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As disputas pela política econômica do governo Lula

Danilo Paris

As disputas pela política econômica do governo Lula

Danilo Paris

Lula já declarou em mais de uma ocasião que pretende fazer uma política econômica “desenvolvimentista”, e que o Estado deve ser indutor da economia, prometendo também reindustrializar o país. Ainda que não existam condições econômicas para um projeto propriamente desenvolvimentista, e menos ainda condições geopolíticas para uma política econômica desse tipo em uma semi-colônia como o Brasil, ao que tudo indica o novo governo terá uma política de investimento público diferente do que foi a de Guedes e Bolsonaro.

Ainda na transição, disputas de qual será essa política econômica começaram a se expressar, inclusive entre economistas que foram apoiadoras da chapa Lula-Alckmin. Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES, e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de FHC escreveram uma carta pública a Lula, defendendo o teto de gastos e a "responsabilidade fiscal”. Foi uma reação às declarações que ele fez, afirmando que o atual modelo econômico "tenta desmontar tudo o que é da área social", sem tirar um centavo do sistema financeiro. Em outras palavras, Lula defendeu "furar o teto” para ter recursos para pagar o Auxílio Brasil de 600 reais, aumentar o salário mínimo, além de outros programas sociais como o Farmácia Popular e o Minha Casa, Minha Vida. Em resposta à carta publicada, Lula respondeu amigavelmente que é “um cara muito humilde e gosto de conselho. Se o conselho for bom, pode ter certeza que eu sigo"

Outro economista, que também foi seu aliado de campanha, Henrique Meirelles, também expressou um “recado” parecido. Segundo a imprensa, ele teria dito durante sua fala em evento promovido pelo mercado financeiro (BTG Pactual), que existiam dois caminhos que podem ser tomados pelo novo governo, considerando duas linhas de pensamento que existem dentro da equipe econômica de transição. O primeiro seria semelhante à política econômica promovida durante a gestão de Dilma, o outro promovido no primeiro mandato do próprio Lula. Ou seja, uma política com mais traços de neodesenvolvimentismo ou uma política neoliberal “mais clássica/ortodoxa”, com reformas e contenção de gastos.

Na própria composição central da equipe econômica, Lula buscou compor com nomes que sinalizam para esses dois sentidos. Por um lado, Guilherme Mello e o Nelson Barbosa, considerandos mais desenvolvimentistas, e por outros, Lara Resende e Pérsio Arida, nomes fortes do Plano Real, representando a ala contrária ao aumento de gastos, ainda que o primeiro deu algumas declarações favoráveis à mudança da política macroeconômica.

Essa disputa parece estar por trás da queda de Guido Mantega da equipe de transição. O ex-ministro da Dilma, é tido como uma ala "desenvolvimentista" e se envolveu em um disputa forte contra a indicação do Ilan Goldfajn ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, que é bem visto por setores mais neoliberais diretamente. Ao que tudo indica essa ala saiu vencedora, não só Ilan Goldfajn foi indicado, como Mantega caiu, expressando talvez a primeira “crise” na equipe econômica de Lula.

Na grande imprensa, veículo que dá voz a setores importantes do capital financeiro, esse é o principal debate em disputa da opinião pública. Ainda que seja um consenso a defesa do chamado “waiver” (licença) fiscal, diversos editoriais e analistas defendem que essa licença para gastos tenha um limite, exigindo disciplina fiscal, e inclusive reformas, em particular a administrativa.

Outros setores financeiros importantes também emitiram declarações sobre essa disputa. O atual presidente do BC, Roberto Campos, afirmou que se não houver controle fiscal, com o argumento da “meta da inflação”, irá reagir, sugerindo que pode aumentar os juros.

Todos esses sinais, por ora, apresentam uma reedição de disputas de interesses que ocorreram durante o mandato Dilma. Para diminuir a taxa de juros, quando ainda o BC não era independente, e para diminuir o spread bancário (diferença da taxa de juros entre o que é captado e às taxas de juros dos bancos para empréstimo), Dilma baixou os juros nos bancos públicos, para forçar a redução dos juros nos bancos privados, o que levou a fortes descontentamentos desse setor durante seu governo. Diferente desse momento, agora o governo sequer tem o controle do BC para fazer política econômica, o que foi uma enorme conquista para o capital financeiro que consegue ter um posto avançando em um ponto chave da economia independente do governo eleito.

Há um debate, entre diversos autores, sobre a política econômica do governo Dilma, e seus impactos na dinâmica política do país. Desde Singer, que defende que ela promoveu um “ensaio rooseveltiano”, em um sentido desenvolvimentista, até Plínio de Arruda Sampaio Jr. que questiona com mais razão até mesmo se houve uma política neodesenvolvimentista. Agora, se recolocam fortes disputas entre projetos burgueses sobre a política econômica do futuro governo, no interior de um cenário econômico internacional com tensões muito maiores do que naquele momento.

Ainda que seja preciso aguardar qual será a política econômica efetivamente do futuro governo, o que se apresenta, no entanto, é que diferente da política econômica de Bolsonaro-Guedes, haverá maiores investimentos estatais na economia, o que pode gerar algum nível de maior dinamismo econômico. Ainda assim, não tende a ser um crescimento sustentado, e as previsões de crescimento do PIB não são altas. O último boletim Focus, do dia sete de novembro, apontou uma previsão de alta de 0,7% para a economia no próximo ano, ante 0,64% no levantamento da semana anterior. Assim, não se coloca, a princípio, um cenário de estagnação, tampouco se vislumbra uma perspectiva de crescimento mais considerável.

Os impactos dessa política econômica ainda dependem de muitas variáveis. Lula sabe que precisará de apoio internacional para ter maior margem fiscal para o seu projeto. Sua ida a COP 27 tinha como objetivo não só a pauta climática, mas também buscar acordos com outros países para o seu governo. Por ora, conta com apoio de governos imperialistas como de Macron e Biden, e quer se apoiar nesses países para ter maior espaço fiscal para sua política econômica.

Igualmente, o impacto em setores de massas não é de fácil previsão. Dilma, para implementar seu plano econômico, incluiu as obras do PAC (Projeto de Aceleração Econômica), em obras de infraestrutura, em especial no setor energético. O efeito colateral foram grandes rebeliões operárias, em particular em Jirau e Belo Monte, contra a enorme precarização do trabalho e condições de vida degradantes de milhares de trabalhadores nos maiores canteiros de obras do país. Do mesmo modo, esses empreendimentos também geraram conflitos com diversos povos indígenas, que foram expulsos de seus territórios, o que hoje é um tema sensível e potencial de futuras crises, dentro do futuro novo governo. Em outras palavras, foi uma política econômica que fez o PT se enfrentar contra suas próprias bases, e foi um dos motivos para desgastar o governo no segundo mandato de Dilma.

Fato é que, apesar dessas disputas, não está colocado por nenhum desses polos qualquer medida que altere os dispositivos que realmente garantem os interesses do grande capital financeiro. A própria chapa Lula-Alckmin afirma que terá uma política de controle de gastos, sempre afirmando que os governos do PT pagaram religiosamente a dívida pública. Para substituir o teto de gastos e abrir alguma margem para investimento, Alckmin defende um outro dispositivo para ser “âncora fiscal” que deve combinar "superávit primário com a perspectiva de curva da dívida e gastos do governo”, ou seja, algo que permita o crescimento real das despesas (acima da inflação) conforme o nível e a trajetória da dívida pública. Do mesmo modo, a independência do BC, as grandes reformas e privatizações sequer aparecem no debate público, com a exceção de pequenos ajustes, mas com o compromisso de que o fundamental desses ataques será preservado.

Tanto Lula quanto Alckmin juram que terão responsabilidade fiscal, e que isso não é contraditório com a "responsabilidade social”. Na realidade esse discurso esconde que a chamada responsabilidade fiscal sempre irá significar mais ataques e ajustes, que cedo ou tarde serão exigidos contra às condições de vida dos trabalhadores e da população brasileira.

Um programa que de fato combata o envio de enormes partes dos recursos nacionais para o capital financeiro, como o não pagamento da dívida pública, estatização e unificação do sistema bancário e revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal e a revogação integral de todas as reformas, precisam ser levantado por todos os setores que querem dar respostas estruturais aos problemas sociais do país. Tanto o PT, quanto seus fiéis aliados, indo dos economistas neoliberais até o PSOL, irão atuar para preservar todos esses mecanismos que são os verdadeiros espoliadores da riqueza produzida pela classe trabalhadora brasileira.


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Danilo Paris

Editor de política nacional e professor de Sociologia
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