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[Entrevista] “Enquanto Lula busca administrar a crise, Bolsonaro precisa dela para governar”, diz Fábio Barbosa

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[Entrevista] “Enquanto Lula busca administrar a crise, Bolsonaro precisa dela para governar”, diz Fábio Barbosa

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El Círculo Rojo, programa de rádio do La Izquierda Argentina, diário irmão deste Esquerda Diário, entrevistou Fabio Luis Barbosa dos Santos, sociólogo, historiador e professor da Universidade Federal de São Paulo e autor, junto com Daniel Feldmann, do livro "Brasil autofágico, aceleração e contenção entre Bolsonaro e Lula".

As eleições no Brasil foram o tema de discussão da semana. É o país mais importante do subcontinente e muitas coisas estavam em jogo nessas eleições. O bolsonarismo claramente veio para ficar. O que aconteceria com um retorno de Lula? Para falar de todo esse processo, estamos em comunicação com Fabio Luis Barbosa Dos Santos, sociólogo, historiador e professor da Universidade Federal de São Paulo, autor de vários livros sobre política e sociedade brasileira e que, junto com Daniel Feldmann, escreveu recentemente o livro publicado na Argentina, "Brasil autofágico, aceleração e contenção entre Bolsonaro e Lula".

Fabio, como você leu os resultados das eleições? Ficou surpreso como tantas pessoas?

Fabio: Sim, estou lhe dizendo que ficamos surpresos com [o que estava refletindo] as pesquisas, mas sentindo o pulso das pessoas, o resultado não é mais tão surpreendente.

Há muito mais expressão aberta de apoio ao bolsonarismo do que ao PT, ou seja, há todo o estigma do PT, que está associado à corrupção, e por isso ainda há algo do voto em Lula como voto de vergonha. Mas também há um pouco de medo: porque houve incidentes de violência contra simpatizantes de Lula na eleição. Assim, o clima, em geral, não era de triunfo avassalador. No entanto, as pesquisas apontavam a possibilidade de Lula vencer no primeiro turno, mas o que não se esperava é que Bolsonaro tivesse tantos votos. Há hipóteses para explicá-lo. Uma delas é que também há muita vergonha de votar em Bolsonaro, caso contrário não se explicaria pelos parâmetros convencionais da política. Mas me parece que no fundo ainda existe aquela rejeição ao PT, que ao mesmo tempo é uma rejeição ao que chamamos de Nova República. A Nova República é o período que se seguiu à ditadura no Brasil, na década de 1980, com a promessa de integração cidadã. Uma promessa que foi frustrada e é, ao mesmo tempo, uma frustração com a democracia.

O que identificamos é que o bolsonarismo condensa ou dá sentido a uma energia social, que é produzida pela mesma sociabilidade que coloca as pessoas umas contra as outras. Isso é o que chamamos de dinâmica autofágica. Daí o título do livro que é "Brasil autofágico". Assim, diante dessa dinâmica que domina cada uma das esferas da vida, o bolsonarismo navega com essa dinâmica.

Enquanto o PT, diante dessa dinâmica, propõe conter a violência [autofágica] por meio de políticas sociais (Bolsa Família, etc.), Bolsonaro diz que "a vida é assim, é uma selva, é uma luta de todos contra todos. Os que vão sobreviver melhor são os que se armam e os que estão conosco". Então esse desejo de autoritarismo, essa saída violenta e autoritária, que ao mesmo tempo é paternal, porque [Bolsonaro] se projeta como uma figura que vai salvá-los, está se condensando mais rápido do que se imagina.

Parece-nos que a dinâmica social, a tendência, é que fenômenos políticos semelhantes a Bolsonaro aconteçam no Brasil mesmo que Lula vença.

No livro você fala do par “aceleração e contenção”, que é a ideia de que a direita governa acelerando a crise, com a crise ao fundo, e que os chamados governos nacionais populares tentam contê-la. Mas você diz que o que vem acontecendo nos últimos anos, o que aconteceu com Lula e os progressistas latino-americanos, é que essa contenção, que contém hoje, acelera amanhã. Por que você não explica essa ideia para nós um pouco?

Fabio: Os governos progressistas encontram uma situação de crise social que eles não criaram, que os precede e que também é uma crise global, mas diante dessa crise o que eles propõem é contê-la. Por que dizemos conter? Porque não é uma mudança estrutural na sociedade. Ao contrário, a contenção da crise no século XXI implica em políticas que, além da intenção dos governantes, acabam por produzir uma aceleração da crise. Damos muitos exemplos no caso brasileiro.

Vou citar um que talvez seja o mais didático, pensemos na figura de Michel Temer. Ele foi vice-presidente do Brasil [no governo de Dilma Rousseff] e foi o principal articulador do golpe que depôs Dilma Rousseff em 2016. Agora, uma pergunta, mas como Temer acabou nessa posição de vice-presidente? Pois é, Temer é do MDB, que na época, no primeiro mandato de Lula, era o maior partido, o que tinha mais deputados. Durante o terceiro ano do mandato de Lula, explodiu um escândalo, uma acusação de que a presidência pagava "mensalidades" a deputados de pequenos partidos para ter seu apoio no Congresso. O PT então reagiu a essa crise convocando o PMDB para ser sua base de governo no parlamento, e parte desse acordo era que lhe dessem ministérios e também a vice-presidência. Então, o que inicialmente foi uma resposta para conter aquela crise política acabou fortalecendo o PMDB e o próprio Temer, que anos depois seria um ator fundamental para acelerar a crise e defenestrar o PT.

Podemos pensar também, por exemplo, nos militares que no primeiro governo Lula são enviados ao Haiti para comandar uma missão de intervenção da ONU, a MINUSTAH. O pensamento de Lula era que isso fazia parte de um projeto para tornar o Brasil um "Global Player", um ator importante na geopolítica internacional. No entanto, esses soldados voltaram do Haiti com uma ideia diferente, com a ideia de desenvolver e experimentar formas de gestão violenta de populações empobrecidas, e quando voltam ao Brasil vão utilizar dessas tecnologias desenvolvidas no Haiti em muitos processos internos, missões de militarização chamadas de "garantia da lei e da ordem". [...] Ou seja, no governo do PT ocorreu esse empoderamento dos militares, e então muitos desses comandantes da missão de intervenção no Haiti fizeram parte da primeira página do governo Bolsonaro.

Mas há uma segunda parte nessa ideia, que é que, se a contenção não impedir a aceleração, então a aceleração exigirá contenção. Vou dar dois exemplos: com a pandemia ocorreu um desastre sanitário e econômico no Brasil, mas seis meses depois Bolsonaro estava em seu pico mais alto de popularidade. Como é explicado? Bolsonaro pagou um bônus emergencial, como o Bolsa Família do PT, mas para quatro vezes mais pessoas e por um valor quatro vezes maior. Uma espécie de "super Bolsa Família". Essa política foi imposta a Bolsonaro pelo Congresso, foi contra a vontade dele e a de seu ministro da Economia, mas no final ele obviamente acabou surfando no sucesso dessa política. O que eu quero destacar é que quando a crise se acelerou de forma muito violenta com a pandemia, a política de que o lulismo mais se orgulhava, uma política que simboliza a contenção, foi imposta sob o bolsonarismo.

Isso é o que vocês chamam de "Lulismo invertido"?

Fabio: Sim, naquela época, além desse “super Bolsa Família”, Bolsonaro também comprou a fidelidade do “centrão”, a direita no Congresso, e também começou a moderar seu discurso para evitar tantas brigas com o judiciário. Então, nesse momento existe uma tendência de pacificação, um “Bolsonaro light”, com apoio popular, com vínculo direto com o povo e uma base parlamentar sólida (comprada por meio de cobranças e benefícios). Isso foi um pouco do que sustentou o lulismo por muitos anos, por isso falamos de um "lulismo invertido". Ver também que embora o bolsonarismo seja muito diferente do lulismo, é o seu oposto, não o seu contrário. Não é contraditório, mas são formas diferentes de gerir as tensões sociais. Simplificando, uma forma é contenção e a outra é aceleração. Contenção significa que Lula vai administrar a crise, aceleração significa que Bolsonaro governa por meio da crise.

Em última análise, ao não mudar a dinâmica social autofágica, mas apenas mudar o ritmo ou a intensidade, essa dinâmica vai favorecer os Bolsonaros deste mundo.

Como vocês interpretam as mobilizações de 2013?

Fabio: Do nosso ponto de vista, as jornadas de junho de 2013 são o esgotamento do modo lulista de regular o conflito social. O que significa isso? Que a articulação entre essas políticas de contenção, ou seja, de inclusão, que favoreça os mais pobres da sociedade brasileira, sem prejudicar os negócios de sempre, essa articulação foi bem sucedida sobretudo no contexto de crescimento econômico, no contexto do boom das commodities, que os Kirchners também experimentaram. O que Junho de 2013 expressa é o esgotamento dessa pacificação social, e então a crise econômica se soma a isso, porque o Brasil a partir de 2014 entra em recessão e depois se soma uma crise política devido aos escândalos de corrupção.

Assim, a convergência entre esses aspectos, o social em 2013, o aspecto político, os escândalos de corrupção e o aspecto econômico com a crise e a recessão, tornou o lulismo menos viável. Este é o pano de fundo de uma mudança de orientação da classe dominante brasileira, é o pano de fundo da passagem da contenção à aceleração. Mas a aceleração bolsonarista também pode comprometer a própria viabilidade dos negócios. Por exemplo, Bolsonaro ofende os chineses e o Brasil exporta soja para os chineses, Bolsonaro queima a Amazônia sem restrições e isso é um problema para o acordo de livre comércio com a União Europeia.

Então, do ponto de vista empresarial, começa toda essa instabilidade e o aumento do risco país, e é nesse contexto que Lula retorna como alternativa política no início de 2021, com a crise sanitária, a crise econômica. Assim, os mesmos juízes que prenderam Lula em 2018 o tiram da cadeia, para colocar de volta a contenção como alternativa. Isso não quer dizer que Lula vai ganhar, ou seja, não estamos falando aqui de algo que está todo armado, manipulado. O que estamos tentando entender são os movimentos. É importante entender que Lula não volta à disputa política nos braços do povo, à maneira de Perón na década de 1940, ele volta para um movimento no "último andar" da sociedade brasileira.

Você pode conferir o episódio na íntegra em espanhol aqui:


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