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Abaixo a ditadura: os estudantes contra o golpe militar

Odete AssisMestranda em Literatura Brasileira na UFMG

quarta-feira 31 de março de 2021 | Edição do dia

PARA A LIBERDADE E LUTA
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu

me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão

Descobri esse poema no meu primeiro ano de faculdade. Um poema de Leminski dedicado a uma organização do movimento estudantil que chegou a organizar mais de mil estudantes durante a ditadura militar e foi uma das pioneiras ao levantar a palavra de ordem abaixo a ditadura. Os debates sobre a Libelu, sua política e estratégia ficam para um próximo momento.

Nessa coluna me reduzo a um objetivo mais moderado, refletir algumas ideias de como os estudantes foram um fator na política nacional em plena ditadura militar para pensar nossos desafios hoje.

No dia em novamente batemos mais um recorde de mortes por Covid, às Forças Armadas e a extrema direita comemoram o golpe de 64. Se sentem a vontade para fazer isso. Mesmo com Bolsonaro enfrando uma das mais profundas crises do seu governo, os avanços reacionário do último período, os ataques implementados por ele e pelas instituições do regime contra a classe trabalhadora, especialmente as mulheres, negros, indígenas e LGBTs, fortaleceram a politização desse setor.

Não era mais suficiente a garantia de impunidade e todos os acordos da transição pactuada que garantiram os privilégios dos militares. Eles também querem opinar cada vez mais nos rumos da política nacional.

Quando eu estava no meu primeiro ano de faculdade, conhecer as histórias daqueles jovens que combateram o regime militar me mostrou como poder estar organizada ao lado dos meus colegas me colocava uma perspectiva muito mais profunda. Eu poderia ser sujeita da história.

Saber que antes de mim, numa situação muito mais difícil, tinha jovens que dedicavam suas vidas a debater e discutir política, a ir até as fábricas apoiar as greves dos trabalhadores desafiando o regime militar. Que organizavam assembleias, na maioria das vezes clandestinamente, desafiando a repressão da ditadura, para poderem ter um espaço democrático onde debatiam como se daria a luta contra os militares. Tudo isso foi parte de criar em mim um desejo profundo de conhecer o movimento estudantil, de seguir a luta por justiça por cada um daqueles que foram assassinados pelos militares e de pensar os desafios do presente.

As crescentes tensões políticas, as disputas entre bolsonarismo, o toma lá da cá do centrão, os militares se sentindo à vontade para comemorar o golpe, os STF e governadores (que passaram a atuar quase como um instituição) fazendo demagogia, como se contra o negacionismo de Bolsonaro eles defendessem a ciência, quando na verdade não garantiram nem o básico, que era testes, leitos, vacinação para todos, organizar racionalmente a quarentena, converter a produção industrial para evitar novos colapsos. Ver como os anos de políticas neoliberais que continuaram a ser implementadas por todos os governos depois da ditadura pavimentaram o caminho para a destruição da saúde pública, para que as universidades não pudessem ter o investimento necessário para a pesquisa, para que os trabalhadores tivessem seus direitos reduzidos em nome dos lucros dos patrões.

E como diante de tudo isso muitos jovens nem sequer chegaram a ter essa experiência do primeiro ano de faculdade. De conhecer nos corredores do prédio as histórias de luta daqueles que vieram antes de nós. De se apaixonar pela ideia de que podemos ser sujeitos para transformar tudo aquilo que nos aprisiona. O ensino remoto nos deixou fragmentados, divididos em nossas casas, isolados, retirou o convívio social, aumentou a ansiedade e outras doenças psicológicas. Escancarou a miséria capitalista e como mais do que nunca nossa vida virou trabalhar e produzir, na maioria das vezes de forma alienante, onde até mesmo o que mais gostamos se torna um fardo, desmoralizante.

Por isso, mais que nunca é fundamental resgatar essas histórias que nos inspiram. Relembrar que se eles lutaram por nós, nós precisamos seguir lutando por eles. Por memória, justiça e verdade. Defendendo que é preciso colocar abaixo a reacionária Lei de Segurança Nacional e todos os resquícios da ditadura. Resgatando a história dessas lutas, retirando as lições necessárias para pensar como hoje podemos nos enfrentar contra Bolsonaro, Mourão e os militares. O que também passa por se enfrentar com esse regime, que não é de uma ditadura militar como pintam algumas narrativas interessadas. Mas claramente é o regime fruto de um golpe institucional que avançou em mecanismos muito autoritários até mesmo em alguns pilares das concepções do funcionamento normal dos regimes burgueses. Elementos que se materializam nos avanços daqueles poderes que nunca sequer foram votados, como o judiciário e as Forças Armadas, mas também nas reformas que o PT está disposto a perdoar, para habilitar Lula como o candidato da frente ampla anti-Bolsonaro em 2022.

A questão é que quando olhamos pro lado, apesar da dor da perda, dos desafios que parecem tão difíceis, vemos que nós somos parte dessa geração que pelo mundo vem questionando os pilares desse sistema. Daqueles jovens que nos EUA transformaram o grito de Black Lives Matters também em luta pelo seu direito de sindicalização contra a Amazon. Que na França se unem com os petroleiros contra o capitalismo verde que quer atacar os trabalhadores enquanto segue explorando especialmente os países africanos com as formas predatórias de produção do combustível agravando a crise climática. Daqueles que no Estado Espanhol se levantam contra a monarquia. Da juventude chilena que quer botar abaixo a herança da ditadura de Pinochet. Somos parte das mulheres em luta contra o golpe em Mianmar, da Maré Verde que impôs a legalização do direito ao aborto na Argentina e agora luta contra os ajustes do FMI e do perononismo.

Inspirados nas lutas do passado e do presente, podemos encontrar as forças para seguir e tirar as lições pro agora.




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