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Crise política e luta de classes na França

Comitê de Redação - Révolution Permanente

Crise política e luta de classes na França

Comitê de Redação - Révolution Permanente

Enquanto a crise internacional reforça o declínio do imperialismo francês, a crise política se aprofunda na França. Nesse contexto, as greves se multiplicam por salários, mas sofrem com a ausência de um plano de batalha e de um programa de greve em conjunto. Um texto submetido ao Congresso fundador de uma nova organização revolucionária nos dias 16, 17 e 18 de dezembro.

Nos dias 16, 17 e 18 de dezembro, será realizado o congresso de fundação de uma nova organização revolucionária na França, impulsionada pelo Révolution Permanente, organização irmã do MRT brasileiro e que impulsiona a rede internacional La Izquierda Diario naquele país. Neste contexto, vários documentos foram elaborados e apresentados para discussão nas reuniões preparatórias que reuniram cerca de 400 pessoas. Eles poderão ser alterados no Congresso, onde serão submetidos a votação. Este texto constitui o documento nacional.

França: uma situação de crise enraizada nas coordenadas internacionais

Como o resto da Europa, a França foi atingida pela crise econômica e pelo agravamento das tensões entre as potências no contexto da guerra na Ucrânia. Esta situação agrava elementos do declínio de seu poder. Este é particularmente o caso de sua posição na Europa, que está sofrendo a reação da virada alemã em direção a uma política cada vez mais unilateral. Essa mudança de estratégia foi simbolizada pela escolha da Alemanha de iniciar a remilitarização de seu país. Esse fortalecimento da Alemanha no campo político internacional não só põe em cheque a posição francesa de líder europeu no campo militar, como enfraquece a aliança franco-alemã, que era um ponto de apoio essencial para a influência francesa na Europa.

Se Macron tinha procurado posicionar-se como líder europeu para compensar as suas fragilidades no terreno nacional, essa situação macula essa possibilidade e todos esses elementos fragilizam o país num período de acentuação do declínio da sua influência internacional. Nesse sentido, os últimos meses foram marcados por uma série de retrocessos na África Ocidental, como a humilhação constituída pelo fim da Operação Barkhane e a crescente influência russa no Mali ou o golpe de estado em Burkina Faso. Ao mesmo tempo, vemos a perda da influência francesa no Magreb e no Oriente Médio, como mostra o fracasso da operação de Macron no Líbano.

O quadro é redobrado pelas tensões em territórios coloniais como Guadalupe e Martinica, atravessados por explosões de lutas violentamente reprimidas. É também o caso de Kanaky, onde o último referendo organizado no âmbito dos acordos de Nouméa foi boicotado pelos independentistas no final de 2021, num território atravessado por revoltas em 2020 contra a compra da usina de níquel por um consórcio liderado pelo grupo suíço Trafigura. Diante da crise e no quadro de novas explosões revolucionárias, o retorno das revoltas no Magreb não pode ser descartado e afetaria significativamente a Europa.

A crise da zona de influência francesa na África Ocidental e nos territórios coloniais bem como a viragem para uma política internacional cada vez mais unilateral da Alemanha (cf. documento internacional) - que, embora privada de armas nucleares, poderia equipar-se a médio prazo com o exército mais importante da Europa - vem acentuar o declínio do imperialismo francês. Uma situação que afeta profundamente os interesses estratégicos do imperialismo francês, já que sua influência sobre as ex-colônias e possessões coloniais constitui, com seu exército, uma alavanca central de poder para a burguesia francesa.

Uma importante fragilidade econômica em um período de instabilidade

Essa situação anda de mãos dadas com as fragilidades da economia francesa. Nas últimas décadas, as multinacionais francesas fizeram a opção estratégica pela deslocalização industrial. Como Bruno Amable observa em La résistible ascension du néolibéralisme (2021): “ A desindustrialização foi mais acentuada na França do que em outros países europeus ou desenvolvidos, e a especialização deste país voltou-se cada vez mais para o setor de serviços. (…) O declínio da indústria manufatureira francesa afectou mais do que aos outros os setores caracterizados por um conteúdo tecnológico intermediário (por exemplo, o automotriz), tendo como consequência uma contração da base industrial e uma aceleração de uma tendência já observada na década de 1980: a polarização da base industrial entre setores de baixo conteúdo tecnológico (agroalimentar, metalurgia, etc.) e os setores high-tech como o aeroespacial, onde a influência da política industrial do Estado foi mantida, em particular por causa dos vínculos com a Defesa”. Isso se traduz em investimento direto mais forte no exterior, mas com menos exportações e mais importações nacionalmente. A queda na produção industrial só se aprofundou a cada crise, e deve ir abaixo de 10% no quarto trimestre de 2022.

Consequentemente, a França produz pouco. Nos últimos dois meses, seu déficit comercial, alimentado pelo aumento dos preços da energia, bateu o recorde de 71 bilhões de euros no primeiro semestre de 2022. Deve chegar a 156 bilhões este ano, segundo a lei de finanças. No início de 2022, o déficit comercial anual de produtos industriais ultrapassou 100 bilhões, enquanto há 20 anos a balança comercial francesa desses produtos era superavitária em 25 bilhões por ano. De fato, o aumento da procura de um conjunto de produtos (informática, equipamentos domésticos) após a crise da Covid foi coberto com importações em mais de 60%. Hoje, o país produz apenas 36% dos bens materiais que consome. Também diminuiu em terras agrícolas nos últimos anos. Nos últimos dois meses, pela primeira vez, a França se tornou importadora líquida de produtos agrícolas.

De forma mais ampla, a instabilidade econômica é o que deve predominar nos próximos meses. Se a inflação for menor na França do que em outros países europeus, ela pode, segundo algumas previsões, chegar a 10% nos próximos meses. Já neste momento, como observamos recentemente, "a queda dos salários reais na França é uma das mais fortes da zona do euro, como confirmado pela OCDE em um estudo que mostra que a renda real (ou seja, uma vez que o peso da inflação é levado em conta ), caiu 1,9% na França”. Se os grandes patrões concederem aumentos mínimos aqui e ali, sob pressão dos trabalhadores, essa queda deve se aprofundar. A crise energética que se intensificará neste inverno também agravará a situação. Limitada até agora a 4% pelo escudo tarifário, a subida do preço da energia vai atingir os 15% a partir de janeiro no gás e em fevereiro na eletricidade, afetando não só as famílias mas também as empresas, a começar pelas TPE/PME [pequenas e médias empresas], algumas das quais estão diretamente ameaçadas com falência. A crise energética traz também outro risco, não menos explosivo, o da falta de energia.

Todos esses elementos podem levar a uma recessão nos próximos meses, o que parece ser mais inevitável no curto prazo. Se o governo negar essa perspectiva, os economistas da Axa anunciam uma recessão "no último trimestre deste ano e no primeiro de 2023", enquanto o INSEE antecipa crescimento zero no quarto trimestre de 2022. Ao mesmo tempo, diante da crise , a França, como outros países europeus, viu sua dívida pública aumentar significativamente, atingindo hoje 120% do PIB, contra 60% em 2002. Uma situação difícil de sustentar em um período de alta das taxas de juros, diante da qual não pode ser descartada uma crise ou um cenário de ofensiva do mercado financeiro, nos moldes da que derrubou o governo de Liz Truss no Reino Unido.

Macron II e a crise política: para onde vai o macronismo?

A instabilidade mundial se aprofunda à medida que o regime francês atravessa uma profunda crise política, o que atesta as contradições da tentativa do macronismo de resolver a crise de hegemonia em 2017. Beneficiando-se de acusações contra o candidato do UMP, François Fillon, e o colapso do Partido Socialista, Macron constituiu a solução alternativa da burguesia face ao crescente descrédito do bipartidarismo PS-LR, que estruturava a vida política há mais de 40 anos. Seu mandato prometia assegurar um conjunto de contrarreformas destinadas a superar o atraso competitivo da burguesia francesa em relação à concorrente alemã: reforma da previdência, aprofundamento do rearranjo da legislação trabalhista, continuação da política de benefícios aos empresários criada por Hollande, continuidade do endurecimento bonapartista do regime que vem desde 2014.

Desde o início, este projeto apareceu marcado por grandes contradições. Se o macronismo permitiu reunir politicamente a burguesia e as camadas superiores da pequena burguesia (altos executivos e profissões liberais), a sua base social era desde o início muito minoritária, excluindo as classes trabalhadoras e setores das classes médias. Além disso, esse "bonapartismo fraco" rapidamente se esgotou nas múltiplas explosões sociais que provocou - desde a greve dos ferroviários de 2018 à luta contra a reforma previdenciária e o movimento dos Coletes Amarelos, que constituiu o ápice dessas tendências - bem como nas crises que teve de enfrentar, a começar pela pandemia.

Este desgaste do macronismo na prova da luta de classes atesta a dificuldade estrutural em estabilizar um bloco hegemônico em apoio à transformação neoliberal “até o fim” do modelo socioeconômico francês. Em 2022, se mostrou no resultado do seu partido Renaissance nas eleições legislativas, um fracasso histórico após uma reeleição obtida com os votos contra a extrema-direita. O início do novo mandato é marcado por esta profunda crise política, face à qual o macronismo procura uma forma de aplicar o seu programa para evitar uma estagnação com múltiplas implicações econômicas, com o aumento da dívida pública e a eventual pressão dos mercados financeiros, de políticos, como seus rivais à direita que buscam se impor como potenciais sucessores.

Para isso, o governo conta com vários elementos. Em primeiro lugar, os mecanismos mais bonapartistas do regime da Quinta República, a começar com o Artigo 49.3, para aprovar textos essenciais como o orçamento. Depois, as alianças na Assembleia com a direita e a extrema-direita, que lhe permitiram aprovar a sua lei do poder de compra antes do verão e a sua reforma do seguro-desemprego já na primeira leitura. No entanto, a recente votação pela extrema-direita do Rassemblement National de uma moção de censura ao NUPES (Nova União Popular Ecologista e Social) mostra quão frágil é o equilíbrio atual e quão precária é esta forma de governo. Se a direita se comprometeu nesta ocasião a não votar as moções de censura, por medo de que um aprofundamento da crise política pudesse levar a explosões sociais, mas também por incapacidade de capitalizar uma dissolução da Assembleia Nacional neste momento, uma combinação de circunstâncias poderia abrir caminho para a derrubada do governo e uma crise institucional.

Diante dessas contradições, Macron aspira a uma aliança duradoura com os republicanos, também mencionada por Nicolas Sarkozy, que possibilitaria a conquista de uma maioria presidencial estável. No entanto, tal aliança é, por enquanto, recusada pelos quadros do LR, que a veem como um risco de dissolução. Se a crise se aprofundar, não se pode descartar um influxo de elementos de direita na órbita de Macron, mesmo que o estado de fraqueza de Macron torne tal cenário improvável por enquanto e que tal reforço não seja suficiente para estabilizar o macronismo. Em suma, o que predomina “por cima” é a instabilidade e a crise política. Isso pode se acelerar acentuadamente nos próximos meses, com a possibilidade de dissolução da Assembleia, sobretudo diante do espetáculo da fragilidade do macronismo, combinado com seu desejo de fazer as classes populares pagarem pela crise e de impor contrarreformas, abrindo brechas por baixo.

Diante do medo da rua: diálogo social e ofensiva autoritária

A atual crise política limita o espaço de manobra do macronismo em caso de aumento das tensões sociais. No entanto, essa perspectiva inscrita na situação constitui a principal preocupação do governo e da burguesia francesa, traumatizada pelo movimento dos coletes amarelos. O apoio republicano a Macron na Assembleia e futuras decisões de direita devem, portanto, ser considerados não apenas do ponto de vista da tática política, mas também dos interesses estratégicos da burguesia para evitar alimentar a crise institucional. Tanto mais que, se a direita, o governo e a patronal do MEDEF convergem na necessidade de avançar nas contrarreformas, todos têm consciência do perigo de um cenário de crise onde pesa a questão dos salários e onde um clima anti-ricos torna difícil todo chamado à “sobriedade” ou à “austeridade”.

Ao longo dos primeiros cinco anos, Macron respondeu ao fortalecimento da luta de classes com um salto na ofensiva autoritária. Isso se traduziu em uma proliferação de textos que ampliam a margem de manobra das forças de repressão (Lei de segurança global, plano nacional de aplicação da lei, plano para duplicar a presença policial no terreno em 10 anos), o reforço da repressão aos protestos sociais, a inclusão legal em 2017 de dispositivos do estado de emergência ou a sistematização do uso de quadros excepcionais como os Conselhos de Defesa para governar.

Ao mesmo tempo, Macron, eleito em torno de um perfil liberal no terreno religioso, rapidamente procurou lançar uma ofensiva islamofóbica – com a lei do separatismo e a dissolução de organizações muçulmanas e antirracistas – e xenófoba, com um endurecimento da política migratória. Esses ataques racistas constituíram um salto na islamofobia de Estado, com o objetivo de polarizar o debate político em torno da questão do Islã e ampliar a base social do macronismo para a direita tradicional. Eles tiveram um papel importante no fortalecimento da extrema-direita e no surgimento de um fenômeno como a candidatura de Eric Zemmour. Continuam e devem até aumentar nos próximos meses sob a liderança de Darmanin, ministro do Interior de confiança e candidato à sucessão de Macron.

Ao mesmo tempo, depois de ter enfrentado as consequências de contornar os órgãos intermediários no início de seu primeiro mandato de cinco anos, Macron tentou desde as eleições legislativas formular um "novo método" que lhe permitirá ampliar sua base e ser capaz de governar à direita. Por enquanto, o emblema dessa política, o Conselho Nacional de Refundação, que deve suscitar os debates sobre os hospitais públicos e a educação nos próximos meses, fracassou. Mas, ao mesmo tempo, o governo também tentou revitalizar o “diálogo social” para poder se apoiar nas lideranças sindicais. Todos eles aceitaram inicialmente o quadro das consultas sobre a reforma da previdência. No entanto, a fraqueza do macronismo e a importante cólera social tornam particularmente custoso para as direções sindicais entrarem na mesa de negociação, como mostrou a mudança de posição da CGT nas “consultas”, diante da greve das refinarias.

As tensões que hoje o assustam só podem aumentar com as consequências da crise sobre a classe trabalhadora, que pode se transformar em crise social diante da recessão que se aproxima. Tensões que atingem não apenas a classe trabalhadora, mas também atingem duramente as classes médias, diante de um sentimento de empobrecimento que pode aumentar nos próximos meses. Uma forte retomada da luta de classes aparece então como uma perspectiva crível no curto ou médio prazo e tem motivos para preocupar o governo.

Desde a pandemia, uma fase da luta de classes marcada por uma multiplicidade de conflitos dispersos

Enquanto até finais de 2019 a França era atravessada quase todos os anos por grandes conflitos nacionais, a partir de março de 2020, a pandemia de Covid-19 provocou a interrupção desta sucessão de grandes movimentos. Durante os últimos dois anos, a luta de classes foi travada essencialmente ao nível das empresas, de forma isolada, com três principais fenômenos notáveis.

Primeiro, as lutas pelo fechamento das fábricas não essenciais e pelas condições de trabalho frente ao vírus durante o primeiro confinamento, às quais poderíamos juntar as lutas pelos protocolos sanitários na educação nacional. Em seguida, mobilizações contra cortes de empregos (Daher, TUI France, Grandpuits, AAA, Cargill, Cauquil, SKF, etc.). Finalmente, lutas por salários, primeiro para obter bônus em setores de baixa renda, depois por aumentos salariais, que se espalharam com a progressão da inflação.

Esses movimentos mobilizaram amplos setores da classe trabalhadora: trabalhadores do setor privado da grande distribuição (Carrefour, Decathlon, Auchan, Sephora etc.) e a indústria (subcontratadas da aeronáutica, setor agroalimentar etc.), que foram de conjunto alheios aos principais movimentos de luta de classes entre 2017 e 2020, mas também trabalhadores em "serviços essenciais" públicos estatais ou privatizados, nos transportes (RATP, Transdev, SNCF), limpeza (coletores de lixo em Paris, Marselha, Toulouse, Poitiers ou Valenciennes) ou energia (EDF, RTE), e finalmente a educação nacional e os hospitais públicos.

No campo salarial, de forma emblemática, a dinâmica de mobilização começou atingindo os setores da linha da frente durante a pandemia e, após o primeiro confinamento, em empresas privadas pouco habituadas a conflitos (Decathlon, Leroy Merlin, subcontratadas da aeronáutica). Como escrevemos recentemente, muitas vezes eles colocaram em movimento “setores de trabalhadores em que muitos estão tendo sua primeira experiência de greve, particularmente no setor privado” com base em reivindicações limitadas à manutenção dos salários diante da inflação, e de forma dessincronizada em todo o país. Estas lutas estenderam-se gradualmente a setores públicos mais estratégicos, mas de forma dispersa, em particular à SNCF (ferroviários) e à RATP (transporte parisiense). Finalmente, afetaram mais recentemente empresas privadas estratégicas, no setor automobilístico (Stellantis), transporte aéreo (Aeroporto Roissy e seus subcontratados) e petroquímico.
Apesar de sua heterogeneidade, esses movimentos compartilharam uma série de características comuns. Em primeiro lugar, estas lutas foram marcadas por elementos de espontaneidade, com greves por vezes impostas pela base e mobilizando setores e empresas pouco habituados à luta, protagonizando greves inéditas, em especial na subcontratação aeronáutica. Esses movimentos foram, na maioria das vezes, realizados no terreno defensivo, com reivindicações restritas a acompanhar a inflação para não perder os salários. Por fim, essas mobilizações permaneceram isoladas, por falta de tentativas de coordenação e, consequentemente, muitas vezes tiveram curta duração.
No entanto, seu florescimento nos últimos dois anos apresenta elementos de recomposição subjetiva da classe. Nesse sentido, a audaciosa política da UL CGT de Roissy, preparando uma greve para toda a plataforma incluindo os subcontratados, mostra o surgimento em certos setores de elementos de vanguarda que mostram uma disponibilidade para métodos de luta ofensiva, o que contrasta fortemente com a passividade instalada pela direção da CGT.

A greve dos refinadores: uma mobilização renovável que recoloca o método grevista no centro

Ao fazer parte da continuidade dessas dinâmicas, a greve do setor petroquímico marcou um salto nesse retorno, com uma longa luta em um setor da aristocracia operária com forte poder de bloqueio que colocou o governo em dificuldades.

Diante da inflação, os trabalhadores da ExxonMobil e da Total têm em comum se confrontarem com patrões bilionários, à frente dos famosos "superlucros" que estouraram no debate público nos últimos meses. Raiva pelo desrespeito da administração que levou ao início de movimentos grevistas renováveis ​​nas duas empresas. Na ExxonMobil, a greve renovável começou na base em 20 de setembro diante da recusa da administração em aceitar a demanda por um aumento salarial de 7,5%. Muito rapidamente levou ao fechamento das duas refinarias francesas da empresa em Seine-Maritime e Fos-sur-Mer. Na Total, os três dias de greve chamados em 27 de setembro pela CGT na sequência da greve de 24 de junho em todo o grupo levaram a uma renovação e ao fechamento da refinaria da Normandia, a principal refinaria do país.

As empresas apresentavam tradições de luta diferentes. Na ExxonMobil, a refinaria não parava desde 1993 e a greve foi espontânea, em torno de uma reivindicação de aumento salarial para 2022 um pouco acima da inflação (7,5%). A Total, que protagonizou vários conflitos nacionais, em particular em 2010, tem por outro lado uma longa tradição de lutas, sendo que a CGT Total faz parte da FNIC, setor oposicionista da CGT, que esteve envolvido na movimento não sem o desejo de aparecer alguns meses antes do Congresso confederativo da CGT.

A capacidade de bloqueio das refinarias no contexto de longas greves renováveis ​​prejudicou o funcionamento normal da economia durante três semanas. No auge da greve, 31% dos postos de gasolina não forneciam mais diesel ou gasolina e 47% dos postos de gasolina do país estavam disfuncionais. Um desabastecimento de combustível que não é visto desde 2010, que colocou o governo na defensiva e voltou a por a questão da greve e do bloqueio da economia no centro das discussões do movimento sindical, como havia ocorrido na época da greve dos transportes durante a luta contra a reforma das aposentadorias no inverno de 2019-2020.

No entanto, e é preciso observar, se o importante equilíbrio de poder criado pelas greves abriu uma brecha na luta salarial, no plano das reivindicativo se deu sobre um resultado misto, com uma vitória parcial que não permite compensação por tudo que foi perdido em 2022 por conta da inflação. Deste ponto de vista, o papel do governo e dos sindicatos traiçoeiros foi decisivo. Depois de negar o desabastecimento, o governo buscou retomar o controle da situação tentando frear a greve por meio do aumento da importação de combustíveis. Diante da persistência do movimento, o governo finalmente procurou resolver a crise combinando "diálogo social" e ordens judiciais.

Contra as greves lideradas pela CGT, a solução das direções da Exxon e da Total foi de fato fazer com que as organizações e executivos “reformistas” assinassem acordos mínimos para puxar o tapete debaixo dos pés dos grevistas e justificar sua repressão. Isso foi feito pelo governo por meio de convocações judiciais de grevistas para voltarem ao trabalho, medida bonapartista que foi ratificada pelos tribunais administrativos e permitiu desmoralizar os grevistas, privados de parte de seu poder de bloqueio. O papel aqui da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), cujo secretário-geral se opôs abertamente à greve, foi decisivo. No entanto, a ofensiva do governo também se aproveitou de uma série de limites das greves.

Os balanços da direção da greve e a necessidade de uma política hegemônica no movimento operário

Discutir os resultados da greve dos refinadores implica não apenas evocar a política das direções sindicais, mas também enfrentar os limites das lideranças da greve. Com efeito, se a luta dos refinadores polarizou objetivamente a situação pela posição estratégica dos grevistas, estes não adotaram uma política que lhes permitisse posicionar-se subjetivamente como ponta de lança de uma generalização do movimento. No entanto, isso não só teria facilitado a obtenção de suas demandas, como também teria possibilitado tentar extrair demandas para o conjunto dos trabalhadores.

No entanto, particularmente na Total, em última análise a estratégia da greve acabou por se manter inscrita numa lógica de "pressão", polarizada pelo objetivo de abertura de negociações. Em vez de encontrar os meios para aumentar a relação de forças ao longo do conflito, no terreno da greve mas também dos meios de comunicação ou da construção de alianças políticas, esta estratégia os levou a aterem-se aos elementos de mobilização iniciais, acabando por aceitar um quadro de “negociação” nas condições pretendidas pela Total. Como na ExxonMobil, isso deu origem ao acordo que desarmou os grevistas. Da mesma forma, no momento das convocações, a direção grevista, embora se declarasse contrária a este grande ataque, não incrementou a relação de forças, por exemplo preparando previamente os grevistas para esta eventualidade ou apelando amplamente a que outros setores para opusessem, inclusive fisicamente, às convocações.
Seguindo essa lógica, a direção grevista não seguiu uma política hegemônica. Ao longo do movimento, os refinadores entraram em greve sem buscar se direcionar à população e outros setores. Uma escolha consciente por parte de um setor corporativista da direção da CGT Total, auxiliado pelo desinteresse por esta questão por parte de outro, que permitiu marginalizar o terceiro setor favorável a tal política, que encampamos junto com outros grupos. Se por um lado os dirigentes grevistas souberam responder às mentiras da direção da Total ou dirigirem-se aos automobilistas pontualmente, em nenhum momento adotaram uma política ativa para gerar uma onda de solidariedade com os refinadores: intervenções na televisão em torno de um discurso não corporativista, pronunciamentos à população, ações simbólicas, pedidos de solidariedade financeira etc.

A rejeição de tal política está diretamente ligada a elementos de corporativismo nas direções da greve da CGT Total e da CGT ExxonMobil. No entanto, esse enorme limite deixou o campo aberto para o governo e a patronal petroquímica atacarem os grevistas uma vez que os acordos majoritários fossem assinados, embora o apoio espontâneo aos grevistas existisse no país e pudesse ter sido o terreno fértil para uma política alternativa. Numa época em que os superlucros são amplamente chocantes e diante de gigantes como Total e Exxon, havia espaço para tal política que teria permitido que a greve se mantivesse e vencesse a ofensiva estatal. Uma grande vitória nas greves das refinarias provavelmente teria encorajado greves salariais radicais em outros lugares, dando um exemplo para toda a classe.

O baixíssimo nível de auto-organização não facilitou o desenvolvimento de tais políticas ou estratégias alternativas à direção da greve, confinando os grevistas a uma certa passividade. Ao longo da greve, não vimos nem ação simbólica, nem presença significativa nas manifestações de 29 de setembro e 18 de outubro (com exceção dos refinadores da Normandia na manifestação em Le Havre) nem tendências a transbordar no momento das convocações judiciais na ExxonMobil Gravenchon e na Total Flandres ou Feyzin. O mesmo ocorreu no campo da coordenação entre grevistas na indústria petroquímica, onde as refinarias da Total, exceto as da Normandia que o tentaram parcialmente, não conduziram uma política ofensiva de coordenação com as da ExxonMobil, o que teria sido uma alavanca para manter os grevistas na luta.

A ausência de tais iniciativas tem sido prejudicial para os refinadores, mas também para a classe trabalhadora como um todo. De fato, uma política de solidariedade com a greve poderia ter sido o ponto de partida para chamados à extensão do movimento em torno das reivindicações para além dos limites das empresas grevistas. A popularidade do fundo de greve da ExxonMobil, que arrecadou mais de €50.000, ou o eco das intervenções públicas de Adrien Cornet sobre os salários dos refinadores mostram que tal espaço existiu e que uma política mais ampla de solidariedade teria se beneficiado de um espaço importante. No entanto, a direção da greve não desempenhou esse papel, o que poderia ter possibilitado o estabeler vínculos com outros setores estratégicos, se voltar aos trabalhadores mais precários e fazer uma pressão sobre os dirigentes sindicais.

O movimento dos refinadores fecha o parêntese da Covid dentro do ciclo de luta de classes aberto em 2016

Apesar desses limites, a ofensiva contra as refinarias foi uma faca de dois gumes para o governo, pois favoreceu a solidariedade de setores do movimento operário, não apenas do lado das forças de oposição internas à CGT (FNME-CGT, FNIC CGT, UD CGT 13, CGT Dockers), mas também da direção da confederação. Pressionada, foi obrigada a retirar-se das consultas sobre a reforma da previdência, aceitas duas semanas antes, a chamar a paralisação de 18 de outubro, a que aderiu a Force Ouvrière, e a fixar datas para a mobilização interprofissional em 27 de outubro e 10 de novembro. Este calendário insere-se tanto numa vontade de canalizar protestos em torno de datas até então pouco preparadas, até mesmo desmoralizantes, como numa estratégia de "pressão" sobre o governo, visando a abertura de negociações trilaterais com o Estado e a patronal sobre os salários. Se, por um lado, oferece poucas perspectivas, por outro testemunha as contradições da posição das direções sindicais na situação.

Se a mobilização de 18 de outubro foi débil, apesar do início de uma greve renovável na esteira de refinadores em novos setores – o centro técnico SNCF de Landy, muito mobilizado localmente desde 29 de setembro, que entrou em greve renovável em 17 de outubro antes de parar rapidamente o movimento, a greve inédita na Airbus nas linhas do A320 por aumento de 10% nos salários etc. - tudo isso permitiu colocar na paisagem a questão da generalização da greve, pondo fim à escala de vanguarda em direção à naturalização da dispersão de greves salariais. Após dois anos de pandemia, a greve dos refinadores fecha o parêntese aberto pela pandemia de Covid-19 no atual ciclo da luta de classes. Uma situação que põe em primeiro plano a perspectiva de mobilizações em grande escala a curto ou médio prazo.

Nesse sentido, a surgimento da reivindicação de indexação salarial (que apoiamos antes de ser assumida pelo FNIC e finalmente pela direção confederativo da CGT) na greve da Total constitui um ponto de apoio para a construção de um programa para todos os trabalhadores diante da crise. Da mesma forma, a disseminação da reivindicação de aumento de 10%, levantada pelos refinadores, em uma série de disputas recentes, marca uma mudança de mentalidade em relação à onda de greves salariais que a precedeu. Na AIA, Daher, Air Liquide ou Sanofi, essa reivindicação marca um ganho de confiança em setores da classe, e a raiva provocada pelos lucros recordes de muitas empresas. Só um programa que combine essas reivindicações pode ser base para a construção de uma greve geral para não pagarmos pela crise.

Ainda nesse sentido, porém, o dia 18 de outubro mostrou até que ponto a generalização da greve não acontecerá com facilidade. Da mesma forma, o fracasso total do dia 27 de outubro, chamado a contratempo, nos lembra até que ponto a direção da CGT pode desempenhar um papel de desmobilização. Para que uma orientação alternativa se expressasse, teria que haver ou uma explosão espontânea e muito radical de setores da classe trabalhadora, invertendo a situação, nos moldes do movimento dos Coletes Amarelos, ou um trabalho ativo das direções do movimento operário para construir um movimento de unidade, ou mesmo uma combinação dos dois. Porém, atualmente, a política da direção da CGT, e das direções sindicais como um todo, não é essa, e inclusive é na contramão de tal resultado.

As direções sindicais diante das contradições da situação

O anúncio de várias datas de mobilização pela direção da CGT rompe com dois anos em que, depois de se manterem passivos frente ao fechamento das fábricas e no auge da Covid, as direções sindicais apenas chamaram dias de ação espaçados ao longo de vários meses. Durante um ano de greves salariais locais, nunca propuseram um plano que procurasse convergir a raiva, adaptando-se ao quadro neoliberal de negociações individuais.

Do ponto de vista da CGT, que detém uma influência majoritária no movimento operário, essa sequência também destaca suas contradições internas. Os sucessivos apelos à mobilização explicam-se, na verdade, tanto pela pressão de baixo como pela vontade da confederação de não se mostrar demasiado passiva frente às suas federações de oposição, como a FNIC (federação da química, que liderou a greve dos refinadores), em vista do congresso confederativo de março de 2023. Por isso, Martinez já indicou Marie Buisson, dirigente da FERC-CGT (Educação) e formuladora do coletivo “Plus jamais ça” [Nunca mais isso], cujo perfil visa incorporar uma CGT mais aberta, particularmente verde e feminista, contra o setor de oposição que defende linhas mais abertamente obreiristas. Esse último, à frente do qual estão a UD13 e a FNIC, lançou recentemente seu próprio site, unitecgt.fr, e lançou em abril de 2021 uma chamada "por uma CGT a altura dos desafios" assinada por 1.200 sindicalistas da CGT. Embora defenda uma postura radical, não representa de fato uma alternativa à gestão, cujas orientações reproduz (corporativismo, convocação apenas para dias isolados, etc.)

No entanto, em um período de tensões sociais exacerbadas, o rompimento das consultas mostrou que Martinez precisou se empenhar no campo das lutas para se impor contra uma oposição que assume mais, inclusive publicamente, seu distanciamento da direção federal. Essa decisão pode levar outros sindicatos a se reposicionarem. Como o Solidaires que, avançando no campo do "diálogo social" na sequência anterior (assinatura do comunicado de imprensa intersindical de 4 de outubro aceitando negociações com Macron sobre as aposentadorias e diálogo com o Ministério da Educação Nacional durante o dia de greve de janeiro 13), procurou se posicionar como ala pró-renováveis ​​após a mudança de tom da CGT. Uma postura ilusória que não busca realmente construir a greve renovável, mas procura dialogar com a pressão da base, com vista às próximas eleições nas categorias.

As contradições podem igualmente ser exacerbadas por parte de outros sindicatos, em particular a FO. Esse sindicato, politicamente mais heterogêneo, há muito que oscila entre uma posição CFDT ou CGT. Depois de um novo boicote ao protesto de 29 de setembro, sua liderança finalmente convocou para o 18 de outubro, apesar da recusa pública em participar por parte de sua principal federação, a dos metalúrgicos. Essa último encarna uma ala aberta de colaboração de classe, que se encontra em certos setores da FO, mas que pode ser pressionada pela situação, como mostra a greve da Airbus nas cadeias do A320, onde 70% dos grevistas eram sindicalizados da FO, em greve contra a vontade do seu sindicato.

Do lado da CFDT, o posicionamento assumido da sua direção, como evidenciado pelas brutais posições anti-greve de Laurent Berger contra as refinarias, até agora não produziu nenhum desafio aberto. No entanto, não se deve subestimar as contradições na base, sobretudo frente aos setores de segunda linha para os quais se prevê uma “revolta”. Embora Berger tenha sido derrotado no último congresso em uma questão-chave, com os delegados reafirmando sua oposição a qualquer extensão da idade de aposentadoria, não está excluído que as tensões internas sejam exacerbadas - isso explica a posição supostamente firme de Berger sobre a questão de uma medida de idade sobre as aposentadorias - ou que se desenvolvam movimentos nas empresas onde o sindicato está estabelecido.

A virada brusca da CGT mostra, em todo caso, como, em um contexto de crise econômica e de crise dos órgãos intermediários, acentuada pela criação das CSEs desde 2020 e pela linha dura de Macron durante o primeiro quinquênio, as direções sindicais lutam para se orientar e oscilam entre a colaboração aberta e a obrigação de convocar mobilizações. Elementos de fraqueza que podem encorajar expressões descontroladas de descontentamento nas empresas e que abrir espaço para um processo de luta de classes nos sindicatos.

O NUPES: uma nova mediação política e suas contradições

A constituição do NUPES por iniciativa de Mélenchon (LFI) constitui a tentativa da esquerda institucional de capitalizar "atrasadamente" a sequência da luta de classes que, desde a primavera de 2016 com o movimento contra a lei El Khomri até as greves e manifestações de 2019-2020 em defesa da previdência, assim como as marchas pelo clima e as mobilizações contra a violência policial, foi marcada por uma série de grandes movimentos sociais. O congelamento da luta de classes durante o confinamento ajudou bastante a LFI nessa direção. Para Mélenchon, o horizonte do NUPES é construir uma oposição parlamentar e institucional, tendo o LFI à frente, apostando a curto e médio prazo no aprofundamento da crise política que levaria à convocação de eleições legislativas antecipadas.

Ao mesmo tempo, diante da situação social, Mélenchon se vê obrigado a fazer incursões táticas no terreno social. Isso se expressou nas últimas semanas pela marcha de 16 de outubro, que anunciou outras, ou pelo apoio manifestado às greves locais ou das refinarias. Estes elementos, que completam a estratégia parlamentar, cumprem vários objetivos: primeiro, recuperar a iniciativa após a sequência eleitoral que não permitiu à LFI consolidar-se tanto quanto pretendia Mélenchon, depois, ocupar preventivamente o terreno social no momento em que este pode ser rapidamente explosivo. Jean-Luc Mélenchon assumiu assim este verão que não era possível contentar-se com a luta parlamentar, e a e a LFI provavelmente tira conclusões do 1º quinquênio onde os períodos de luta de classes a colocaram em segundo plano na conjuntura política, em particular na época do movimento dos Coletes Amarelos que a LFI não capitalizou.

Porque se trata de permitir que Mélenchon apareça como o adversário número 1 de Macron, este esforço no terreno social é acompanhado por uma rejeição, mais ou menos assumida, dos métodos tradicionais do movimento operário. A relação com a greve dos refinadores é emblemática aqui. No meio do chamado à marcha de 16 de outubro, figuras-chave da LFI ignoraram descaradamente a greve dos refinadores durante suas primeiras semanas, com Mélenchon chegando a tornar a greve invisível em programas de TV quando questionado sobre a escassez de combustível. Por fim, quando o conflito se nacionalizou e o governo começou a estrangulá-lo, os deputados deram uma guinada ao se posicionarem como transmissores da luta dos refinadores na mídia e na Assembleia, no entanto sem adotarem o programa da greve.

Se Mélenchon quer jogar em ambos os lados, e mobiliza como Aurélie Trouvou a mitologia reformista construída em torno da "frente popular", a estratégia permanece, portanto, menos no sentido de articular greves e lutas parlamentares do que de mostrar seu apoio a todas as formas de luta, institucionais e sociais, subordinando as segunda às primeiras. Na realidade, isso leva objetivamente à rejeição de qualquer desenvolvimento autônomo da luta de classes e das greves operárias e a se opor ao desenvolvimento da classe trabalhadora como sujeito político hegemônico, capaz de assumir, em aliança com o conjunto dos oprimidos, a luta por um programa frente à crise, contra o governo, mas também contra todas as formas de dominação e pela derrubada do capitalismo [ 1].

Esta oposição passa pela manutenção da divisão entre greves nas empresas, por um lado, e luta política – necessariamente parlamentar e institucional para Mélenchon – por outro, mas também pela diluição dos trabalhadores no povo. Mélenchon assume esta lógica ao tender a formular e teorizar, de forma assumidamente ambígua, uma distinção entre o “povo” que pretende mobilizar e os “assalariados” capazes de fazer greve. Uma diluição que chega, por vezes, a distinguir os “assalariados” do povo. Num texto recente, Mélenchon escreve o seguinte: “a estratégia da Frente Popular é aquela que quer reunir numa mesma mobilização os dois atores fundamentais que são o Povo e os assalariados“, distinguindo assim estes dois atores e os seus métodos, explicando ainda que “o povo, é claro que são os assalariados, mas também são todos os outros. Temos o dever e a responsabilidade política de convocar os aposentados, desempregados, precários, secundaristas e estudantes à luta. Eles não são assalariados, mas são o povo. (…)”. Não é por acaso que as categorias “não assalariadas” associadas ao “povo” aqui mencionadas constituem uma parte importante do eleitorado de Mélenchon nas eleições presidenciais.

A valorização do “povo” também anda de mãos dadas com o desinteresse pela questão estratégica da unificação da classe trabalhadora. Enquanto os resultados das eleições presidenciais são chamativos sobre a forma como estas se distribuem hoje entre a extrema-direita, a esquerda e a abstenção, como demonstrou Jérôme Fourquet: “Tudo se passa como se o candidato "rebelde" tivesse melhor posição nos estratos mais modestos e precários, enquanto Marine Le Pen levaria vantagem nos segmentos mais integrados dos meios populares. A análise por nível de renda mensal líquida confirma este diagnóstico, Mélenchon só superando o sua adversária entre as pessoas com menos de 900 euros de renda mensal líquida, entre as quais, sem dúvida, um certo número de recebedores de benefícios sociais, que são menos numerosos entre os que a renda líquida ultrapassa 1.300 euros e que votam menos em Mélenchon. A esta clivagem econômica e estatutária que atravessa as classes trabalhadoras, há uma clivagem sindical entre os assalariados. Mélenchon está à frente de Le Pen entre os trabalhadores que se dizem filiados de um sindicato (35% contra 22%), enquanto está claramente para trás entre trabalhadores sem filiação sindical (19% contra 28%».

Apesar desta influência do RN sobre determinados setores operários, a falta de entusiasmo para resolver este problema central abre brecha para que figuras como François Ruffin ou Fabien Roussel, ambos do Norte da França, a aproveitem, defendendo a constituição de um bloco eleitoral mais centrado nos trabalhadores brancos, os “raivosos não fachos”, e a necessidade de arrancar setores deles da extrema-direita. Um problema que estes últimos resolvem em terreno eleitoral, com uma lógica muitas vezes reacionária, procurando empurrar para debaixo do tapete questões como o racismo e a violência policial por parte de Ruffin, ou simplesmente retomando elementos de discurso associados à direita, sobre segurança, imigração ou o assistencialismo, por parte de Roussel. Este debate deverá continuar a se desenvolver nos próximos anos, reforçado pela luta de classes e também pelo futuro calendário eleitoral.

A organização: uma questão deliberadamente não resolvida pela LFI

A orientação estratégica da LFI anda de mãos dadas com a recusa momentânea de estruturar uma organização que permita consolidar uma base militante duradoura. A hipótese de uma tentativa de avançar no terreno organizacional para consolidar a posição conquistada pela LFI na esquerda, estruturar uma força militante duradoura e preparar a era pós-Mélenchon, terminando com a liderança de "camarilha" que prevaleceu desde a criação da LFI, foi aberta após as eleições legislativas. Ela parece ter sido prejudicada pelas orientações que prevaleceram nos últimos meses.

A este respeito, a proposta formulada por Clémentine Autain de uma "nova etapa organizacional" encontrando "o equilíbrio que permita manter a capacidade de resposta, a capacidade de tomar iniciativas rapidamente, garantindo ao mesmo tempo uma melhor colegialidade nas decisões e espaço maior no nível local" não só foi ignorada, mas percebida como uma ofensiva interna. O que prevalece neste momento continua a ser a vontade de manter forças militantes em torno dos círculos eleitorais, o que permite manterem-se preparados para as próximas eleições, mas sem qualquer estruturação real, e isto mantendo-se abertos a formulações ad hoc "unindo sindicatos, partidos e associações” como expresso por Mélenchon.

Para alargar a sua base na sociedade e manter parte da sua base mobilizada, a LFI tentou, no entanto, estruturar uma força universitária cooptando a liderança da L’Alternative, uma federação de entidades estudantis de esquerda, e dirigindo-se com peso importante para a juventude estudantil com uma turnê pelas universidades. Mas o que geralmente prevalece são cooptações individuais, de figuras ecologistas (Alma Dufour do Amis de la Terre), feministas (Caroline De Haas), ou de outro-mundismo (Aurélie Trouvou do movimento social ATTAC), sem vontade de construir mediações que permitam pesar no interior das mobilizações do momento. Além disso, a atual desvitalização do Parlamento da União Popular, liderada por Aurélie Trouvé, que constituiu uma tentativa de forjar uma articulação entre a LFI e os movimentos sociais, mostra como isso também não é uma prioridade e no fim se limita a uma política eleitoralista.

Uma dinâmica que potencialmente fragiliza a LFI, como mostra o caso Quatennens, onde o apoio unilateral demonstrado por Mélenchon após revelações de violência doméstica abriu uma crise interna. Este caso, que vem depois de vários casos relacionados à violência de gênero e sexual nas organizações do NUPES, abalou tanto a LFI quanto a EELV, gerando certo repúdio a Jean-Luc Mélenchon entre a vanguarda e a juventude.e um esfriamento do ímpeto pós-legislativas. Na ausência de concorrência, a coligação formada em junho parece ter se mantido apesar de tudo ocorrido nos últimos meses, com predomínio do acordo estratégico entre as forças políticas apesar das diferenças táticas internas. Atualmente, as principais dinâmicas que atravessm o NUPES são a consolidação de uma direção central hegemonizada pela LFI em aliança com o Partido Socialista, uma tentativa do PCF de existir por meio de polêmicas públicas, mas sem buscar romper com o NUPES, e um apagamento dos Verdes, fragilizados após o "caso Bayou" que atingiu o secretário-geral da organização.

Tudo isto não exclui divergências abertas, como as expressas em torno das sucessivas moções de censura da LFI que o PS e os Verdes não quiseram apoiar, mas sempre no marco da coligação eleitoral. Deste ponto de vista, a perspectiva de uma dissolução da Assembleia ajuda a manter a coligação eleitoral. Por outro lado, será preciso se atentar à dinâmica dos próximos Congressos da EELV (dezembro), do PS (final de janeiro) e do PCF (abril), que poderão expressar contradições com os setores desses partidos que defendem independência frente ao LFI e/ou um projeto mais liberal de centro-esquerda, sendo estes mais presentes no interior do PS. As discussões em torno das eleições europeias também podem colocar à prova a aliança eleitoral.

Se o NUPES continua sendo um trunfo do ponto de vista da esquerda institucional que lhe oferece uma representação importante, e tem multiplicado as novas figuras em particular por parte da LFI, a luta de classes dos próximos meses poderá colocar à prova a coalizão. Enquanto o Parlamento da União Popular está amplamente minguado e o centro de gravidade do NUPES é parlamentar, sua capacidade de dirigir os movimentos de protesto vindouros parece limitada, sem comparação com as antigas organizações reformistas. Uma constatação que não impede a canalização a posteriori dos fenômenos da luta de classes, no modelo chileno, e que frisa a atualidade de uma batalha política contra a orientação da esquerda institucional.

Todos esses elementos fornecem uma resposta bastante clara à questão levantada recentemente pela liderança majoritária do NPA em um artigo: “La France Insoumise e o NUPES podem desempenhar um papel significativo na construção de mobilizações? Podem os vínculos forjados entre militantes no contexto das últimas eleições legislativas contribuir para isso?”. Mas também à ideia de que haveria uma "reconstrução da consciência de classe que se dá através do voto de Mélenchon". No momento, a construção de “mobilizações” permanece subordinada a manifestações desconexas da construção de uma relação de forças, numa lógica que, longe de favorecer a reconstrução da “consciência de classe”, tende a trabalhar ativamente pela diluição da centralidade da classe trabalhadora e sua passivização. Ao mesmo tempo, a LFI está longe de buscar ser o bastião para a reconstrução de mediações voltadas ao confronto com o governo e os patrões por fora da arena parlamentar.

A extrema-direita na crise do regime e a questão da “frente republicana”

Durante a eleição presidencial, Mélenchon pôde se beneficiar em parte do temor causado pelo fortalecimento da extrema-direita. Mas as eleições legislativas levaram a uma explosão provavelmente definitiva da "frente republicana" como política histórica dos partidos do regime contra a extrema-direita, o Renaissance recusando-se a tomar uma orientação nacional sobre este plano e referindo-se frequentemente aos "extremistas" do RN e o do NUPES como iguais. Uma política que permite vislumbrar futuras coalizões “à italiana” com a extrema-direita. Da mesma forma, a barragem "por baixo" desmoronou dentro de parte do eleitorado de esquerda que, por antimacronismo, se absteve fortemente no segundo turno das eleições legislativas nos duelos entre o Renaissance e a extrema direita.

Enquanto as eleições legislativas deram um grande bloco parlamentar à extrema-direita, com a eleição inédita de 89 deputados à Assembleia Nacional, e enquanto a extrema-direita se beneficia da ofensiva autoritária e racista do governo, como atesta o surgimento de uma figura como Zemmour no final do mandato de cinco anos de Macron, essa preocupação está longe de ter desaparecido. O que prevalece na esquerda e na extrema-esquerda diante da perspectiva de retorno da extrema-direita é a ideia de que isso seria sinônimo de retorno do “fascismo”. Na extrema-esquerda, e em particular no NPA, o corolário desta concepção - que confunde as orientações ideológicas e a natureza do regime - é o predomínio de uma lógica de "mal menor", que faz da eleição de reformistas uma tarefa prioritária no curto prazo e conduz a uma subordinação política à sua estratégia.

Contra essas concepções, insistimos em 2017 e 2022 no fato de que a oposição entre Marine Le Pen e Macron não era uma oposição entre o fascismo e uma forma degradada e até autoritária de democracia burguesa, mas a oposição entre dois tipos de bonapartismo. Como escrevemos então: "em virtude do estado atual das relações de classe, do posicionamento da burguesia e do estado do movimento operário, e do seu tipo de bases sócio-eleitorais muito compostas, embora Marine Le Pen tenha mantido suas raízes neofascistas, como certas camadas da FN (que ela tenta esconder), embora sua estratégia de demonização não signifique de forma alguma o abandono de objetivos políticos ultrarreacionários e destrutivos (pelos quais se pode dizer que a FN tem traços neofascistas combinados com traços mais "simplesmente" ultraconservadores), mesmo assumindo a hipótese de uma vitória sua nas eleições presidenciais, o regime da Quinta República não se transformaria em um regime "fascista". Isso marcaria, inegavelmente, um passo importante no sentido de reforçar a já existente virada bonapartista do regime. Por um lado, é óbvio que tal reforço seria o objetivo de Marine Le Pen, exacerbando qualitativamente todas as potencialidades xenófobas, racistas, antissociais e antioperárias já carregadas pelas instituições da Quinta República, porém radicalizando o mais longe possível os anseios nacionalistas».

Esta observação é reforçada pela atual dinâmica do RN, que as eleições legislativas impulsionaram para um novo lugar no regime. O partido de Marine Le Pen está, de fato, avançando em sua integração ao regime, e tende a se transformar em uma potencial força de alternância. Esta transformação qualitativa em curso é o produto de uma sucessão de transformações que se enraízam na política de "desdemonização" lançada pela dupla Marine Le Pen – Florian Philippot no início dos anos 2010. Sob o impulso do segundo, que rearticula o projeto xenófobo e racista do FN num discurso gaullo-soberanista, marcado pela crítica à União Europeia e ao euro (particularmente presente no período 2010 – 2016), e reforça significativamente o seu discurso às classes trabalhadoras no terreno social. Ao mesmo tempo, a organização se apresenta como “anti-sistema” para canalizar o descontentamento social e a raiva contra as políticas de austeridade.

Com base, em particular, nos resultados do debate do segundo turno, onde a escolha de um discurso ofensivo reforçando os traços mais populistas do RN foi percebida como responsável pelo fracasso contra Macron, a FN opera uma nova virada e lança uma “refundação”, o que levou à criação do RN em 2018. Marine Le Pen nesta ocasião afasta seu braço direito Florian Philippot, abandona a oposição à União Europeia e inicia uma nova etapa na “reorientação” do partido. Esta é marcada pelo abandono da saída do euro, pelo compromisso assumido no L’Opinion de reembolsar as dívidas públicas ou mesmo pelo recuo da promessa de reforma aos 60 anos.

Esta reorientação política, fortemente expressa no debate de segundo turno contra Emmanuel Macron, é reforçada pelo lugar ocupado pelo RN no regime após a crise aberta pelas eleições legislativas. A crise política aberta oferece, de fato, um papel central à extrema-direita, que pretende aproveitá-la para fortalecer sua legitimidade institucional, buscando incorporar uma oposição responsável, capaz de votar com o governo, como fez na lei do poder de compra. Isso não impede que o RN faça o seu papel, mantendo uma postura de oposição, e arriscando na corda bamba populista na Assembleia, como aconteceu com a recente votação da moção de censura que colocou o macronismo na defensiva e até o NUPES, ao mesmo tempo em que fez os Republicanos aparecerem como pró-Macron.

Mesmo que o Rassemblement National esteja longe de ter o favor de setores significativos da burguesia por enquanto, esses elementos possibilitam a chegada a médio prazo da extrema-direita ao poder na França. Ao mesmo tempo, o trabalho de legitimação institucional do RN intensifica a tensão entre sua postura “populista” de extrema-direita e sua ancoragem no “sistema”.

Perspectivas na luta de classes e o papel dos revolucionários

Como vimos, o medo da extrema-direita favoreceu a arregimentação de figuras de extrema-esquerda e de coletivos e figuras antirracistas à candidatura de Jean-Luc Mélenchon no primeiro turno das eleições presidenciais, e a ideia mais ampla de que a luta contra a extrema-direita significaria cerrar fileiras atrás da esquerda neorreformista. É assim que a direção majoritária do NPA está capitulando e se preparando para liquidar toda a independência política, explicando que: “nos recusar a agir para não nos comprometermos é um privilégio que já não podemos nos permitir nestes tempos em que a crise ecológica e a ascensão do fascismo dão nova relevância à alternativa "socialismo ou barbárie".

Na contramão dessa lógica que leva a subordinar-se à estratégia institucional do NUPES, consideramos que a chave diante das múltiplas crises atuais, do acirramento das tensões entre poderes e de todos os elementos que constituem a base do endurecimento dos regimes e da extrema-direita, se situa no terreno da luta de classes. É a classe trabalhadora, mobilizada com seus métodos, em aliança com todos os oprimidos e em torno de uma política revolucionária, que pode construir uma solução duradoura para a crise, contra o governo, a extrema-direita e esse sistema podre.

Para isso, a unidade da classe trabalhadora será decisiva. As greves dos últimos meses, a começar pela das refinarias, e dos últimos anos mostraram o quanto os patrões e o governo foram capazes de colocar tudo na balança para não atender às nossas reivindicações. Para criar um equilíbrio de poder capaz de fazer eles se dobrarem, devemos colocar em movimento ao mesmo tempo os diferentes setores de nossa classe que acumularam muitas experiências de luta nos últimos anos sem nunca convergirem para atacar juntos. Para isso, devemos defender um programa adaptado à situação atual, levando em consideração todos os aspectos da crise, todos os problemas da classe trabalhadora, da qual fazem parte os precários, desempregados e aposentados, e abordando de forma mais ampla os outros explorados e camadas oprimidas. Um programa que, para propor uma resposta para a crise, deverá necessariamente se colocar além “dos limites da propriedade capitalista e do Estado burguês", se inspirando na lógica do "programa de ação" desenvolvido por Trotsky na década de 1930, e articulando-o com reivindicações imediatas no sentido da campanha que iniciamos neste outono.

Como a greve dos refinadores e os movimentos nacionais anteriores mostraram, essa batalha pela unidade da classe será travada contra a política das direções sindicais. Estas têm mantido sistematicamente o corporativismo e a divisão da nossa classe nos últimos anos, impondo estratégias de derrota. Contra suas estratégias de pressão, é necessário construir uma greve renovável com base em um programa que permita mobilizar todos os setores da classe trabalhadora, dirigindo-se a todos aqueles que poderiam ser conquistados para as ofensivas anti-grevistas do governo e da extrema-direita ou à política de diálogo social da CFDT.

Para defender essa orientação, é preciso começar desde já a coordenar e reagrupar desde baixo os setores de vanguarda que entendem a necessidade dessa política. Tais agrupamentos, a exemplo das coordenações durante a greve, deveriam promover uma solidariedade ativa com as greves em curso, evidenciar a necessidade de um plano de luta mas também começar a concretizar uma orientação alternativa às das direções sindicais.

Uma orientação que defenda um programa ofensivo para recusar pagar pela crise, mas que não se limite ao campo econômico. Contra a ofensiva autoritária e o endurecimento do regime, usados ​​para atacar nossos direitos, devemos exigir o fim da Quinta República e seus dispositivos excepcionais e defender um programa democrático radical, a começar pela extinção da instituição presidencial, do Senado e a criação de uma câmara única concentrando os poderes legislativo e executivo cujos membros seriam eleitos por dois anos e revogáveis.

Em um período de crise em que chovem ataques contra minorias, o movimento operário também deve levantar em alto e bom som as demandas daqueles que lutam contra a opressão, unindo forças com movimentos antirracistas, feministas, LGBT, bem como com a juventude, organizada no movimento estudantil ou no movimento ambientalista. Esses movimentos, dentro dos quais estão surgindo alas radicais, incorporando a questão da “greve” às suas lutas, desempenharam e continuarão a desempenhar um papel importante na oposição ao governo. Levar dentro de si uma política pró-operária, mas também revolucionária, será decisivo.

Um movimento operário que reconquiste a confiança em suas forças, lute por sua unidade, firme aliança com todos os setores oprimidos e passe a encabeçar a luta por não pagar pela crise constituiria uma força imensa, capaz de arrancar reivindicações importantes e esmagar a extrema-direita. Tal dinâmica poderia abrir caminho para uma luta revolucionária que só pode ter sucesso em escala internacional, mas que constitui o único meio de varrer definitivamente Macron, a extrema-direita e as imensas ameaças representadas pela crise ecológica ou pela aceleração da militarização das grandes potências contra a sobrevivência da humanidade.

[ 1 ] Esse papel hegemônico está conferido, tanto para Mélenchon quanto para Laclau e Mouffe, ao líder populista, em torno de objetivos bem mais limitados de “democratização” do regime.


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