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sexta-feira 26 de março de 2021 | Edição do dia

Venho martelando sobre um tema.

Talvez porque a atmosfera no Brasil esteja dando tanta vontade de gritar, ir para a rua, mover, mudar, tenho acompanhado os Estados Unidos. Para nós que somos internacionalistas, que sabemos que o capitalismo é um sistema de dominação que ultrapassa as fronteiras nacionais, assim como é internacional a classe que é explorada por ele e que garante seus lucros, é sempre de bom tom acompanhar o que se passa no coração do império. Imaginem que, em meio à pandemia, neste país continente, onde também negros foram escravizados (e sempre resistiram), também governados pela extrema direita negacionista, também com picos horrendos de morte, imaginem que a população realizou nossa vontade. Tomaram as ruas, gritaram, enfrentaram seus algozes policiais. Sem justiça, sem paz. Por George Floyd e tantas outras vidas negras, nenhum minuto de silêncio. Assistimos, eletrizados, localizados em um país que é um dentre os muitos espoliados por essa potência, ao povo negro (que sempre resistiu) ganhar a cena. Brancos, latinos, asiáticos, enfim, massas se somam. Sem justiça, sem paz.

Mas isso foi no ano passado, vocês me dizem. Por que, então, venho martelando sobre um tema e acompanhando os Estados Unidos? De lá para cá, Donald Trump foi (eletoralmente, vejam bem) derrotado. Também massas não estão mais tomando as ruas, como nos tempos da rebelião do império. Assumiu o representante do regime, do partido imperialista mais velho do mundo. Agora há uma mulher negra como vice-presidente, que bombardeou a Síria, que está detendo imigrantes. Por que, então, venho martelando sobre um tema?

Como escrevi em um artigo com Nicolle Gonçalves, recentemente, a Bloomberg cita que, na esteira do Black Lives Matter, há uma percepção de que o racismo afeta a condição econômica das pessoas de cor. Algo mudou, inclusive o governo, mas o racismo persiste. Enquanto Jeff Bezos faz crescer sua fortuna, suas mansões, seus carros importados, trabalhadores, mulheres negras, estão percebendo, uma vez que liberaram o grito dos oprimidos, que só há Bezos porque na Amazon seguram o xixi, porque percorrem 14 campos de futebol para bater ponto, porque se contaminam às dezenas de milhares.

Trabalhadoras negras estão percebendo que o executivo mais inteligente dos Estados Unidos, dizem, apoia com milhões o Black Lives Matter (dinheiro de uma compra de mercado, para ele), enquanto financia tecnologias que incrementam a violência policial racista. Porque tudo diz respeito aos lucros deles. O racismo diz respeito aos lucros deles.

Então venho martelando sobre um tema, refletindo, escrevendo sobre essa luta na Amazon porque no Alabama (não é preciso conhecer tanto da história dos Estados Unidos para saber que é um estado racista, republicano), há uma luta que mostra que a rebelião, que não encontrou uma estratégia revolucionária para tomar o céu de assalto e o poder, encontrou na verdade a muralha esmagadora de movimentos sociais do Partido Democrata, que a desviou. Então, terminou. Mas não terminou, ao mesmo tempo. Porque no Alabama trabalhadores da Amazon, com negros e mulheres à frente, lutam por seu direito à sindicalização, percebendo que há racismo nos lucros deles. O coletivo Black Power apóia. No Alabama, como em todo mundo onde há opressão, os negros sempre resistiram, conspiraram, combateram. Agora querem se sindicalizar.

Sabemos que os sindicatos podem trair, frear, conciliar, a partir da política de suas direções. Vemos isso nas centrais sindicais e suas datas de calendário no Brasil. Mas sabemos também que os sindicatos foram criados pelos trabalhadores e podem ser ferramentas de sua organização. Que trabalhadoras negras estejam batalhando por elas no Alabama, contra a tirania de Bezos, e ameaçando fundar seu primeiro sindicato em todo os Estados Unidos na gigante tecnológica que domina mercados, é um fato que podemos martelar.

A partir do Brasil, não só devemos nos perguntar incansavelmente: o que há de potencialidade nos sindicatos que não temos visto (e como não temos) contra Bolsonaro, Mourão e todos os golpistas? Lutemos, batalhemos, exijamos. Não vimos ainda, em meio à barbárie que vivemos, mas Bezos sempre viu. Sempre perseguiu os sindicatos. Não à toa, a Amazon está desesperada contra a luta no Alabama. Mas, além disso, por que são os negros e as mulheres a linha de frente desse processo?

Amanhã Letícia Parks, Odete Cristina e Carolina Cacau, na presença de figuras ilustres como a incansável Mirtes Renata, que diz “sem justiça, sem paz” por Miguel todos os dias, Andréa D’Atri e Renata Gonçalves, lançarãoo livro “Mulheres Negras e Marxismo”. Estão todas convidadas para começarmos a responder a essa pergunta.

Quando a classe trabalhadora, negra e feminina, encontra suas ferramentas e as toma para si, há uma força imparável. Que assim seja com sindicatos e que assim seja com o marxismo, tirando lições da história, das resistências, das rebeliões.




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