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PÃO E ROSAS | Diário de Uma Precarizada#6: "Gosto de estar na rua junto com os trabalhadores pra lutar pelos nossos direitos"

O "Diário de Uma Precarizada" é uma iniciativa do Esquerda Diário e do grupo de mulheres Pão e Rosas, reproduzindo uma série de páginas de diários de mulheres precarizadas dos nossos tempos, com relatos de suas reflexões, suas histórias e cotidianos vivendo a combinação da opressão e exploração. É fundamental olhar a realidade do mundo pelos olhos das mulheres, que são metade da classe trabalhadora hoje, e no Brasil majoritariamente negras, que vivem em duras condições de vida, trabalhadoras precarizadas, terceirizadas, muitas delas moradoras de favelas e periferias. Esse diário busca dar voz a essas mulheres e contribuir para despertar, através de uma perspectiva revolucionária, para que a força cotidiana dessas mulheres se transforme em organização e luta, e estejam na linha de frente nos combates contra a opressão e exploração capitalista, sendo protagonistas da transformação do mundo com a nossa classe.

Pão e Rosas@Pao_e_Rosas

terça-feira 22 de junho de 2021 | Edição do dia

Imagem: Macaco do Sul

O relato de hoje é de Vilma, que é trabalhadora do Restaurante Universitário da USP.

Nasci em Pernambuco, sou negra e nordestina. Em 1970, quando eu tinha 9 anos, nos mudamos para São Paulo, para ter uma vida melhor. Eu trabalho desde criança, cuidando dos meus irmãos mais novos. Não pude estudar, sou a mais velha de nove irmãos e eles precisavam de mim.

Passamos anos vivendo na Febem. Nossa vida era muito difícil naquela época. Aos 13 anos tive uma filha, que faleceu muito novinha, uma tristeza que carrego no meu coração.
Casei ainda adolescente. Meu marido bebia muito e me agredia. Até o momento em que eu passei a não mais aceitar apanhar e fui pra cima dele também.
Tive dois filhos desse casamento, as únicas alegrias numa vida marcada pela dor. Passei poucas e boas com esse marido. Além de beber muito ele não gostava de trabalhar. Mas eu tinha três crianças que precisavam de mim, precisavam ter o que comer, o que vestir.

Trabalhei como empregada terceirizada da limpeza por vários anos na USP. Conheço ela de cabo a rabo. Nesses anos como terceirizada fui muito humilhada. Ganhava um salário mínimo para sustentar toda minha família. Na USP, era eu vestir o uniforme de terceirizada que parecia que eu era invisível. É assim que tratam as trabalhadoras da limpeza na USP, que são mulheres negras como eu.

Eu queria me separar, dar um basta naquela situação de todo dia sentir medo. Mas minha mãe era contra. Achava que tinha que ter marido. "Ruim com ele, pior sem ele", ela dizia.
Mas eu precisava mudar de vida. Morava numa favela, num quarto e cozinha apertado para viver. Ali na favela do Jaguaré, onde uma boa parte da minha família ainda mora. Meu marido falava que eu era metida, porque queria mais da vida.
Como terceirizada da USP, fui estudar, entrei no MOBRAL e cheguei até a 5a série. Queria trabalhar como efetiva na USP e precisava passar na prova. Com muito esforço eu consegui passar e fui trabalhar no restaurante universitário.
No bandejão, o trabalho também era pesado. E tinha, ainda tem, muito assédio. As chefias não respeitam nem seu horário de descanso.
Imagina que elas queriam proibir que a gente fizesse nosso tricô no nosso intervalo.
Tive que fazer cirurgia no punho por causa do serviço pesado.

Em 1994 eu me separei. Já não aguentava mais aquela vida de agressão todos os dias. Depois de muito esforço, finalmente consegui comprar um terreno para poder sair da favela. Todo dia depois do trabalho eu ia na obra, imaginando quando eu poderia ter a minha casa. Eu chorava achando que não ia conseguir. Mas tinha decidido não abaixar mais a cabeça.

Foi na USP que eu aprendi a fazer greve, a não aceitar calada o que o patrão queria fazer com a gente. Participava de todas as atividades do sindicato. Eu sempre gostei da luta, gosto de estar na rua junto com os trabalhadores pra lutar pelos nossos direitos.

E nas greves da USP fui vendo que a única alternativa para mulheres como eu, que sofriam com a pobreza, com a vida precarizada, com a violência doméstica era não abaixar a cabeça e se organizar.

Conheci o Pão e Rosas na USP. Fui em várias reuniões e fui entendendo o que era militar. Eu descobri que queria ser uma revolucionária. Na greve de 2014 da USP vi muitas mulheres como eu, lutando em defesa da universidade. Aos 54 anos eu passei a fazer parte do MRT. A militar com toda a força. E organizada também me senti mais forte.

Tanto que junto com o Pão e Rosas e a Secretaria de mulheres do Sintusp a gente enfrentou as chefias que queriam proibir nosso crochê. Fizemos um ato na porta do bandejão com agulhas de tricô e crochê, ensinando mais companheiras a tricotar. Isso deixou as chefias no seu lugar. Sozinha eu não iria conseguir mostrar pra essas chefes que elas não podiam nos proibir. Mas estar junto com mulheres de várias outras unidades da USP, com estudantes e te com companheiros homens nesse ato mostrou que quando nos organizamos somos mais fortes.

Fui nos atos chamados pelo sindicato, nos tos do 8 de março, dia das mulheres trabalhadoras, nos atos contra o governo do Temer e do Bolsonaro. E vou com a minha camiseta do Pão e Rosas, do Nossa Classe pra mostrar que sou organizada. A luta faz todo sentido para mim. Poder lutar pelos trabalhadores, pelas mulheres para que ninguém mais sofra o que eu passei.

Agora com a pandemia não posso ir aos atos, porque sou do grupo de risco. Mas não vejo a hora de tomar a segunda dose da vacina e poder voltar às ruas, na luta, que é o que eu gosto.

Na rua, nos atos, na luta junto com os trabalhadores é que eu sou feliz.




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