecer as contradições. A política dele era criar um tipo de versão russa, década de 2000, do estado desenvolvimentista. Os oligarcas, ou melhor dizendo, os mega capitalistas russos que estavam dispostos a aceitar o comando de Putin eram bem-vindos e, quem não aceitava, era expulso ou assassinado. Ou seja, há uma política clara que não é contra os mega capitalistas, mas há um estado que orienta. Só que tudo voltado para a reprodução de poder dele, não tem um partido ou uma visão da sociedade. Não estou tentando aqui defender a China, mas apontar que tem diferenças muito grandes nisso.

Eu acho que ele está na fase de decadência e que vai ser cada vez mais difícil [se manter no poder] e, por isso, ele tem que diminuir ainda mais a liberdade de imprensa e o acesso às informações. O que passa na televisão russa são imagens de tanques russos sendo aplaudidos e recebidos com flores etc. Antes da Ucrânia, o Putin não tinha nenhum problema, todo mundo poderia ver que a Rússia entrou [nos países] e foram recebidos com aplausos e o Ocidente não fez nada. O Putin não censurou nada durante a guerra da Crimeia porque era para ver mesmo o que acontecia. Mas agora não, agora ele não tem discurso que justifica. Não estava na agenda da Ucrânia entrar na OTAN. Era absolutamente óbvio que não ia entrar na OTAN. A Merkel deu o veto em 2008 e repetiu o visto em 2014 e 2015. Então, concentrar tropas para obrigar a retomar os acordos de Minsk, era isso que a gente imaginava que ia acontecer, que ele iria declarar as repúblicas independentes no modelo da Georgia, depois entrar com as tropas. Mas bombardear Kiev? Bombardear uma população inteira? Eu acho que essa esquerda brasileira que tenta justificar ou até aplaudir -que é o que mais me deixa boquiaberto-, eles têm um problema de origem que é uma visão errada do estado russo. Hoje, é um estado autoritário que serve para a reprodução do Putin e da elite em torno dele. E a elite fica ainda em torno dele porque esses mega capitalistas sabem que eles dependem do poder político do Putin, então é difícil para eles se distanciar.

IdE: Você acha que esse momento de decadência pode gerar protestos na Rússia?

Então, já tem mais de 10 mil pessoas na prisão. Não é pouca coisa. Eu estava vendo uma entrevista com um dissidente, com um intelectual que está ainda na Rússia, e ele disse que tranquilamente o Putin ainda tem 70% de apoio. Eu acredito nisso mesmo. Mas isso pode diminuir muito rapidamente, muito rapidamente. A gente já viu na história isso. Quando começa a perceber que não é aquela coisa gloriosa. Veja, qual é a reivindicação russa? É confuso. Seria a Ucrânia não entrar na OTAN? Isso não estava na agenda. “Ah, quero um papel registrado em cartório”. Mas você invade um país por causa disso? Se você quer a independência de Donbass, para isso não precisava ter invadido o país inteiro. Se você quer derrubar o governo, mas aí você entrar com exército e tudo é um golpe realmente, você nem usa substitutos. Ou seja, não é que você apoiou um militar da Ucrânia para derrubar o governo. O Putin até fez um apelo, mas como os militares não atenderam o apelo, ele mandou os militares dele para derrubar o governo. Então está muito confuso e o Putin se colocou numa encrenca.
A minha divergência com essa turma do “oba-oba Putin” é primeiro uma preguiça intelectual para analisar melhor o que está acontecendo na Rússia e qual é, hoje, o significado do Putin, do grupo e da elite do Putin e a posição da Rússia. E, segundo, mesmo [partindo da visão] de que você aplaude porque isso ajudaria a enfraquecer o Ocidente em decadência, e uma vez que o Ocidente caia, nós somos libertados. Doce ilusão, mas vamos supor que é isso. O que o Putin fez até agora? Ele enfraqueceu a OTAN? Não! Ele foi fortalecer a OTAN, ela nunca foi tão forte quanto é hoje. A população da Europa estava cansada da OTAN, muita gente se perguntava para que a OTAN. Mas agora, na Finlândia, por exemplo, o apoio à OTAN que nunca superou 20%, mesmo depois da invasão da Georgia e da ocupação na Crimeia, hoje está acima de 50%. Hoje, 50% da população da Finlândia tem medo de uma invasão da Rússia. Isso nunca ocorreu. Ou seja, é real, não são os Estados Unidos, de cima para baixo, influenciando o mundo. Não, a opinião pública europeia está chocada porque ninguém imaginava que o Putin faria isso. Se ele tivesse se limitado a Donbas, ainda dava para virar a página, mas não dá mais, entendeu? O que ele fez? Ele fortaleceu o Biden, o Zelenski, a OTAN.

Então, mesmo supondo que o Putin fizesse parte desse lado certo da história, pelo menos de forma tática, ele está errando feio, porque agora tem mais OTAN na fronteira dele, tem mais apoio popular à OTAN, tem mais orçamento para a OTAN . A Alemanha nunca concordou com 2% do PIB, a Merkel sempre enrolou os americanos, sempre. Nunca a Alemanha ia gastar 2% do PIB em armamentos. Mas agora, vai. Dois porcento do PIB da Alemanha faz uma enorme diferença, o PIB alemão é gigantesco. Então, mesmo se você não quiser concordar comigo sobre a caracterização dos interesses de classe do estado russo e com minha avaliação que está numa fase de decadência, que não está mais do lado certo da história, então pelo menos do ponto de vista tático, é um erro grotesco. Porque ele não tem como sair dessa, ele não vai poder virar a página e é claro que os EUA e a Inglaterra, sobretudo, estão jogando lenha na fogueira para que ele frite mais.

Vou te dar outro exemplo. Tem um cara que chama [John] Mearsheimer, é um desses intelectuais das relações internacionais dos Estados Unidos, que são conhecidos como teóricos, mas na verdade ele só faz teoria sobre os interesses dos EUA. Em 2015, ele fez palestra sobre a crise da Ucrânia na qual falava de 2014. Esse vídeo tem milhões de visualizações. Nesse vídeo, ele culpa todo o Ocidente, diz que é um absurdo querer avançar o Ocidente até a Ucrânia, que a Ucrânia tem que ser independente. Diz que o interesse dos EUA é uma Ucrânia independente, que eles têm que agradar a Rússia já que o inimigo [dos EUA] é a China. E ele diz que o Putin é um estrategista. Esse vídeo é muito utilizado para mostrar que até ele afirma que é culpa do Ocidente. Mas se você assistir o vídeo, em dois momentos ele fala claramente que o Putin jamais vai invadir a Ucrânia inteira, porque isso seria o fim do Putin. Ele fala que se você quer acabar com o regime do Putin, você tem que incentivar ele a invadir a Ucrânia inteira. Mas ele afirma que isso não iria acontecer porque o Putin é um estrategista. É exatamente isso que ele [o Putin] fez, entendeu?

Por último, o Putin sempre foi uma pessoa sem escrúpulos, ele opera sem escrúpulos. Para o Putin, se alguma força política serve para atrapalhar o Ocidente, criar confusão ou se uma força política ajuda a enfraquecer o regime nos Estados Unidos, ele apoia. Por isso, na Europa ele apoia toda a extrema direita, ele apoia o Salvini na Itália, ele apoia [Thierry] Baudet na Holanda, ele apoiou o Brexit, ele apoia a Marine Le Pen, agora ele apoiou o Éric Zemmour na França. Esse é o Putin. As pessoas que ficam aplaudindo, não entendem isso. E se o Putin resolve, nessa lógica, que o apoio ao Bolsonaro é mais interessante, ele vai apoiar o Bolsonaro e aí a gente vai entender por que o Carlos Bolsonaro estava lá na missão. Não estou dizendo que isso está acontecendo, mas pode acontecer. É absolutamente possível porque é assim que funciona o Putin. O Bolsonaro pode ser mais encrenca para o Biden do que o Lula, essa é uma avaliação que o Putin pode vir a fazer. Esse apoio a Viktor Orban na Hungria, a Salvini na Itália, a Marine Le Pen, as pessoas têm que entender o que é isso. De onde vem isso? É uma lógica sem escrúpulos. E mesmo se você disser que os meios justificam o fim, mas qual é o fim? É a reprodução do poder do Putin. Então mesmo se achar que o Putin pelo menos enfrenta o Ocidente. Aí eu digo, então ele errou taticamente. Mesmo supondo isso. Ele errou porque ele está fortalecendo a OTAN, o Biden, o Ocidente.

Então quero deixar claro esses dois níveis. Primeiro a análise do que a Rússia é hoje, o que é o Estado, o Putin, qual a coalizão, o que ele representa e para onde ele vai. E depois, do ponto de vista tático, mesmo sugerindo que ele faz parte de um bloco anti-hegemônico, então ele errou porque ele está fortalecendo a OTAN, vai ser mais OTAN e não menos. E a ideia de que o Ocidente está em decadência é errada. O Brejenev achava isso em 1979 quando ele invadiu o Afeganistão. Em 1979 que era Revolução Sandinista, Revolução no Irã, desdobramentos do Vietnã, toda crise, todo mundo falava do fim do império americano, aí o [Leonid] Brejnev diz que vai entrar no Afeganistão e deu no que deu, é um dos fatores para o início da queda da URSS. Hoje eu comparo mais com 1979 do que com 2008 e 2014, a invasão na Ucrânia.

IdE: Como você avalia a aliança entre Rússia e China, não só à luz da Guerra atual, mas também tendo em vista fissuras e contradições que possam surgir entre ambas de um ponto de vista mais estratégico?

As contradições já existem, é o ponto de partida. A China nunca vai confiar 100% na Rússia. Eles sabem que a Rússia só se aproximou porque não foi aceita na festinha do Ocidente. A China sabe muito bem que o que a Rússia quer é ser reconhecida como uma força europeia, isso que eles queriam. A formação do Putin, é essa, de ver a Rússia como um país europeu. Hoje em dia, os europeus olham para a Rússia e veem um país asiático. O comportamento do ocidente, da União Europeia e, sobretudo da OTAN, é muito semelhante à relação da União Europeia com a Turquia. Chegou um momento que a Turquia disse que se a UE não quer, então, eu não sou europeu, vou ser líder do Oriente Médio e vocês vão ver o que é bom. É a mesma coisa com a Rússia, e a China sabe disso. O Putin não tem uma posição muito elaborada a partir de uma organização da sociedade diferente do Ocidente. Nada disso. Essa aproximação com a China é pragmática. Já a China, tem uma visão do que é necessário que o mundo respeite que a China tem outra história, que o Ocidente não pode ser os valores do mundo.

E tem coisas práticas, por exemplo, a Rússia vai sempre ficar um pouco paranoica com relação as pretensões da China lá na Sibéria, há terras lá que tem camponeses chineses cultivando lá. E você tem todos os conflitos na Ásia Central, que é um território disputado pelo Ocidente que está lá e você tem influência russa. Você viu a invasão da Rússia lá para ajudar o Cazaquistão, é um dia. Por que eles não ficaram mais de um dia? Porque a China não ia nunca aceitar. A influência da China na Ásia Central é um exemplo de onde você tem, claramente, interesses diferenciados. E nessa própria Guerra, o maior parceiro comercial da Ucrânia não é a Alemanha, nem os EUA, o maior parceiro é a China. A Ucrânia desde 2017 é membro da Rota da Seda chinesa. Se você olha no mapa, vai ver que, para o projeto Rota da Seda, a Ucrânia é essencial. Então, a China não gosta disso, eles defendem a integridade territorial. Porque se um outro país pode dizer que essas regiões suas são independentes, então amanhã alguém pode dizer que Tibet é independente, Xinjiang é independente. Sem falar de Taiwan que é mais complexo. A China não gosta.

A China trabalha com um enfraquecimento do Ocidente a médio e longo prazo, não amanhã. E existem tempos, porque eles estão crescendo e estão se fortalecendo e esperam até que eles realmente sejam o maior do mundo para aí forçar mudanças. A Rússia não, ela tem um tempo curto. Porque a Rússia não tem uma economia forte, não tem tecnologia, não participa da quarta revolução industrial tecnológica. Ela tem duas coisas estratégicas que é energia e a indústria militar. Mas qual o prazo de validade disso? Porque a China está em parceria, estão comprando a tecnologia militar da Rússia, mas eles vão fazer a mesma coisa que eles fizeram com o ocidente. Eles compram juntos e daqui a pouco a China tem sua própria indústria militar tecnológica mais avançada que a Rússia. É líquido e certo que isso vai acontecer. A China não vai depender da tecnologia militar da Rússia de jeito nenhum, eles vão ter sua própria tecnologia e vão ultrapassar a Rússia, não tenho a menor dúvida. Para você ter uma ideia a China tinha um PIB igual ao da URSS, no final da URSS. Hoje, o PIB da China é dez vezes o da Rússia.

Então o Putin sabe que ele já está há 20 anos lá, já tem fadiga material, que ele ainda tem grande apoio popular, mas está demolindo, de eleição em eleição diminui. E ele quer ficar mais 10 a 15 anos, ele não tem um comitê central, um congresso do partido para prestar contas. Por mais que o Xi Jinping faça culto à personalidade, ele tem uma estrutura política para prestar contas, o Putin não, é ele. O Putin sabe que o tempo dele é curto. Então, ele quer apostar na força que tem hoje, nos problemas que o Ocidente tem hoje, a arma da energia ainda muito forte hoje. Ele também sabe que isso dura mais 10 anos, talvez quinze anos, e depois acaba. A China não, sabe que a força dela cresce com relação ao Ocidente. Por isso que essa invasão com certeza não interessa à China. Quer dizer, pode até ir se relocalizando, isso gera um pouco de confusão, até para observar como o Ocidente reage. Por exemplo, o sequestro das reservas internacionais é uma coisa inesperada, porque significa que todo mundo vai ficar com o pé atrás. A Índia tem suas reservas nos EUA, a China tem suas reservas, o Brasil também. Então se o jogo é esse, significa que se a gente faz alguma coisa que eles não gostam, eles vão congelar as reservas? As reservas são exatamente a arma que tem para defender sua moeda nacional. Logo, o rublo caiu, as sanções que foram mais diretas para a população russa foram o sequestro das reservas internacionais, porque perde a confiança do rublo, cai a moeda, aumenta as pressões inflacionárias e o Banco Central aumentou a taxa de juros para 20%. Essa taxa de juros básica a 20%, a gente sabe, estrangula a economia nacional, então já fica tudo mais difícil.

A China está mais bem posicionada para negociar, eu acho que eles estão esperando o momento certo, acho que eles estão nos bastidores. O Xi Jinping pela primeira vez apareceu falando disso junto com o presidente da França e o primeiro-ministro da Alemanha, esse foi um encontro muito importante, a ideia chinesa de fazer o encontro com os europeus, sem o Biden. Além disso, ela ainda depende da importação de energia, então eles [os chineses] têm interesse nos gasodutos. Em 2014, quando teve a anexação da Crimeia e teve as sanções, uma semana depois a China fechou acordo da construção do gasoduto, que entrou em operação no ano retrasado, é o primeiro que leva diretamente gás da Rússia para a China. Agora eles estão falando em aumentar o uso desse gasoduto e criar um outro que passa pela Mongólia. Isso é interesse da China, que simplesmente aproveita da situação. Eles têm muito interesse em aumentar o gás. O petróleo, mais da metade do petróleo da Rússia já é vendido para a Ásia. Mas no petróleo é mais fácil ter outras fontes. Por exemplo, para a China interessa ter o maior número de fontes possíveis. Ela é a maior compradora do Pré-Sal, metade do que é exportado vai para a China. E são as empresas estrangeiras que exportam para a China. O Brasil já é o quarto maior exportador de petróleo para os chineses, é inacreditável, é uma coisa muito forte. Mas ela também compra do Oriente Médio, da Rússia. Ou seja, não é uma vocação lá, de ficar dependente da Rússia, a China não vai querer ficar dependente da Rússia, mas ela vai aproveitar. E a Rússia evidentemente tem uma enorme margem de negociação, quer dizer, os russos não dependem mais de vender para o Ocidente porque podem vender para a China que é um mercado gigantesco e precisa comprar gás e petróleo. A China é a maior importadora de petróleo do mundo.


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Daphnae Helena

Economista e mestranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp
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