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Geopolítica | Ameaças mútuas entre Grécia e Turquia: Rumo a uma segunda guerra na Europa?

Na última semana, as relações turbulentas entre Turquia e Grécia pioraram. O presidente da Turquia redobrou sua aposta com uma ameaça provocativa de invasão a algumas ilhas do mar Egeu. Atenas respondeu que está pronta para defender sua soberania.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

segunda-feira 12 de setembro de 2022 | Edição do dia

“Poderíamos aparecer de repente em uma noite”. Assim, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan anunciou sem rodeios uma clara ameaça a Grécia. Esta advertência aberta, assim como as referências feitas por Erdogan a guerra de 1922, com a frase estão assustando a muitos na Europa. O tabloide sensacionalista alemão Bild publicou um título dizendo que Erdogan ameaça a Grécia com a Guerra. O diário francês Liberation descreve as falas do presidente turco como o desencadeamento de um trauma para os gregos, transmitido de geração para geração.

Também houve reação a nível diplomático. A União Europeia pediu uma distensão. O ministro de Assuntos Exteriores grego, Nio Dendias, fez um lamento angustiante a União Europei, a OTAN e as Nações Unidas para convencer os aliados de Atenas de que parem a postura agressiva da Turquia. Caso contrário, ele afirmou: “corremos o risco de assistir uma situação similar à que está acontecendo em outra parte de nosso continente”.

O pano de fundo da disputa

Turquia e Grécia, são rivais históricos, há décadas com uma série de disputas sobre a delimitação de seu espaço marítimo e aéreo. Questões que vão desde sobrevoos de caças turcos, que a Grécia qualifica como violação de seu espaço aéreo, o status das ilhas do Mar Egeu, as fronteiras marítimas, os recursos de hidrocarbonetos no Mediterrâneo, Chipre e a questão dos refugiados que cruzam suas fronteiras. Entres estes temas, a disputa pelas águas e ilhas possui um caráter irreconciliável para ambos estados.

É que a militarização grega das ilhas do mar Egeu e do arquipélago do Dodecaneso - alguns dos quais a mais de mil metros da costa da Anatólia turca - representa uma ameaça potencialmente exacerbada à segurança nacional de Ancara, uma vez que a médio prazo a postura agressiva grega pode impedir o acesso da Turquia ao mar e colocar um dilema para a marinha na costa do mar Egeu. Ainda mais grave, a incapacidade dos turcos de controlar seus mares de origem (leste do mar Egeu e nordeste do Mediterrâneo) não torna totalmente crível a intenção de Ancara de projetar uma influência decisiva não apenas no Mediterrâneo oriental e central, mas também além do canal de Suez.

A intimidação a algumas milhas náuticas de suas costas por uma entidade de peso geopolítico muito menor, como a Grécia, é uma pedra no sapato para as ambições geopolíticas da Turquia. Devido aos interesses vitais que estão em jogo um para o outro, o conflito é um jogo de soma zero onde a Grécia não pode fazer concessões, a Turquia não pode desistir de suas reivindicações. Isso torna não apenas possível, mas provável. A médio prazo, pode ser inevitável.

Os cálculos de Ancara, os medos de Atenas

O crescente ímpeto da Turquia é, também, uma reação às provocações cada vez mais frequentes da Grécia. Da militarização das ilhas do mar Egeu pela costa da Anatólia, a violação do Tratado de Lausanne de 1923, a inúmeros atos hostis de Atenas. O mais recente foi a interceptação, pelos sistemas gregos de defesa aérea S-300 instalados em Creta, de cinco aeronaves F-16 turcas que realizavam uma missão de reconhecimento da OTAN no Mediterrâneo oriental.

A Grécia, por sua vez, está aterrorizada pela espetacular ascensão geopolítica da Turquia. Com a crescente capacidade de Ancara em desempenhar protagonismos em vários cenários, e de se impor como um ator indispensável para os Estados Unidos em um número cada vez maior de conflitos. Desde a Asia Central até a Líbia no Sahel, do Cáucaso e os Balcãs até a Ucrânia.

A realidade é que a Turquia se tornou um ator importante na geopolítica. Assim, a guerra na Ucrânia demonstrou ao mundo o papel mediador da Turquia como o único país da OTAN ainda em conversações com Vladimir Putin. Erdogan conseguiu organizar a passagem segura de navios de grãos ucranianos pelo Mar Negro. A Turquia também está se oferecendo para ser mediadora na Líbia, onde novos combates eclodiram entre grupos rivais. O presidente turco também está preparando uma operação militar na Síria para garantir seus interesses. Não suficiente, a Turquia é a peça chave para a entrada da Suécia e da Finlândia na OTAN.

Outra questão importante sobre a importância turca é sua indústria de defesa, que está se tornando cada vez mais um exportador sério. Atualmente, a Turquia é um dos principais desenvolvedores e produtores de drones. Seu modelo Bayraktar TB2 foi usado pelos ucranianos nos primeiros dias de combate com grande sucesso. O sucesso dos drones e sua proeminência durante a guerra na Ucrânia criaram uma nova demanda. Atualmente, 24 países já contrataram esse modelo. Tudo um sucesso.

O medo da Grécia é que a Turquia possa investir o capital geopolítico acumulado na revisão do status do Egeu, forçando os americanos a aceitar e legitimar, mais ou menos (in)formalmente, uma distribuição diferente do conjunto das ilhas. Ancara, por sua vez, parece convencida de que possui uma margem de ação muito maior do que no passado recente e confia que Washington não recorrerá a medidas punitivas drásticas devido ao papel indispensável que desempenha nos diferentes cenários mencionados.

Eventualmente, se as tensões turco-gregas se transformarem em um conflito, a Turquia antecipa que será limitado e circunscrito, já que seu objetivo é proteger seus direitos no Egeu, não fazer guerra a Atenas. Qualquer demonstração de força (um bloqueio naval, por exemplo) seria funcional para forçar o vizinho a se comprometer, mesmo sem disparar um tiro. A Grécia está bem ciente disso, o que explica as constantes provocações mútuas. Os gregos podem buscar induzir os turcos a dar o passo errado, ficar nervosos e disparar o primeiro tiro. Uma circunstância que lhes permitiria obter o apoio incondicional dos americanos e europeus, encurralando a Turquia.

Um conflito reacionário de ambos os lados

O que torna a situação no Egeu ainda mais instável é a relativa fraqueza política de ambos os governos e a consequente tentativa de exasperar os sentimentos nacionalistas de suas respectivas opiniões públicas. Também a crença mútua de que eles estão com a vantagem. Os turcos percebem claramente a centralidade geopolítica e o poder militar que alcançaram nos últimos anos. Os gregos, por sua vez, contam com o total apoio militar da França e Israel e a interposição dos Estados Unidos em seu nome. No entanto, qualquer erro de cálculo pode ser fatal.

Em 1996, ambos países estiveram à beira da guerra, que foi evitada, em grande parte pela intervenção estadunidense que frustrou a escalada, mas fundamentalmente pelo fato de que nenhum dos países estavam dispostos de fato a iniciar a guerra. Hoje, os sentimentos que prevalecem em Ancara e Atenas são bem diferentes. Frente a um conflito circunscrito nas ilhas do Egeu, o mais provável é que Washington se pronuncie, imponha sanções a Turquia (mesmo no caso de a Grécia provocar o conflito), mas dificilmente intervirá diretamente na contenda.

Quanto à França, o acordo alcançado com a Grécia em setembro de 2021 obriga Paris a defender Atenas em caso de ataque de um terceiro país. No entanto, é bastante improvável que os franceses fossem além de fornecer armas aos gregos e entrassem em guerra com a Turquia. Tal cenário ampliaria o conflito para todo o Mediterrâneo Oriental e Norte da África, onde a França já pode observar o poder militar turco (no conflito líbio).

Sobre Israel, ainda que Atenas e Jerusalém tenham desenvolvido uma relação profunda no domínio da energia, é totalmente improvável que intervenha diretamente ao lado da Grécia em caso de conflito: os israelitas estão perfeitamente conscientes de que eles não têm os recursos necessários para realizar a dupla contenção da Turquia e do Irã, e a contribuição decisiva que Ancara pode dar para conter a ameaça existencial que a República Islâmica representa para o estado sionista.

A curto prazo, é bastante improvável que os turcos e os gregos caiam nas armadilhas uns dos outros. Mas a trajetória cada vez mais preocupante do impasse entre Ancara e Atenas aumenta exponencialmente a probabilidade de que a situação saia do controle. Mais uma amostra das forças e contradições abertamente reacionárias que surgem das entranhas podres do sistema capitalista-imperialista no Velho Continente. É cada vez mais urgente que a classe trabalhadora dos diferentes países da Europa enfrente essa tendência à guerra, começando pela luta decidida contra o rearmamento de seus respectivos imperialismos.




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