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Economia | As mentiras liberais na carta de Malan, Fraga e Bacha

Ao longo da última semana, o mercado financeiro tem reagido mal aos discursos de Lula e a chamada PEC da Transição, que busca tirar os gastos com o Bolsa-Família do Teto de Gastos, o que, segundo o novo desenho do programa da equipe de Lula, teria um custo anual de R$ 175 bilhões. Mostra da reação do mercado foi o aumento do dólar, que subiu 0,99% na semana, e a queda da bolsa de valores, que caiu mais de 3% na semana.

quarta-feira 23 de novembro de 2022 | Edição do dia

As preocupações do mercado ganharam forma na carta publicada na quinta-feira, assinada por Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, economistas historicamente ligados ao PSDB e que atuaram no governo de FHC, ainda que tenham votado em Lula neste ano.

Na carta, os três tentam demonstrar a importância da responsabilidade fiscal para as melhorias sociais e defendem o Teto de Gastos, aprovado em 2016. Eles afirmam que a alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados” e que os juros, o dólar e a bolsa são efeitos das ações de todos na economia, “muita gente séria e trabalhadora”, segundo eles.

Se é verdade que as variações do dólar e dos juros têm efeitos sobre a vida dos trabalhadores brasileiros, pelo impacto na inflação e nos custos de empréstimos, os caminhos que determinam seu aumento ou diminuição estão muito longe da capacidade de influência dos trabalhadores. O principal determinante da variação do dólar são os investidores do mercado financeiro, em especial os estrangeiros, que sempre buscam levar seus dólares para os locais onde possam lucrar mais, para além dos movimentos políticos que fazem, com a intenção de pressionar governos em defesa de seus interesses, como o que fazem neste momento em uma tentativa de pressionar Lula, como já haviam feito em 2002.

Já os juros pagos pelo governo na dívida pública são definidos, majoritariamente, pela cúpula do Banco Central, hoje presidido por Roberto Campos Neto, e que é, em grande parte, subordinada ao mercado financeiro. Cito aqui apenas um exemplo: o próprio Armínio Fraga, que nos anos 1980 foi economista-chefe do Banco Garantia e vice-presidente do banco americano Solomon Brothers, cargo que deixou um mês antes de se tornar diretor do Banco Central brasileiro. Em 1993, saiu do Bacen para atuar no Soros Fund Management. Em 1999, se torna presidente do Bacen, até 2003. 7 meses depois, funda a Gávea Investimentos.

Portanto, mais do que produto da ação de gente séria e trabalhadora, estas duas variantes fundamentais da economia brasileira, que influenciam a vida de milhões de trabalhadores, terminam por ser definidas por especuladores do mercado financeiro, sempre em defesa de seus lucros e seus interesses, contrários aos da maioria dos trabalhadores, como pôde ser visto na euforia e apoio do mercado financeiro ao Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista e da Previdência, as privatizações e a atual política de preços da Petrobras, que extorque os trabalhadores brasileiros para gerar os maiores lucros entre todas as petroleiras do mundo. Caso se confirme a distribuição de lucros do terceiro trimestre, a Petrobras terá distribuído mais de R$ 180 bilhões aos seus acionistas em 2022, grande parte deles estrangeiros, ao custo de cobrar mais de R$ 5 pelo litro da gasolina e quase R$ 7 pelo diesel.

Em sua defesa da responsabilidade fiscal, os três economistas afirmam ainda que o Teto de Gastos não serve para tirar recursos da saúde e da educação, mas na realidade este é exatamente o seu papel, garantindo que jamais poderão faltar recursos para a dívida pública. Em valores reais, o orçamento da educação se encontra praticamente estagnado desde 2016. Para o orçamento de 2023, são previstos R$ 147,4 bilhões para o MEC, valor que é 3% menor que o já combalido orçamento de 2022, e cerca de 7,5% menor que o pico histórico, em 2014, antes que o próprio governo Dilma Rousseff começasse os cortes na educação. Em uma rápida comparação, vê-se que a média do orçamento do MEC desde 2017, ou seja, pós-teto, foi de R$ 147,54 bi, contra uma média de R$ 152,82 bi no período 2012-2016, uma queda de cerca de 3,5%. Quando se olha para o orçamento dedica a educação superior, os números são ainda mais gritantes, pois são uma linha reta descendente. Em 2022, foram R$ 37,2 bilhões, valor cerca de 28% menor que o pico, em 2015, e 19,5% menor que 2017, com uma previsão de que em 2023 os gastos com educação superior caiam cerca de 8,5% em relação a 2022. Resultado similar pode ser visto no orçamento do ensino profissional, que saiu de R$ 16,1 bilhões em 2017 para R$ 14,7 bilhões em 2022.

Na saúde se vê um quadro de recursos basicamente estagnados desde 2016, fora os gastos extraordinários devidos à pandemia em 2020 e 2021, ainda que em um nível um pouco acima dos gastos nos anos imediatamente anteriores à implementação do Teto. No gasto previsto para 2023, no entanto, o que se vê é o menor orçamento para a pasta dos últimos 10 anos, com uma queda de cerca de 10% em relação ao orçamento de 2022.

Uma breve olhada na série histórica mostra também uma enorme compressão nos investimentos públicos em áreas como saúde, educação e transporte nos últimos 10 anos. Se os serviços públicos já sofriam com baixos orçamentos, o congelamento de seus orçamentos a longo dos anos, somado ao aumento da população e do número de usuários contribuem para aprofundar cada vez mais o sucateamento destes serviços. Estes valores são da Nota Técnica elaborada pelo Senado Federal na avaliação da proposta de orçamento de 2023.

Ainda como forma de justificar sua defesa do Teto de Gastos e dos juros altos, os economistas afirmam que toda economia depende de crédito e que, no Brasil, o governo “não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.” Esta afirmação é completamente ridícula e, de maneira geral, nem valeria qualquer tipo de resposta. Mas basta dizer que a última moratória da dívida brasileira ocorreu em 1987, e se referia apenas à dívida externa, e que hoje o Brasil paga os juros reais mais altos do mundo, em 7,8%. A visão do governo brasileiro como “mal devedor” não passa de terrorismo do mercado financeiro para garantir os pagamentos trilionários da dívida pública.

Já Lula agradeceu a carta, disse que sabe seguir “bons conselhos” e voltou a reivindicar a política fiscal de seu governo, que garantiu superávits fiscais durante os oito anos de seu governo.

A grande questão que se coloca é que, ao contrário do que diz o mercado, há uma contradição entre a mal-chamada responsabilidade fiscal e o atendimento das necessidades sociais do país, principalmente quando assume formas draconianas como o Teto de Gastos. O centro da responsabilidade fiscal é garantir que os governos sigam o pagamento da dívida pública, que teve um custo de R$ 1,96 trilhão para o governo federal em 2021.

Para garantir este pagamento, são válidas todas as formas de ajuste fiscal, com cortes de gastos das áreas sociais, fazendo com que universidades sejam obrigadas a fechar as portas, cortando bolsas de pesquisadores e remédios da Farmácia Popular. Dessa maneira, a dívida pública é um elemento fundamental para que o mercado financeiro e os grandes bancos, incluindo estrangeiros, tenham grande poder sobre o orçamento público brasileiro que, por seu caráter regressivo, cai enormemente sobre os trabalhadores e o povo pobre.

No entanto, Lula, que vive repetindo que não pode gastar mais do que ganha, não se propõe a enfrentar o mecanismo da dívida pública ou mesmo a lógica da responsabilidade fiscal. Em seus governos, aproveitou o boom das commodities para garantir superávits primários de mais de 4,5% do PIB, valor muito maior do que o destinado à Bolsa-Família. Neste novo governo, junto com Alckmin e recebendo, durante a campanha, apoio do Itaú e dos pais do Plano Real, Lula irá seguir a cartilha do capital financeiro, mesmo que tente evitar o suicídio eleitoral que seria a redução do valor do Auxílio-Brasil, e a semana tumultuada nos mercados é apenas uma pequena demonstração de que exigem que seus interesses sigam em primeiro lugar.

É por isso que, mais do que apenas o debate sobre o Teto de Gastos, onde inclusive economistas burgueses defendem sua revogação, é preciso o rompimento com a submissão causada pela dívida pública, decretando o seu não-pagamento, como parte de um programa operário que se enfrente com o capital financeiro e o imperialismo. E disso, tanto Lula quanto Armínio estão igualmente distantes.




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