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Trabalho | Diário de Uma Precarizada #8: “É preciso ter essa união, porque trabalhamos nas mesmas escolas e queremos os mesmos direitos!”

O "Diário de Uma Precarizada" é uma iniciativa do Esquerda Diário e do grupo de mulheres Pão e Rosas, reproduzindo uma série de páginas de diários de mulheres precarizadas dos nossos tempos, com relatos de suas reflexões, suas histórias e cotidianos vivendo a combinação da opressão e exploração.

Pão e Rosas@Pao_e_Rosas

segunda-feira 4 de abril de 2022 | Edição do dia

Imagem: Macaco do Sul

É fundamental olhar a realidade do mundo pelos olhos das mulheres, que são metade da classe trabalhadora hoje, e no Brasil majoritariamente negras, que vivem em duras condições de vida, trabalhadoras precarizadas, terceirizadas, muitas delas moradoras de favelas e periferias. Esse diário busca dar voz a essas mulheres e contribuir para despertar, através de uma perspectiva revolucionária, para que a força cotidiana dessas mulheres se transforme em organização e luta, e estejam na linha de frente nos combates contra a opressão e exploração capitalista, sendo protagonistas da transformação do mundo com a nossa classe.

Diante do levante da greve dos professores e trabalhadores da educação em Minas Gerais nas ultimas semanas, reproduzimos aqui um relato de uma trabalhadora escolar:

"Belo Horizonte, Minas Gerais, 29 de março de 2022.

Vou tentar resumir aqui um pouco do meu dia a dia como doméstica, trabalhadora, mulher e negra. Hoje eu sou ASB, digamos ASB, por que mudou o nome, mas na verdade no meu trabalho, na escola, eu sou uma auxiliar de serviços gerais. Nós fazemos de tudo e um pouquinho mais.

Dentro do meu local de trabalho, grande parte sim dos meus colegas professores, ASBs e de todos os setores, eu sou respeitada sim, como pessoa, mas acaba tendo um certo tipo de assédio como se não déssemos conta do serviço, fazemos de tudo do muito ao pouco, talvez por uma ou duas pessoas, desvios de função ou ate mesmo de desprezo por sermos profissionais da limpeza.

Repito, somos respeitadas, não são todos que fazem isso. As vezes não nos dão muita “ideia”, mas a gente sente o desprezo, mesmo que em uma só pessoa, a gente sente.

Quando olha estranho, quando conversa com a gente, mas não nos toca a mão ou um comprimento, um abraço, por que apesar da gente trabalhar com os EPIs de segurança, as pessoas não gostam de tocar quem trabalha com o lixo. Ce percebe quando o comprimento é de longe ou talvez nem isso. Que é a única pessoa daquele lugar, mas que ninguém cumprimenta. A gente sente falta de um bom dia.

Essa parte da categoria que são as auxiliares de limpeza, não é uma parte bem-vista, bem paga e bem valorizada. Deixamos tudo limpo, cheiroso, organizado. Me sinto bem em deixar aquele lugar bonito. Só que de imediato a desvalorização do nosso serviço vai de deixar a sujeira no chão e ali fica, até os piores salários.

Tem muito assedio sim, tem muita difamação e é triste você ver parte do corpo escolar não valorizar nossa comida, limpeza e organização da escola.

Somos necessárias, porém desvalorizadas. A gente sabe que grande parte da nossa categoria da limpeza, é feita por pessoas negras e muitas mulheres né e por isso tanta desvalorização também. Acham que serviço de limpeza não é pra homem, acham que só pode ser mulher, eles são humilhados também, porque acham que eles são “corpo mole” e não fazem nada. Mas na verdade isso é só pra desvalorizar ainda mais o serviço.

Além do trabalho, somos domésticas. Seria ótimo, sermos pagas só por isso, porque sabemos que serviço doméstico não acaba nunca. A gente sai da escola e vai fazer outros trabalhos depois pra complementar a renda porque ta muito caro as coisas, a sensação que parece é que o governo fala que vai nos pagar mais, só que a gente sabe que é dado com uma mão esquerda e tirado com mais duas mãos direitas. Porque querendo ou não se a gente for olhar a diferença de salário, o homem sempre ganha mais que as mulheres.

Mas diante disso tudo, a gente vê as lutas dos professores nas escolas. Mas me pergunto como a categoria dos professores muitas vezes não veem as ASBs como pessoas que lutam, um grupo que pode se juntar para ir aos atos e tomar as reivindicações deles para nós e eles as nossas.

Mas assim, todo mundo quer aquela conquista de melhorias, a gente também quer que eles ganhem melhor e nós também merecemos isso.

Eu acho que é preciso ter essa união. Porque trabalhamos nas mesmas escolas e sabemos como é difícil para todos. Nós somos um grupo como um todo, não podemos nos dividir em categorias separadas, somos um todo.

Precisamos da escola, precisamos de educar nossos alunos que também são várias vezes nossos filhos, nos precisamos do emprego, nosso sustento vem dali.

E por isso precisamos ter uma luta que una as demandas da escola como um todo, sem descriminação, sem medo, com a força da nossa mobilização e com muita coragem pra enfrentar a diminuição dos salários e a desvalorização dos nossos serviços. A unidade ela funciona e quanto mais pessoas se unirem a luta dos professores, uma pode defender o direito da outra, junto. Já tivemos vários exemplos de como isso funcionou e acho que nesse momento não seria diferente".




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