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Debate | Crise histórica do PSOL: quais as lições e as perspectivas para a esquerda?

Neste artigo buscaremos fazer um diálogo com os eleitores, simpatizantes e também militantes do PSOL que ao longo dos últimos anos enxergavam neste partido uma alternativa à esquerda do PT. Em particular dialogamos com as correntes e militantes que se reivindicam socialistas e que recentemente lançaram a carta “PSOL na encruzilhada”. Diante da diluição da maioria do PSOL na chapa Lula-Alckmin, e da iminência da união com a Rede, é preciso discutir, qual seria a política correta diante desta linha majoritária? Em nossa visão faltou ao longo dos anos e particularmente agora a defesa decidida de uma política de independência de classe, que não pode ser substituída por políticas que na prática terminam sendo “um pouco mais de esquerda”, mas que se colocam no campo de um programa meramente anti-neoliberal, como é a candidatura de Glauber Braga, e mantendo uma subordinação por exemplo às burocracias sindicais. Consideramos esta uma discussão central para não repetir erros que se tornam trágicos para os trabalhadores e a juventude.

Diana AssunçãoSão Paulo | @dianaassuncaoED

quinta-feira 24 de março de 2022 | Edição do dia

Há um importante debate entre os trabalhadores, a juventude e a esquerda brasileira sobre como encarar a luta contra Bolsonaro e a extrema direita, inclusive com importantes divisões na esquerda: em que por um lado houve aqueles que rechaçaram o golpe institucional, mas de forma adaptada ao PT, e por outro aqueles que para se diferenciar do PT terminaram se adaptando ao golpismo. Hoje, é natural que no marco de uma situação que ainda é marcada por fortes elementos reacionários e depois de anos de ataques históricos desde o golpe institucional e sob um governo Bolsonaro-Mourão, sem ver uma alternativa no terreno da luta de classes, amplos setores considerem que o único caminho é a via institucional e por isso “seria necessário apoiar Lula”. A questão é que esse direcionamento eleitoral foi construído pelo próprio PT, que durante todo o governo Bolsonaro se negou a construir qualquer luta séria para enfrentar os ataques, para agora dizer que não resta mais nada o que fazer, se não eleger Lula. O que estamos vendo agora é o PSOL se subordinar a essa política transformando em estratégia a busca de um mal-menor contra Bolsonaro, que inclui até mesmo Geraldo Alckmin.

A direção do PSOL está de forma entusiasta e orgulhosa levando adiante esse giro à direita que abre uma crise histórica no PSOL. Ao mesmo tempo preparam a união com a Rede de Marina Silva, um partido burguês bancado pelo Itaú. Essa combinação é a culminação de um processo que muda o caráter do PSOL. O entusiasmo é, entretanto, uma maneira envergonhada de esconder a crise do seu próprio projeto. A cada dia, ocorrem novas rupturas de parlamentares do PSOL pela direita, indo para o PSB (Marcelo Freixo e Wesley Teixeira, este último chegou a dentro do PSOL receber dinheiro de Armínio Fraga), PDT (David Miranda), PT (Jean Wyllys, Douglas Belchior, além de recentemente cerca de 100 mulheres negras do Rio de Janeiro), PCdoB (Isa Penna) para citar algumas do último período. Trata-se de setores que o PSOL abrigou e projetou durante anos e que buscam melhores alternativas eleitorais, seja atrás de Lula, Ciro ou em partidos burgueses como o PSB de Alckmin, Tabata Amaral e tantos golpistas. Isso não quer dizer que o PSOL esteja se libertando de suas alas oportunistas, mas que o estágio de desenvolvimento da orientação oportunista do PSOL é tão avançado que leva vários dos seus principais porta-vozes e outros de menor peso a buscar partidos que ofereçam mais a eles neste caminho capitulador. Os frutos à direita desse processo estão determinados a continuar.

Isso acontece poucos anos depois da comemoração efusiva do “aumento da bancada do PSOL”. Agora o PSOL, ignorando essa fuga de deputados, ou como resposta a ela, volta a lançar a consigna “construir uma bancada histórica”. Uma bancada histórica para servir à política da direita com seus parlamentares indo para estes partidos? Entretanto, o buraco que significou a saída desses deputados ameaça os fundos e recursos partidários, o que no caso do PSOL põe em risco realmente a existência do partido, através da cláusula de barreira e a resposta para essa situação está sendo as tratativas para fundar uma Federação entre o PSOL e a Rede Sustentabilidade, que já aprovou a reforma da previdência em São Paulo, é contra o direito ao aborto e foi a favor do golpe institucional e da prisão arbitrária de Lula, além de ter dado votos para a reforma da previdência de Bolsonaro. Com as candidaturas de Guilherme Boulos e Marina Silva para a Câmara de Deputados pretendem conquistar outras cadeiras para a Federação, garantindo que o PSOL supere a cláusula de barreira. O discurso feito pela maioria do PSOL é declarar que seguem sendo partidos “separados”, entretanto estão obrigados a atuar juntos durante 4 anos com programa e estatuto comuns, e sendo uma só força no Congresso Nacional. Ou seja, o típico vale-tudo eleitoral para seguir garantindo financiamento do estado burguês.

Pela primeira vez desde sua fundação em 2005, o PSOL não terá candidato próprio a presidente. Nos estados, começam a protagonizar uma paródia da mesma política nacional. Em São Paulo, Guilherme Boulos, que sempre empenhou o slogan “derrotar o tucanato em São Paulo”, retirou sua candidatura para apoiar Fernando Haddad do PT no marco da chapa Lula-Alckmin, ou seja, ainda não se explicou como vão derrotar o tucanato em São Paulo aliados com o até então tucano Geraldo Alckmin. No Rio, a maioria quer seguir Marcelo Freixo. Esta adaptação é claramente um salto de qualidade, porém não significa que o PSOL dos últimos anos estivesse levando adiante uma política que fosse em outro sentido. A verdade é que o que estava se gestando era uma sucessão de políticas e iniciativas que construíram o caminho para mergulhar de cabeça na chapa Lula-Alckmin.

Estes problemas do PSOL não são de hoje

A ruptura de caudilhos eleitorais que o PSOL projeta por anos não é algo novo. A primeira foi Heloísa Helena, candidata à presidência em 2006, quando obteve 6% dos votos e no Rio 17%. Foi um primeiro momento do PSOL que tinha mais elementos progressistas, canalizando eleitoralmente um processo de rupturas com o PT pela esquerda, que tinha sua base principal no funcionalismo público. Mas desde o começo esse partido buscou se construir atrás de caudilhos eleitorais e com setores que tinham um conteúdo político centrado na “luta contra a corrupção”, ao invés de se centrar nos problemas da classe trabalhadora e em uma estratégia em base à luta de classes, tendo figuras como Heloísa Helena e Randolfe Rodrigues, que romperam com o PSOL para construir a Rede Sustentabilidade de Marina Silva.

Para tirar lições é necessário ver que este problema de uma adaptação à política burguesa de como tratar o problema da corrupção não é exclusivo das alas mais à direita do partido, e que agora romperam com ele, setor do qual Marcelo Freixo sempre foi um dos pilares. É também um eixo da política do MES de Luciana Genro e, infelizmente, da própria CST, o que foi parte fundamental de terem se adaptado à ofensiva golpista desde 2015.

O PSOL também protagonizou outros episódios macabros, como foi o Cabo Daciolo, que também foi exaltado pela ala esquerda do partido e pelo próprio PSTU, e depois rompeu. Ou Janira Rocha, ex-deputada pelo PSOL RJ e a principal figura do partido regionalmente por um período, que é hoje advogada da pastora Flordelis.

Mas o problema sempre foi além de figuras soltas, era uma busca permanente por alianças eleitorais que nunca tiveram um princípio de independência de classe. Uma política que não começa nesta eleição, mas que nela se agrava qualitativamente. Nós do MRT viemos alertando e combatendo publicamente as consecutivas capitulações do PSOL à falta de independência de classe. Em meio à ofensiva do golpe institucional e quando o PSOL mantinha sua independência organizativa em relação ao PT e partidos burgueses, nossa organização solicitou a filiação democrática no PSOL diante da anti-democrática legislação eleitoral, para podermos apresentar candidatos. Adotamos essa tática a partir de critérios políticos, analisando os princípios, a partir de situações em que não se colocava qualquer tipo de coligação que ferisse a independência de classe. Em vários casos tivemos que retirar candidaturas, como de Maíra Machado em Santo André ou Carolina Cacau no Rio de Janeiro, por coligações locais do PSOL com a Rede ou pela existência de candidatos policiais, inclusive para os cargos majoritários.

Ao mesmo tempo, é preciso analisar a política do PSOL quando conquistou cargos executivos. Neste processo, esse partido teve seus episódios trágicos, como foi a prefeitura de Clecio Luis, em Macapá, que se enfrentou com uma greve de professores repetindo os métodos de governos burgueses tradicionais e também foi para a Rede. Outro exemplo mais recente dessa política é Edmilson Rodrigues, atual prefeito de Belém que se elegeu com um vice-prefeito do PT em sua chapa, numa coligação que contou com partidos que vão da Rede, PDT, PCdoB à UP e contando também com o apoio do PCB. Desde o início do mandato, Edmilson tentou passar uma reforma da previdência municipal, seguindo os ataques nacionais contra os trabalhadores. A reforma só não foi aprovada pelo enorme rechaço dos servidores municipais, que ao invés de ter uma demanda mínima de reajuste de acordo com o salário mínimo atendida, tiveram que organizar paralisações e a mobilização contra o arrocho salarial que a prefeitura buscou aplicar.

Infelizmente, o fato é que pouco se viu, ao longo dessa trajetória de mais de 15 anos do PSOL, lutas políticas abertas e públicas das alas esquerda do partido que chegassem a abrir crises para a maioria levar à frente essas políticas, o que não poderia ser com notas eventuais pouco lidas em seus sites. Alguns argumentam que o debate era feito internamente, mas essa é uma questão que está longe de resolver o problema: por que a ala esquerda do partido respeitava o “centralismo” das decisões partidárias se os caudilhos eleitorais e a ala direita nunca se disciplinou a isso? O fato é que publicamente, o PSOL sempre apareceu unificado nas eleições, o que gera uma situação agora mais difícil para a ala esquerda do partido poder se apresentar como alternativa mais forte.

Agora, a principal política da ala esquerda do PSOL tem sido a defesa da pré-candidatura de Glauber Braga. Mas de que serve, contra uma política de diluição na chapa Lula-Alckmin, fazer uma defesa de um programa que sequer pode ser considerado anti-capitalista? Correntes do PSOL como a CST, que na Argentina constroem conosco a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores - Unidade, podem encontrar lá um exemplo evidente da diferença entre uma política anti-capitalista, como a da FIT-U, e uma política meramente anti-neoliberal, com verniz de neodesenvolvimentismo, como é o programa reformista de Glauber Braga, que carrega com orgulho uma “tradição brizolista”, ou seja, uma tradição de retórica desenvolvimentista que foi parte de gerir o capitalismo brasileiro. Como apontamos neste artigo de debate sobre o programa apresentado por Glauber Braga não defende sequer o não pagamento da fraudulenta dívida pública, e levanta a “revisão constitucional do papel das Forças Armadas e polícias estaduais”, uma política de controle das forças repressivas do Estado burguês racista brasileiro, posicionamentos típicos de alguém que foi do PSB e não tem nenhuma trajetória de independência de classe, como desenvolvemos neste artigo. Assim, de antineoliberalismo já bastam os arroubos fracassados de Juliano Medeiros alentando cada experiência neo-reformista internacional. Enquanto isso, o sonho da direção majoritária de um PSOL “amplo e plural” definha a cada ruptura pública de parlamentares que, desanima esses dirigentes, mas buscam uma resposta em “estar junto com os partidos da ordem” e barganhando para 2023 uma possível experiência ministerial em um futuro governo Lula-Alckmin. Para isso contam com o guru teórico Valério Arcary que deturpa as lições de Trótski, Lenin e Marx para justificar embarcar na chapa Lula-Alckmin e camuflar o caráter da Federação com a Rede.

Neste sentido, é preciso dar um passo adiante da correta política de rechaço à linha majoritária da direção do PSOL. A política de apresentar um “mal menor ao mal menor”, ou seja, a candidatura de Glauber Braga com um programa anti-neoliberal diante da debacle do partido de qualquer maneira já naufragou. É evidente que isso não passa de “propaganda” e não tem a menor chance de se efetivar na realidade. A crise que deve afligir milhares de eleitores e militantes do PSOL que sempre lutaram contra Alckmin se vendo envoltos em um mesmo projeto com este inimigo de classe exige uma atitude responsável da ala esquerda do PSOL, que portanto precisaria ser muito mais decidida. Não há outro caminho que não o de ruptura com o PSOL para batalhar por uma alternativa e um polo de independência de classe. É lutando por este conteúdo que estamos fazendo parte do Polo Socialista e Revolucionário, do qual vários que assinam a carta “PSOL na encruzilhada” já fazem parte, com a contradição de seguirem no PSOL sem uma política clara de dar um sinal à vanguarda e aos eleitores do PSOL: que este salto de qualidade à direita termina de mudar o caráter do PSOL e não será aceito.

Os acontecimentos atuais que escancaram uma divisão dentro do PSOL são a expressão da relação entre a ausência de qualquer democracia interna no partido e a estratégia eleitoralista com a “ditadura das figuras públicas e parlamentares”. A questão é que isso, tampouco, caiu do céu. Hoje a ala-direita do PSOL, impõe através de suas figuras, uma orientação por fora das instâncias democráticas do partido e isso não é uma debilidade momentânea senão que se trata de uma parte estrutural da estratégia eleitoralista dos “partidos amplos”. Isso explica também porque essa mesma ala-direita do PSOL sempre teve que ter um pulso firme contra a proposta de entrada do MRT em 2015 e 2017, quando o MRT, sendo uma voz pública de independência de classe através do Esquerda Diário, se propôs a entrar no PSOL com nossas próprias bandeiras para batalhar por uma política que pudesse potencializar a experiência de massas à esquerda do PT e que não fosse capitalizada pela direita. Desde aquele momento sabiam que isso significaria que nos enfrentaríamos contra a política da direção majoritária que conduzia essa experiência com o PT ao beco sem saída do mal menor eleitoralista e institucional, por isso, negaram a entrada do MRT.

Nosso chamado como MRT

Apresentamos uma série de debates que consideramos centrais para que das crises em curso se possa fortalecer uma perspectiva revolucionária na esquerda brasileira. Fazemos estes debates porque consideramos que a construção de um partido revolucionário de trabalhadores no Brasil é um processo que se dá a partir de rupturas e fusões, no qual são fundamentais os debates para superar os erros do passado.

Por isso viemos chamando os companheiros da esquerda do PSOL para romper imediatamente com essa organização, e darmos uma batalha em comum neste momento por um polo de independência de classe no Polo Socialista e Revolucionário, que estamos fazendo parte com o PSTU, a CST e outros setores do PSOL, além de uma série de grupos, coletivos e ativistas, como um passo no reagrupamento da esquerda socialista. Consideramos que o Polo deve estar ligado a cada uma das lutas que surgem, batalhando contra a política das burocracias para não deixar nenhuma isolada, além de construirmos uma referência de independência de classes também nas próximas eleições. O PSTU vem apresentando seus candidatos para que o Polo debata seu apoio e cedeu democraticamente legenda para todos os seus componentes. Isso permite que todos os setores do Polo possam apresentar suas candidaturas, com liberdade para defender suas posições políticas próprias, assim faremos com nossos candidatos e candidatas do MRT.

Também estamos fazendo um fraternal debate programático no Polo, que não tem o objetivo de uma organização impor o seu programa a outra, mas de chegar aos pontos de acordo para nossa atuação em comum. Ao mesmo tempo, cada organização tem o direito de expressar suas próprias posições de maneira livre. Um dos debates é, por exemplo, nossa relação com as correntes ligadas à tradição stalinista como o PCB e UP, que mostram sua política de conciliação de classes e por dentro da institucionalidade burguesa em seu apoio a governos burgueses chamados de “progressistas”, como internacionalmente na Venezuela e outros que reivindicam como Brizola no Brasil. Agora, frente à guerra na Ucrânia, o PCB se alia a Putin e exalta o papel da Rússia e da China, quando atuam em parceria para projetar a influência bonapartista de seus próprios capitalismos no Leste europeu e na Ásia oriental. O PCB também fez parte da coligação eleitoral de Lula-Alencar em 2002 junto com o Partido Liberal, atual partido de Bolsonaro. A UP é parte de uma tradição ortodoxa do stalinismo, coveiro de revoluções. Consideramos que é importante a unidade da nossa classe no terreno da luta de classes e na luta por impor plano de lutas às direções majoritárias do movimento de massas, mas que para construir projetos políticos é necessária a independência da tradição stalinista.

Neste sentido, o maior exemplo de independência de classes que temos é a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores da Argentina (FIT, na sigla em espanhol), que defende um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo, levantando um programa transicional e é a principal força política nas ruas para enfrentar o acordo do governo Fernández com o FMI. Uma referência de independência de classe, que une diversos setores da esquerda, onde cada uma debate livremente, de forma franca e fraternal as diferenças políticas, algo que não impede a unidade nos pontos de acordo e permite que a esquerda socialista venha se fortalecendo no país nos últimos anos. Nossa organização irmã, o PTS, encabeça a FIT, que se difere completamente das neorreformistas que faliram, com projetos parecidos com o do PSOL, como o Syriza na Grécia ou o Podemos no Estado Espanhol (ou mesmo o NPA francês, em profunda crise por sua linha oportunista de seguir Jean-Luc Mélenchon) sempre tão comemorados por essas mesmas figuras do PSOL que terminaram no PDT, PSB, PCdoB ou que agora se preparam para um mergulho na chapa Lula-Alckmin.

Fazermos debates estratégicos como estes, combinados com uma experiência em comum na luta de classes e na luta por um polo de independência de classe, colocará melhores condições para a batalha pela construção de um partido revolucionário no Brasil e internacionalmente. Isso porque o conjunto da trajetória do PSOL, que se formou a partir de importantes rupturas após a primeira experiência de um governo Lula ajustador (2003-2004), quase vinte anos atrás, sendo um partido à esquerda do PT porém sem delimitação programática e estratégica, deve abrir a cabeça de toda a vanguarda da classe trabalhadora e da juventude para pensar que tipo de partido é necessário construir, para não repetir, mais uma vez, essa experiência trágica.




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