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UNICAMP | A vinda de Lula à Unicamp: entre demagogia e conciliação, com qual projeto é possível combater o bolsonarismo?

No dia 5 de Maio, em campanha, Lula discursou em evento no Teatro de Arena da Unicamp, junto a Haddad, Eduardo Suplicy e também figuras do PCdoB, como Isa Penna, e do PSOL, como Boulos, Sâmia Bomfim e Mariana Conti. Estavam presentes algumas das principais entidades do movimento estudantil, sindical e de moradia da cidade, junto a milhares de estudantes e trabalhadores. No dia seguinte, o principal bar ligado à vanguarda da Unicamp sofreu um ataque de teor racista, com a extrema direita portando símbolos nazistas. Dedicaremos algumas linhas para analisar a passagem de Lula pela universidade e com qual perspectiva combater essa escória da extrema direita.

quinta-feira 12 de maio de 2022 | Edição do dia

Após anos do golpe institucional, da prisão arbitrária de Lula pelo Judiciário autoritário e de um governo de extrema direita apoiado nos militares e no Centrão, a classe trabalhadora e a juventude brasileira amargam fome, inflação e desemprego. As 660 mil mortes tornaram-se um símbolo de um país ao qual a pandemia, combinada à crise econômica internacional, revelou a face mais nefasta da gestão capitalista, pelas mãos de Bolsonaro, Mourão e do regime nascido do golpe com suas instituições como Congresso e STF. Aos que, em meio a tudo isso, furaram o filtro social dos vestibulares cada vez mais excludentes, com a política de cotas ameaçada e cortes no FIES e Prouni, há incertezas quanto à permanência estudantil, falta de verbas para a pesquisa científica e cortes escandalosos no orçamento das universidades.

Assim, o debate de como enfrentar a extrema direita e arrancar outra perspectiva de futuro perpassa o ano eleitoral dentre todos os setores progressistas, em particular na juventude, estrato que foi sempre marcado por seu maior rechaço ao reacionarismo misógino, racista e LGBTfóbico de Bolsonaro. Esse chorume bolsonarista se expressou posteriormente à vinda de Lula nos ataques da extrema direita ao Bar do Ademir, onde se concentra a vanguarda da Unicamp, e é fundamental o movimento estudantil responder firmemente na luta, que é o único caminho para nos fortalecer e não permitir que isso passe sem resposta. Um caso como esse deveria impulsionar também todos os sindicatos e movimentos sociais da cidade a uma resposta contundente, mostrando que somente uma forte aliança da juventude com a classe trabalhadora, em frente única com todas as organizações, para a ação, com os métodos da luta de classes pode derrotar o bolsonarismo. Essa é a unidade e aliança que precisamos contra a extrema direita.

É com essa perspectiva que viemos construindo espaços como as assembleias, com passagens em salas, e batalhando para fortalecer nossa auto-organização no movimento estudantil e chamando outros setores a se somarem em resposta ao bolsonarismo. Esse é o ponto de partida para os debates que queremos abrir sobre a vinda de Lula e seu discurso.

A ausência se fez presente: o vice Alckmin

No dia 5, um incômodo, quase uma tensão, perpassou alguns dos círculos que assistiam ao comício eleitoral de Lula na Unicamp. Tratava-se da presença ou ausência de seu vice, Geraldo Alckmin, do “companheiro” (sic) Alckmin, quem as falas tentaram ao máximo ignorar. Afinal, em uma universidade estadual paulista historicamente marcada por seu enfrentamento ao tucanato, com um movimento estudantil que realizou sua maior greve recente em 2016 cantando contra o racismo e nomeando que “Alckmin vinha quente e nós já estávamos fervendo”, em defesa das cotas, contra os cortes e por permanência, não seria tão simples engoli-lo ali.

Anteriormente, Alckmin era tido como representante do fascismo da Opus Dei pelo próprio petismo, muito mais próximo da extrema direita do que de qualquer sombra de progressismo quando dizia que, sob sua gestão de São Paulo, bandido teria como destino "prisão ou caixão", tendo ajudado a levar Bolsonaro ao poder com seu golpismo e apoio no segundo turno de 2018. Agora, a juventude é chamada por Lula a localizar esse espancador de professores e inimigo das ocupações de escola no hall dos "socialistas" do país. Inclusive, foi impulsionando a chapa presidencial de Lula com o ex-tucano que Boulos, no palco, vendeu a ideia psicodélica de "derrotar o tucanistão" com Haddad em São Paulo nas eleições. Derrotar o tucanistão apoiando Alckmin para a chapa presidencial?

Evidentemente, apesar das habilidades discursivas de Lula, não se trata de uma tarefa tão simples passar uma borracha na realidade e fazer com que a juventude esqueça quem é seu vice. Sua ausência no Teatro de Arena não apaga a presença na chapa. O fato é que Alckmin escancara não somente a marcante impossibilidade de derrotar a extrema direita conciliando com a direita e os representantes do regime que ajudaram a produzir o governo Bolsonaro e fortalecer sua base, mas também a ponta do iceberg das contradições do projeto que Lula buscou propagandear em sua fala.

Adequando-se a seu público, a tese central de Lula, em seu discurso, foi de que é impossível ter um projeto de desenvolvimento nacional sem priorizar a educação e superar a ignorância das elites dirigentes desse país, que, como traço constitutivo, sempre desprezaram o conhecimento. Portanto, para retomar o "Brasil potência" dos BRICs, com eixo nas relações com o “Sul do mundo”, seria necessário “recolocar” a educação no centro do orçamento nacional - fazendo isso ao lado de Alckmin. Isso porque “somente através da cultura e educação vamos fazer a grande revolução que esse país precisa para viver dignamente”.

Educação no centro durante os governos do PT?

Aqui se fazem necessários dois debates. O primeiro é acerca do próprio conteúdo das políticas para a educação durante os governos do PT e suas prioridades, que Lula reivindicou. O segundo é sobre quais condições econômicas existem nos dias atuais para repetir o ciclo anterior.

Começando pela primeira questão, Haddad, o ex-Ministro da Educação de Lula e agora pré-candidato a governador, tem relação orgânica com aqueles que ficaram conhecidos como os "reformadores empresariais" da educação. O “Compromisso Todos pela Educação” foi o manifesto de lançamento do movimento “Todos pela Educação”, em 2006, que abriga o maior movimento empresarial de disputa das políticas educacionais no país até os dias de hoje. Junto a bancos como o Bradesco, Itaú e empresas como a Vivo, Natura e Fundação Lemann, seu objetivo era propor um programa de reformas educacionais. Haddad está entre seus sócio-fundadores. Em 2021, um de seus diretores-executivos declarou que “a reforma do Ensino Médio, apesar de suas limitações, é uma medida que aponta no caminho correto”, sendo fruto também das ações e movimentações dos reformadores empresariais e um dos ataques mais contundentes do golpismo ao Ensino Básico, para adequar a educação ao novo mundo do trabalho, com a Reforma Trabalhista.

Temos aqui já uma pista importante do sentido das políticas para a educação dos governos do PT, favorecendo os empresários que querem lucrar com a educação. Isso porque, apesar de Lula discursar contra a privatização ao público presente na Unicamp, as políticas petistas auxiliaram fundamentalmente no fortalecimento dos grandes monopólios privados, de capital aberto na bolsa e participação estrangeira no Ensino Superior. Desse ponto de vista, em nenhum momento da história, o PT atendeu a um preceito básico da esquerda de que "dinheiro público seria para a educação pública", já que "educação não é mercadoria".

Mas e o Reuni? O Reuni de fato expandiu o número de universidades federais, dobrando as vagas aí. Entretanto, já na época, não se tratou de uma medida consensual. Em face à sua implementação, ocorreram diversas ocupações estudantis de reitorias e universidades pelo país se opondo ao projeto, como se pode ver em notas do próprio MST e PSOL. O PSOL chegou a defini-lo como uma “proposta de expansão neoliberal”. Isso porque o movimento estudantil de esquerda via nele uma forma de expansão do ensino em chave precarizante, sem garantias de atender às demandas de permanência estudantil, infraestrutura e contratação de professores nos campi das universidades, inclusive no marco da política de cotas que deveria assegurar condições dignas de estudo às pessoas negras ingressantes. Significaria um aumento da relação professor-aluno e implicaria na ausência de verbas a longo prazo para sustentar esse modelo. Ainda assim, é preciso deixar claro que o Reuni esteve longe de ser a principal política petista para o Ensino Superior [1].

Junto dele, temos o Prouni e o FIES. Fundamentalmente, o Prouni se tratou da compra de vagas em instituições privadas do ensino superior via isenção fiscal, tornando-as gratuitas ou semi-gratuitas para os estudantes. Diga-se de passagem, grande parte dessas vagas eram já vagas ociosas nessas instituições. O FIES, por sua vez, consolidou-se como um programa de financiamento estudantil também em instituições privadas, que tinha como efeito o endividamento da juventude. Desse modo, são programas pautados na transferência de recursos públicos para a educação privada e foram mais centrais para as políticas petistas do que o Reuni. Das pouco mais de 8 milhões de matrículas no Ensino Superior brasileiro durante os governos petistas, 6 milhões eram nas privadas. Em 2014, o ensino superior presencial possuía cerca de 72% das matrículas nas instituições privadas. No mesmo ano, havia 347 mil ingressantes na Rede Federal, 204 mil estudantes com bolsa integral pelo PROUNI, 101 mil com bolsas parciais e 732 mil estudantes se endividando com o financiamento estudantil - logo, é óbvio que nunca se tratou de "igualdade de oportunidades para os filhos do pobre”, já que a parcela que conseguia estudar estava majoritariamente se endividando [2].

Com margem, o FIES foi a principal política petista para o Ensino Superior, que ajudou a produzir, na época, o maior monopólio do ensino superior do mundo nos governos do PT, a Kroton. Agora Lula diz que “educação não é gasto, é investimento”, mas, embora fosse promessa de campanha de Lula já desde 2002, o PT nunca chegou a investir nem 7% do PIB em educação, seja pública ou privada, sendo esse patamar abaixo dos 10% reivindicados historicamente pelo movimento estudantil para a educação pública [3].

Isso já deve fazer qualquer setor de esquerda ver os limites gritantes das políticas petistas, no marco de um ciclo econômico excepcional favorável devido ao chamado boom das commodities e ao crescimento chinês nos anos 2000. A questão é que, além de limitadas, para dizer o mínimo, essas políticas mostraram suas fragilidades já no segundo governo Dilma, justamente quando a crise econômica internacional chega com mais força ao país. Foi no governo Dilma que tiveram início os cortes no FIES e maior endividamento da juventude, com inadimplência e aumento dos juros cobrados pelo governo, vivenciando atos da juventude em diversos lugares contra o cancelamento das matrículas do FIES e pelo direito de estudar. Também a chamada “Pátria Educadora” de Dilma cortou mais de 7 bilhões da educação pública e das universidades. Tudo isso porque não se tratou de colocar a educação no centro das prioridades, como promete a demagogia de Lula. Isso significaria ter de deixar, por exemplo, de pagar a dívida pública que vai direto aos bolsos dos grandes banqueiros internacionais, quando os governos do PT foram os que pagaram a dívida mais fielmente e demonstraram que, na crise, a margem para concessões, mesmo que muito parciais, é muito estreita e significa ajustes contra a classe trabalhadora, já que a prioridade nunca deixou de ser os empresários.

Tudo isso se aprofundou enormemente com o golpe institucional e o governo Bolsonaro, avançando com o Teto dos Gastos, reformas e privatizações, mas também com uma crise histórica do Ensino Superior, que também revela a fragilidade dessas mudanças, com o ENEM com o menor número de inscritos desde 2007. Ainda mais por isso, é fundamental ter certeza que, ao contrário das promessas e anacronismos de Lula, um governo Lula-Alckmin não retornaria às condições do lulismo nos anos 2000, já que isso é impossível na crise capitalista, nem atenderia às expectativas dos que defendem que toda a juventude deveria ter direito de estudar sem pagar, contra a “universidade para poucos” do bolsonarismo, porque garantir esse direito exige enfrentar os interesses dos grandes capitalistas que o PT quer agradar.

Retornar aos “BRICs” em uma nova ordem mundial?

Lula, em seu discurso, habilmente retoma Celso Amorim para colocar a ideia de “mudar a geopolítica brasileira” e retomar os BRICs, priorizando a relação com América do Sul e continente africano. Claro, “tratando os Estados Unidos com respeito”, já que faz questão de deixar claro que não propõe nenhuma ruptura com o imperialismo estadunidense, mas a retomada de uma multilateralidade que hierarquize também relações com potências como China e Rússia.

De cara, é claro que Lula não diz que, em seus governos, colocou tropas brasileiras a serviço dos interesses dos Estados Unidos e da ONU, sob o comando do hoje bolsonarista general Heleno, para ocupar militarmente o Haiti, sob o pretexto de uma “missão de paz”. Essa ocupação de anos vivenciou denúncias de opressão como obrigar as mulheres haitianas a serem escravas sexuais em troca de comida (denúncia veiculada em diversos jornais), invasão de casas pelo exército e desvio e ocultamento de alimentos. Isso tudo acompanhado da proibição de atos e repressão a manifestações políticas, já que o objetivo era “pacificar” o país para conter a revolta popular [4]. Vale ressaltar que as Forças Armadas brasileiras são sistematicamente poupadas nos discursos de Lula, não à toa.

Quando Lula diz sobre a dívida do Brasil com o continente africano, não diz que a ocupação no Haiti é uma das maiores dívidas que o Brasil tem com um povo, o mesmo povo latino que colocou medo nas elites colonialistas brasileiras com sua Revolução Haitiana contra a escravidão. E essa dívida veio das mãos dos governos do PT. Depois, o imperialismo norte-americano, que Lula serviu primorosamente, impulsionou o golpe, em ligação com a Lava Jato, para subordinar o Brasil ainda mais a seus interesses. Não existe recuperar o Brasil dos BRICs, que prometia ser uma potência e se “desenvolver”, por dentro da ordem imperialista, menos ainda com reformas e privatizações entreguistas que exploram ainda mais profundamente a classe trabalhadora e a juventude, aprofundando o atraso brasileiro, e que Lula não pretende revogar.

Mais uma vez, além de demagogo, Lula é anacrônico. A Guerra da Ucrânia é uma expressão de um mundo marcado por maior enfrentamento entre os Estados, e não multilateralismo. A invasão reacionária russa na Ucrânia escancara o novo lugar da aliança China e Rússia neste momento no mundo, mesmo que seus interesses não coincidam totalmente a longo prazo. Embora, ao contrário de Bolsonaro, Lula busque se manter crítico à invasão, mas sem apoiar totalmente a OTAN e o imperialismo, que são outros atores reacionários, junto a Zelensky, nessa guerra em que não há bando progressista. Lula fala em nome de uma paz capitalista da ONU que é falsa e produtora dessas guerras, a geopolítica que Lula pretende transformar expressa um projeto de país e de ordem mundial que não corresponde aos tempos de crises e guerras que reservam ainda mais sofrimento às massas inseridas na economia mundial capitalista.

Conclusão

Há vários debates em torno da demora brasileira quanto à constituição de universidades em solo nacional, atraso marcante em comparação às colônias espanholas. Há os que digam que se trata de uma marca da colonização portuguesa, para dominar melhor o território e obrigar os filhos das elites a se educarem em Coimbra. Há os que destacam outras formas de educação aqui presentes, em substituição às universidades, como a religiosa. De qualquer modo, a primeira universidade na América Latina foi em São Domingos, o atual Haiti, e teve breve duração, o que não deixa de ser simbólico. Já a elite brasileira "ignorante" se constituiu marcada pelo medo da "haitinização" no Brasil, de as massas negras escravizadas, que construíam seus quilombos e sempre se rebelaram por diversas vias, derrotassem uma elite débil em solo brasileiro e subordinada à Metrópole portuguesa. A burguesia brasileira nasce do campo, pressionada entre os interesses das massas majoritariamente negras, com medo de sua revolta, e o capital estrangeiro.

O atraso brasileiro hoje, cuja dinâmica de desenvolvimento é desigual e combinado, está escancarado na miséria de milhões, na fome e na destruição ambiental, não pode ser superado sem uma aposta total na luta de classes não somente para enterrar a escória dessa extrema direita saudosa de um passado mais racista e violento, que não vai desaparecer com eleições, mas também toda a burguesia que é herdeira da escravidão e sócia menor do imperialismo, mesmo a que se pinta de democrática - da qual Alckmin é representante.

As organizações de esquerda, com coletivos de juventude como o Afronte e o Juntos (que são parte do DCE da Unicamp e do PSOL), que sobem no palco para fortalecer Lula-Alckmin, comprando seu projeto que é incapaz de atender às expectativas das massas que o apoiam, fortalecem o obstáculo conciliador ao caminho da luta de classes. Somente a luta da juventude, dos negros, das mulheres, dos indígenas e de todos os setores oprimidos aliada à classe trabalhadora pode derrotar a extrema direita, com um programa de independência política quanto às alas burguesas e aos projetos conciliadores.

É fundamental fortalecer essa perspectiva neste momento para abrir caminho a outra perspectiva de futuro, para que os capitalistas, o agronegócio com o garimpo assassino de indígenas, as cúpulas das Igrejas, as Forças Armadas, que tiveram caminho pavimentado pelo projeto do PT, encontrem enfrentamento à altura em nome de todos os explorados e oprimidos. Isso é impossível sem revogar as reformas e defender uma reforma agrária radical e direitos democráticos elementares como o direito ao aborto, mas também sem a batalha por defender as cotas e todas as vagas que hoje os estudantes trabalhadores possuem através do Prouni e o FIES contra as garras da extrema direita, mas avançando para expropriar os monopólios do Ensino Superior e por fim aos vestibulars, garantindo vagas para todos, sob gestão e controle dos profissionais da educação e estudantes. É impossível sem cessar o pagamento da dívida pública que suga os cofres e riquezas nacionais.

Por isso, nós da Faísca Revolucionária estamos construindo o Polo Socialista e Revolucionário e batalhando pela independência política da classe trabalhadora nas lutas e nas eleições, e chamamos todos os estudantes a debaterem como combater a extrema-direita, com a máxima unidade na luta entre todos o que se colocam contra o bolsonarismo e sem conciliação de classes que só vai servir para nos enfraquecer e desarmar.






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