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OPINIÃO | Depois do golpe: qual o lugar dos sindicatos, e quais as possibilidades de resposta dos trabalhadores?

O golpe institucional de 2016 teve como uma das suas principais tarefas mudar a correlação de forças entre a enorme classe trabalhadora brasileira e a burguesia, para responder as “necessidades” do agravamento da crise capitalista. Derrotando os vários processos de luta desde 2013, buscando impor uma agenda econômica ultra liberal com privatizações e reformas anti operarias para aumentar a taxa de exploração capitalista, impondo o rebaixamento das aspirações sociais. Para isso precisavam mudar a localização da classe trabalhadora no regime, acabar com os direitos herdados da constituição de 88, e em conseqüência também, a localização das burocracias sindicais. Contudo, quais contradições resultam dessas medidas em um país de desenvolvimento atrasado como Brasil?

Isabel Inês São Paulo

quarta-feira 14 de abril de 2021 | Edição do dia

Para os grandes capitalistas não há qualquer peso moral em, para manter sua assanha de lucros, fazer com que grande parte da humanidade perca sua vida trabalhando em condições degradantes – ou morta por um vírus como vemos na atual catástrofe pandêmica administrada por Bolsonaro e militares. Contudo no decorrer da história após vários processos revolucionários e conflitos de classe, a burguesia se viu obrigada a complexificar suas formas de dominação. Uma vez que não seria possível manter o consenso apenas com coerção - força física. Foi necessário que o Estado burguês criasse formas de expandir sua influencia dentro das instituições da sociedade civil – via burocracias sindicais, ONGs, igrejas, mídia etc – para impedir os conflitos de classe e/ou cooptá-los.

Dentro dessa expansão da influência do Estado, o que Gramsci chamou de Estado Integral – ditadura + hegemonia - as burocracias sindicais ganharam um papel de destaque, sendo diretamente um fator de coerção e contenção dentro da própria classe trabalhadora. Leon Trotski da um exemplo gráfico desse papel, em um texto da década de 30 onde tratava do papel dos sindicatos para sustentar o imperialismo Britânico:

“A burocracia sindical é o principal instrumento da opressão do Estado burguês [...]. Se não fosse pela burocracia sindical, a polícia, o exercito, os senhores, a monarquia, apareceriam diante os olhos das massas trabalhadoras como lamentáveis e ridículos brinquedos. A burocracia sindical é a coluna vertebral do imperialismo britânico”. (“Los errores fundamentales del sindicalismo”, CEIP, 2010, p.39 – tradução própria)

Podemos dizer que essa “coluna vertebral” é verdadeira para todos os países hoje, incluso Brasil. Ainda mais este, posto seu estágio atrasado do desenvolvimento capitalista, e, por conseguinte sua enorme classe trabalhadora e débil burguesia dependente e espremida pelo imperialismo. Nesse ponto é importante termos claro a importância das condições econômicas para definirem as medidas de contenção e estrutura do Estado Integral nos países como Brasil.

Nos anos de governo petista o consenso gradualista tinha nas centrais um fator chave que se articulava a situação econômica. O super ciclo das commodities na década petista possibilitaram o crescimento do consumo, do crédito, expansão das universidades e uma melhora do nível de vida dos setores mais precários, além das políticas auxilio social como Bolsa Família. Nesse momento de certa bonança econômica as centrais sindicais tiveram papel de difundir na classe trabalhadora a idéia da conciliação de classe, na suposição infantil de que burguesia e proletariado poderiam se desenvolver junto. No máximo fazendo processos de reivindicações controlados, rotineiros e seguindo o mesmo “script” a cada campanha salarial, impedindo que as aspirações sociais e com recomposição da classe trabalhadora, passasse dos limites permitidos pelo regime.

Além de todo ódio ideológico que o governo Bolsonaro e a direita nacional – incluso Dória, FHC, Luciano Huck etc – tem ao movimento operário e as idéias socialistas ou minimamente pró igualdade social, o fato é que aquele consenso lulista só foi possível por conta da situação econômica favorável. Para impedir que do choque das aspirações sociais desse momento com uma realidade de maior desigualdade e precarização, surgissem processos radicalizados e greves, as centrais sindicais - por mais contraditório que isso possa parecer - foram elas mesmas responsável por seu próprio enfraquecimento e pelo crescimento da direita.

A partir de derrotas e lutas não dadas, as burocracias conseguiram ir desmoralizando a classe trabalhadora e fazendo com que os sentimentos mais radicais e descontentes, na falta de uma alternativa política à esquerda, se deslocassem para a direita. Esse processo demorou anos, em 2014 as centrais batalharam para impedir que greves como dos garis do Rio de Janeiro, rodoviários de Porto Alegre, ou mesmo grandes greves de professores em São Paulo se tornassem exemplos nacionais. E em 2015 se inicia as verdadeiras marchas da direita culminando no golpe em 2016.

Mas podemos destacar as greves do ano de 2017 como ponto culminante desse processo, com a maior greve geral em 100 anos, a qual foi a verdadeira luta contra a agenda econômica do golpe – a reforma trabalhista e da previdência – e onde o PT mostrou como todos seus discursos contra o Temer e o golpe não passava de verborragia e radicalismo desde que não houvesse uma luta real – ou seja, desde que não ameaçasse o regime e os capitalistas. As centrais foram obrigadas a organizar a greve geral como descompressão, devido o tamanho descontentamento, mas se articularam logo após para impedir a continuidade do processo, desarticulando de todas as formas, até que foi possível o governo aprovar as reformas e derrotar esse processo. Logo em 2018 Bolsonaro ganha.

Podemos dizer que a estrutura do Estado Integral no governo Bolsonaro se modifica, principalmente enfraquecendo o peso das burocracias sindicais no regime – ainda que sem poder desfazer-se delas –, aumentado o peso, não só das forças armadas no governo, mas também dos aparatos policiais e milícias nos bairros, ligado a uma agenda ideológica conservado nas escolas e muito peso disciplinador via igrejas nas comunidades e bairros operários. “Os governos mais abertamente de direita pretendem retomar uma agenda neoliberal e “desarmar” aquelas partes do “Estado ampliado” que desde sua ótica não são estritamente necessários para sustentar a ordem capitalista” (Juan Dal Maso, “El Marxismo de Gramsci” p. 175). A pergunta que fica é, a direita apostou certo? Que contradições surgiram com esse “desarmamento”?

Desindicalização: um resultado do golpe e uma contradição de lados pontiagudos

Em 2012 a taxa total de sindicalização era de 16% passando para 11,2%, em 2019, de 2015 a 2017 é onde podemos ver a caída mais acentuada, saindo de 15,8% em 2015 para 12,5%, em 2018, com destaque na queda dos setores dos transportes, armazenagem e correio, que tinha 20,9% de sindicalização no início da série histórica, em 2012, e chegou a 11,9% em 2019. A taxa de sindicalização dos empregados no setor público caiu de 25,7% para 22,5% de 2018 para 2019, e em 2012 era de 28,4%.

Esses dados expressam a realidade pós reforma trabalhista com o enfraquecimento das estruturas sindicais, somado a expansão do trabalho sem carteira assinada, intermitente e de aplicativos. Esse fato é ainda mais gráfico no setor de transportes, onde se apresentou a maior queda na sindicalização, e tem como seu principal responsável o incremento massivo de motoristas de aplicativo, um setor que não trabalha com carteira assinada, não tendo vinculo empregatício e muito menos sindical.

Os entregadores por aplicativos são parte desse mesmo fenômeno, duas categorias que se expandiram exponencialmente após o golpe de 2016 e com o aprofundamento da crise, uma vez que grande parte dos trabalhadores que foram demitidos viram-se como única opção o trabalho com aplicativos frente a baixa oferta de empregos com carteira assinada.

Qual contradição que vai se gestando nesse processo? Se por um lado podemos dizer que o projeto do golpe foi exitoso para a burguesia ao conseguir implementar as reformas da previdência e trabalhista e reestruturar o trabalho expandindo a precarização e aumentando a taxa de exploração, por outro o fato de num país de desenvolvimento capitalista atrasado, o rebaixamento do nível de vida e aspirações somado a diminuição da organização sindical sob o comando das burocracias operárias, vai se formando uma grande massa de trabalhadores que “tem menos o que perder” e do qual o Estado tem menos capacidade de contenção.

Essas novas contradições sociais são fruto direto do neoliberalismo, “em outros termos, a ofensiva neoliberal das últimas três ou quatro décadas enfraqueceu e deteriorou toda uma série de mecanismos como o sufrágio universal, os partidos de massas, os sindicatos operários, as instituições civis intermediárias como a escola ou o tecido associativo, ou seja, todo um cimento que permitiu à classe dominante manter sua influência independentemente do aparato coercitivo, isto é, do Estado no sentido estrito do termo, que pode se resumir aos seus corpos de repressão.” .

Os processos de luta de classes, que denominamos de segunda onda, ocorridos na América com destaque ao Chile, EUA, Catalunha e França tem como semelhança terem sido resultado desse processo de crise neoliberal, onde as lutas foram mais radicais e violentos contra o Estado burguês e composto socialmente pelos principais perdedores da globalização, os setores jovens, precários e com menos freios.
O Brasil passou por fora dessa onda, devido a todo processo de derrota do movimento operário que discorri acima, contudo com a pandemia e o acelerar do processo de formação dessa classe trabalhadora mais precária, a retirada dos direitos sociais e os sofrimentos das massas aumentando e o desemprego, inflação, milhares de mortes podem ser um fator que faça o Brasil voltar ao eixo da luta de classes. Somando uma massa precária, com menos freios do Estado e mais imersa as misérias sociais – incluso a fome que volta a assolar milhares de pessoas – com grandes bastiões da classe trabalhadora dos quais as burocracias sindicais ainda tem peso, nos coloca duas hipóteses:

1. O resultado de que a flexibilização trabalhista, terceirização e precarização também se estendeu a posições estratégicas, nas quais as burocracias seguem dirigindo – como os aeroportos dirigidos pela CUT – mas que não é orgânica na categoria que cada vez mais se assemelha aos setores mais precários, e onde a separação ideológica entre efetivos e terceirizados começa a se nublar uma vez que a condição de vida de todos é semelhante. Seria possível processos explosivos, tal como coletes amarelos ou a juventude chilena, contudo dentro das posições mais estratégicas da classe trabalhadora?

2. Apesar do enfraquecimento das burocracias sindicais elas seguem com peso de direção e são responsáveis de impedir que a classe trabalhadora saía como sujeito. Permitindo parecer que a única saída seja as eleições de 2022, e volta da conciliação lulista, que atualmente acena até para os golpistas e militares. Quando ela poderia a partir de uma posição dar exemplo nacional, e ser parte de unificar a classe trabalhadora que esta vivenciando algumas batalhas por todo país. Por exemplo, esta marcado agora uma greve dos transporte dia 20 de abril, incluindo metro de São Paulo, Rodoviários de SP, DF e POA e trens de São Paulo. Uma greve articulada dessa magnitude por vacina para todos, levantando a unificação das pautas com outras categorias como tribunos operários e um programa de combate aos capitalistas e ao regime, poderia renovar os ânimos das lutas dos trabalhadores, encorajar os setores com menos tradição. Assim, não é verdade que as centrais não lutam porque os trabalhadores não querem ou porque não conseguem, é justamente porque morrem de medo de perder seu controle burocrático e emergir a força dos trabalhadores, que não podem esperar até 2022 tal como querem do PT à toda a direita.

Um Brasil oriental? Uma ultima digressão...

Durante os processos da segunda onda da luta de classes, pudemos definir que os elos débeis foram justamente as características orientais dos Estados - usando o conceito de Gramsci que se relaciona aos diferentes tipos de sociedade e não a localidade geográfica – como explica Juan Chingo, “oriente” seria “os conjuntos sócio-políticos menos articulados, como da Rússia czarista, em oposição ao “Ocidente”, ou seja, às sociedades tradicionais européias, Gramsci escreveu em seus Cadernos do Cárcere que “no Oriente como o Estado é tudo, a sociedade civil [é] primitiva e gelatinosa; no Ocidente, entre Estado e a sociedade civil, [há] uma verdadeira relação e, em um Estado precário, se [descobre] imediatamente uma estrutura robusta da sociedade civil. O Estado [é] apenas uma trincheira avançada, atrás da qual se [encontra] uma robusta corrente de fortalezas e casamatas”. (Escrito entre novembro e dezembro de 1930)”.

Como a fase neoliberal foi minando essas “casamatas” de contenção do Estado Integral, ela foi abrindo debilidades para o consenso burguês. Não é um acaso os recentes debates na mídia e inclusive de Bolsonaro falando como podem começar a ter revoltas sociais, justamente porque a pandemia vem desnudando muitas das condições absurdas que o capitalismo impõe a classe trabalhadora, e cada vez o Estado tem menos capacidade econômica de reerguer uma nova hegemonia. A reabilitação de Lula pode dar um respiro a burguesia caso as massas voltem a se movimentar, como uma grande figura de conciliação que contraditoriamente o golpe preservou como uma esperança reformista. Nesse caso, de um novo governo Lula, certamente os sindicatos voltariam a ter mais força no estado, contudo nada indica que o PT revogaria as reformas trabalhista e da previdência, que levam a condição objetivamente mais precária da classe trabalhadora, e ao fim das aspirações gradualistas, ou seja, em nada conseguiria resolver esse problema estrutural.

Retomando Juan Dal Maso, quando diz “nossa hipótese é que se se pode falar de uma condição “ocidental” da América Latina é somente reconhecendo seu caráter absolutamente peculiar e contraditório. E este caráter peculiar e contraditória esta dado pela precariedade que se desprende de uma “ocidentalização” nos marcos de uma condição estrutural semi-colonical. Esta precariedade não depende unicamente de fatores políticos, se não em primeiro lugar de fatores econômicos, ou seja, da posição subordinada de nosso subcontinente na divisão internacional do trabalho e das configurações concretas das relações entre nossos países e os países imperialistas”. (p. 176).

Nessa condição semi-colonial as burocracias sindicais são o elemento “ocidental” da coluna dorsal da estabilidade do poder burguês, e é justamente onde se debilitou nos últimos anos objetivamente como vemos nos dados. Assim a orientação neoliberal em países como Brasil levam estrategicamente ao maior enfraquecimento da própria dominação do Estado burguês, diferente de países como EUA onde a baixa representação sindical é “compensada” pela enorme força da burguesia imperialista.

Nessa hipótese o processo americano da formação de sindicatos pelos trabalhadores da Amazon surge como grande exemplo político, uma vez que expressa um processo concreto dos trabalhadores precarizados querendo tomar nas próprias mãos a organização sindical. Uma vez que esse enfraquecimento não pode levar a conclusão de que em algum momento o capitalismo vá cair sozinho, ao contrário deve-se pensar que é uma oportunidade para a organização política dos trabalhadores.

Além de processos de lutas explosivas, é necessários que os trabalhadores se organizem politicamente e tomem os sindicatos das burocracias, para usar esse instrumento ao serviço das próprias demandas. A crise já atestou a falência do capitalismo, e a necessidade da organização revolucionária dos trabalhadores em partido, para derrubar esse sistema e colocar todas as riquezas nas mãos daqueles que já a produzem.




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