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DEBATES NA ESQUERDA | Constituinte no Chile: lições para o Brasil

Fruto do ciclo de luta de classes que se iniciou em 2019 e que questionou o regime político chileno, a convenção constituinte traz lições importantes para enfrentar Bolsonaro e o conjunto dos atores políticos responsáveis pela crise em curso no Brasil.

Clara GomezEstudante | Faculdade de Educação da USP

domingo 11 de julho de 2021 | Edição do dia

Imagem: reprodução via Twitter

A convenção constituinte que se iniciou domingo passado no Chile é uma das principais experiências políticas que ocorrem hoje internacionalmente. A origem do processo remonta diretamente ao ciclo de luta de classes que começa em 2018 na França e que explode em 2019 no Chile, junto a outros países.

Com forte protagonismo da juventude chilena, as mobilizações que tomaram conta das ruas no país colocaram em xeque a herança Pinochetista e o regime político, tendo como uma das suas palavras de ordem “não são 30 pesos, são 30 anos”, em referência ao estopim da mobilização que foi contra o aumento da passagem. O auge do processo de luta se dá no dia 12 novembro, data na qual o Chile é tomado por manifestações e por uma greve geral com grande adesão, o que impôs a constituinte a Piñera e a setores da direita que às pressas tiveram que se mobilizar para acatar essa demanda, costurando um desvio para que ela se transformasse em um mecanismo que impedisse que transformações estruturais pudessem ser adotadas.

Ainda que a constituinte tenha sido acatada de forma controlada por meio do acordo de paz, a imposição desse processo pela luta do povo chileno traz lições importantes ao Brasil. Nesse sentido, o acordo de paz consiste em um mecanismo que estabelece o poder de veto com ⅓ dos votos, junto ao respeitos aos tratados internacionais, o que se combina a revisão das decisões da constituinte pela Suprema Corte e também a proibição de se interferir nas prerrogativas das instituições existentes do velho regime, tais como o governo de Piñera, o parlamento ou o judiciário.

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Ainda assim, em um momento no qual se evidencia que a crise em curso no país foi operada por Bolsonaro e todos os atores do regime brasileiro, como os militares e o Centrão, é fundamental lançar mão sobre as lições estratégicas que podem ser tiradas do processo chileno para colocar abaixo o regime do golpe institucional no Brasil, sem ter que esperar até 2022.

Os aprendizados que podem ser apreendidos com esse processo ganham um peso ainda maior no marco da estratégia eleitoral adotada pela esquerda brasileira que se limita a desgastar Bolsonaro até as eleições, enquanto nesse meio tempo são aprovadas uma série de medidas que atacam a população mais pobre. Nesse sentido, o país vizinho do Brasil mostra como a força dos trabalhadores e da juventude é uma peça-chave para alçar voos maiores que ultrapassam os muros da institucionalidade.

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Como mencionado, a convenção constituinte chilena foi fruto dos processos de mobilização impulsionados contra a herança Pinochetista, que desde a ditadura fez do país um laboratório do neoliberalismo. A degradação das condições de vida, que hoje faz o Chile alcançar uma inflação similar a de 1982, gerou uma revolta generalizada que expressava seu ódio ao governo Piñera e exigia uma nova constituinte.

Semelhante ao Chile, o Brasil hoje também sofre com as políticas privatizantes, que vinham sendo aplicadas desde os governos petistas e que foram intensificadas a partir do golpe institucional. O resultado direto da aprovação das reformas e medidas são os 530 mil mortos pela pandemia, o desemprego massivo e a alta dos alimentos. Não à toa alguns setores da juventude e da classe trabalhadora têm ido às ruas no país.

No entanto, os atos chamados pelas direções não têm como objetivo central a derrubada imediata de Bolsonaro. As mobilizações têm sido utilizadas como parte da política de desgaste do governo Bolsonaro até 2022 e têm como principal política a defesa do impeachment. Política essa defendida pelo PT e endossada por partidos como o PSOL e PSTU, que apresenta à população o General Mourão, reconhecido pelo seu racismo e pela destruição da Amazônia, como alternativa.

A imposição da constituinte do Chile, a partir da força da mobilização, mostra como o legítimo repúdio a Bolsonaro pode ser organizado para outra saída política. No caso do Chile, ainda que não se trate de uma constituinte livre e soberana, em função das direções do movimento de trabalhadores que não batalharam por isso e que acatam ao Acordo de paz, o mais central é destacar a aspiração das massas, ou seja, sua vontade e desejo de poder decidir sobre todos os problemas do país.

Essa experiência, para a classe trabalhadora, é fundamental, em particular diante das ilusões democráticas que ainda existem, e por isso, a perspectiva da luta por uma Constituinte, realmente livre soberana, que não se limite às saídas políticas por dentro do próprio regime, de modo que se possa abrir caminho para um questionamento do próprio capitalismo, e a necessidade de um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo. A derrota da direita nas eleições para a convenção, junto às mobilizações, expressam um sentimento no qual é possível se apoiar por uma saída dos trabalhadores.

Todas as potencialidades e limitações desse processo mostram a centralidade da auto-organização em cada local de estudo e trabalho para a derrubada do regime e a necessidade de superação à esquerda das direções dos trabalhadores, nos dois países em discussão. No Chile, se se supera a política das direções e se generalizam exemplos de auto-organização como as Assembleias Territoriais ou como o Comitê de Emergência e Resguardo de Antofagasta, a luta dos trabalhadores pode ser potencializada pela libertação de todos os presos políticos e para romper com a tutela da convenção por parte do velho regime, a partir de uma forte greve geral organizada em cada local de trabalho e estudo.

Já no Brasil, a auto-organização por parte de setores que se colocam à esquerda do PT, poderia colocar de pé um Comitê Nacional pela Greve Geral em exigência às direções burocráticas para que as centrais sindicais como CUT e a CTB construam essa greve um verdadeiro plano de lutas, pr’além dos atos rotineiros. Ao mesmo tempo, toda essa luta poderia estar à serviço de uma Assembleia Constituinte que não fosse tutelada pelo regime, mas que fosse Livre e Soberana, conformada por novos representantes do povo eleitos a cada 100 mil pessoas, o que elegeria melhores de deputados constituintes pelo país e que nesse processo lutemos para revogar todas as reformas e medidas aprovadas no último período.

Editorial: Greve geral para derrubar Bolsonaro, Mourão, os ataques e impor uma nova Constituinte




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