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A posição de Trótski sobre antissemitismo, sionismo e as perspectivas da questão judaica

Mario Kessler

Poster político da União Geral dos Trabalhadores Judeus da Rússia, Polônia e Lituânia contra o sionismo, 1930

A posição de Trótski sobre antissemitismo, sionismo e as perspectivas da questão judaica

Mario Kessler

Em meio a uma nova ofensiva reacionária do Estado de Israel contra a Faixa de Gaza e o direito do povo palestino à autodeterminação, debates sobre a natureza do Estado e do projeto sionista como um todo estão surgindo. Este trabalho pode servir para lançar luz sobre as reflexões de Leon Trótski (ele mesmo de origem judaica) sobre o assunto, levando em consideração que o revolucionário russo tratou do problema relativos à política revolucionária em relação às nacionalidades na heterogênea Rússia e Europa, sendo, também, o primeiro a prever o extermínio físico em massa dos judeus europeus sob o regime nazista.

Trótski não conseguiu ver o projeto sionista consumado com a fundação do Estado israelense, mas previu uma tendência cada vez mais reacionária. Embora não compartilhemos todas as visões de Kessler (particularmente sua definição da resistência palestina à colonização como simplesmente "nacionalista" quase nos mesmos termos do projeto sionista), recomendamos esse artigo, que agora trazemos traduzido ao português.

Publicamos este artigo de Mario Kessler, historiador alemão, autor de "Sobre antissemitismo e socialismo". O trabalho que apresentamos aqui é baseado no capítulo daquele livro dedicado a Trótski, e apareceu na revista New Interventions, Vol.5 No.2, 1994. Há pouco tempo, Kessler, junto com outros treze historiadores, liderou um protesto contra a editora Suhrkamp para impedi-la de publicar em alemão a biografia de Trótski escrita pelo soviético britânico Robert Service, por considerá-la uma obra caluniosa, caluniosa e desprovida de todo rigor científico.

A relevância de Trótski hoje

O antissemitismo, o sionismo e a questão judaica não constituíram um tema central nos escritos de Leon Trótski. No entanto, sua atitude para com esse problema é importante para o leitor atual, no que diz respeito às posições representativas dentro da esquerda e à preocupação de Trótski com a questão nacional em geral. [1]

A atitude de Trótski sobre a questão judaica era a da maioria dos revolucionários judeus assimilados na Rússia, por volta de 1900. Naquela época, prevalecia a visão de que uma transformação mundial do capitalismo para o socialismo, possível em um futuro não muito distante, poderia remover na Rússia (e em outros países da “diáspora” judaica) todas as barreiras sociais que separavam judeus de não judeus. O processo de assimilação imposto pelo capitalismo deveria atingir um nível superior em uma sociedade socialista, como parte de um processo mundial de assimilação. Este processo não deve excluir nenhuma nação. Consequentemente, Lenin considerou a melhor integração possível dos judeus nas fileiras do movimento socialista como um pré-requisito e como parte de uma política revolucionária eficaz para resolver a questão judaica.

Pelo contrário, a União Geral dos Trabalhadores Judeus da Rússia, Polônia e Lituânia (o Bund), negou a possibilidade de uma integração dos judeus da Europa Oriental por meio da assimilação. A única coisa viável seria o desenvolvimento nacional dos judeus, tanto dentro quanto fora do movimento operário. Desse ponto de vista, o Bund se opôs fortemente ao sionismo, ainda mais fortemente do que outros social-democratas. Deve-se notar que não era a concepção nacional do Bund em si, mas a atitude separatista em relação à organização do partido, a razão do conflito com os bolcheviques e especialmente com Lenin [2]. Essas diferentes visões eram baseadas no concepção de que a questão judaica tinha que ser resolvida nos países onde os judeus viviam, não na Palestina. A emigração proposta pelos sionistas não poderia substituir a luta pela emancipação dos judeus em seus respectivos países.

O sionismo

Todos os críticos socialistas do sionismo interpretam as diferenças fundamentais dentro do movimento sionista por volta de 1903 como a crise decisiva do sionismo. Naquela época, o sexto congresso sionista em Basel era caracterizado por profundas contradições entre a maioria dos participantes, que via a Palestina como o único território onde a questão judaica poderia ser resolvida, e a minoria, que via como alternativa a África Oriental Britânica ou a Argentina. Como os bundistas, [3] Trótski previu a derrota final do sionismo. Em 1º de janeiro de 1904, escreveu na publicação do partido, a Iskra, que a palavra de ordem de uma pátria sionista havia sido exposta pelo que era: o sonho reacionário de um “aventureiro canalha” (Herzl) [4]. "Herzl prometeu a Palestina - mas não a entregou [aos sionistas]". Na verdade, o efeito da proposta do congresso sionista foi mergulhar o movimento em uma crise da qual ele não poderia se recuperar. “É impossível”, observou Trótski, “manter o sionismo vivo por meio desse tipo de engano. O sionismo esgotou seu conteúdo miserável…. Dezenas de conspiradores e centenas de pessoas ingênuas ainda podem apoiar as aventuras de Herzl, mas o sionismo como um movimento já está condenado a perder todo o seu direito de existir no futuro. " Para Trótski, tudo isso era "claro como o meio-dia".

Mas Trótski previu que uma esquerda sionista inevitavelmente encontraria seu caminho para as fileiras do movimento revolucionário; caso contrário, o Bund se tornaria sua casa política. Esta organização, apesar de ser antissionista, se assemelhava cada vez mais aos sionistas ao destacar todos os assuntos judaicos do conjunto dos problemas do proletariado. Era bem possível que o Bund houvesse herdado as ideias sionistas.

Quase noventa anos depois, vemos que essa previsão estava errada. O Bund permaneceu um crítico fervoroso do sionismo. Trótski não podia prever o fato de que uma futura esquerda sionista (em particular, uma parte da Poale Zion) adotaria a posição antissionista bundista e de “nacionalismo da diáspora”. A questão de se, em condições diferentes, o Bund deveria ter feito algumas concessões ao sionismo a fim de absorver alguns sionistas desencantados permanece sem resposta. Mas na época era quase impensável.

Stalin e antissemitismo

Apenas três décadas depois, Trótski prestaria igual atenção ao sionismo. Até então, ele estivera envolvido em alguns problemas judaicos apenas: durante a revolução de 1905 [5], no caso Beilis (quando um trabalhador judeu foi acusado de um assassinato ritual em Kiev) em 1913 [6], e durante tumultos antissemitas na Romênia no mesmo ano [7]. Como comandante do Exército Vermelho, Trótski reprimiu as atividades dos pogromistas durante a Guerra Civil [8] e sempre se opôs aos resquícios do antigo antissemitismo russo e ao surgimento de um novo antissemitismo soviético [9]. Por isso, ficou impressionado quando, em 1926, percebeu os primeiros indícios de que sua própria origem judaica estava sendo levada em consideração, principalmente nas lutas dentro do partido. Parte dos procedimentos com que Stalin derrotou a Oposição Unificada foi tornar visível o fato de que suas principais figuras eram judeus [10]. Em carta a Bukharin, em 4 de março de 1926, Trótski protestou contra o pano de fundo antijudaico de uma campanha de boatos: "É verdade, é possível que em nosso Partido, em Moscou, nas CÉLULAS OPERÁRIAS haja agitação antissemita impunemente?" [11] Bukharin, embora seriamente surpreso, não respondeu [12].

Após as revoltas de agosto de 1929 na Palestina, e especialmente após o fascismo se estabelecer na Alemanha, e com a nova onda de emigração para a Palestina, Trótski se deparou com as novas dimensões da questão judaica e com as várias propostas para resolvê-la, inclusive o sionismo. Em fevereiro de 1934, ele deu uma entrevista ao jornal trotskista americano The Class Struggle [13]. Quando questionado se os distúrbios na Palestina, onde militantes árabes e judeus estavam lutando, representavam um levante das massas trabalhadoras árabes oprimidas, Trótski respondeu que não sabia o suficiente sobre o assunto para determinar até que ponto "elementos que lutam pela libertação nacional (anti-imperialistas)" estavam presentes e até que ponto "muçulmanos reacionários e pogromistas antissemitas" estavam envolvidos.

Ele também foi questionado se o antissemitismo do fascismo alemão deveria forçar os comunistas a adotar uma abordagem diferente para a questão judaica. Trótski disse que tanto o estado fascista na Alemanha, quanto a luta entre árabes e judeus, novamente mostraram muito claramente o princípio de que a questão judaica não poderia ser resolvida dentro da estrutura do capitalismo:

“Não sei se os judeus vão se reconstruir como nação. No entanto, não pode haver dúvida de que as condições materiais para a existência dos judeus como nação independente só podem ser efetuadas por meio da revolução proletária. Não existe em nosso planeta a ideia de que um tem mais direito à terra do que outro. O estabelecimento de uma base territorial para os judeus na Palestina ou em qualquer outro país só é concebível com a migração de grandes massas humanas. Só um socialismo triunfante pode assumir essa tarefa."

Trótski acrescentou que “o impasse em que os judeus alemães se encontram, assim como o impasse em que o sionismo se encontra, estão inseparavelmente ligados ao impasse do capitalismo mundial, como um todo. Somente quando os trabalhadores judeus virem claramente essa relação, poderão evitar cair no pessimismo e no desespero."

Trótski no México

Após sua chegada ao México em janeiro de 1937, Trótski fez várias declarações sobre o sionismo, a questão palestina e os assuntos judaicos em meio ao crescimento mundial do antissemitismo. Em entrevista a vários correspondentes da imprensa judaica, disse que: “o conflito entre judeus e árabes na Palestina assume um caráter cada vez mais trágico e ameaçador. Não acredito que a questão judaica possa ser resolvida dentro da estrutura da podridão do capitalismo e sob o controle do imperialismo britânico” [14].

Em julho de 1940, um mês antes de seu assassinato, Trótski advertiu, em face da virada cada vez mais antissionista na política da administração britânica na Palestina, que “a tentativa de resolver a questão judaica por meio da migração de judeus para a Palestina deve ser vista pelo que é: uma trágica zombaria do povo judeu. Interessado em ganhar a simpatia dos árabes, que superam os judeus, o governo britânico alterou drasticamente sua política em relação aos judeus, na verdade renunciando à promessa de ajudá-los a encontrar sua "casa própria" em um país estrangeiro. Desenvolvimentos futuros em eventos militares podem transformar a Palestina em uma armadilha sangrenta para centenas de milhares de judeus. Nunca ficou tão claro como hoje que a salvação do povo judeu está inseparavelmente ligada à derrubada do sistema capitalista” [15].

Durante o auge do terror stalinista em 1937, as esperanças de Trótski de uma solução justa para a questão judaica, pelo menos na União Soviética, desapareceram. Em seu ensaio "Termidor e antissemitismo", ele destacou que a burocracia, como a força social mais regressiva e reacionária, tiraria proveito dos piores preconceitos, inclusive o antissemitismo. Na busca por bodes expiatórios, a burocracia seguiria o caminho das Centúrias Negras czaristas. Sobre os julgamentos farsescos e campanhas de repressão, onde os nomes judaicos de inúmeras vítimas foram destacados, Trótski escreveu: “Não há um único exemplo na história em que a reação que se segue a um levante revolucionário não seja acompanhada pelas paixões chauvinistas mais desenfreadas, incluindo o antissemitismo” [16].

Este ensaio permaneceu inédito durante a vida de Trótski, talvez para evitar uma ofensiva de propaganda nazista. Muito melhor e muito mais cedo do que qualquer outro escritor socialista (com a possível exceção de August Thalheimer) [17] Trótski viu muito claramente a natureza de classe e a destruição mortal do fascismo de Hitler. [18] Após a chamada "Noite dos Cristais", observou em uma passagem notável e comovente em uma carta aos camaradas americanos em 22 de dezembro de 1938: “Pode-se facilmente imaginar o que espera os judeus com a eclosão da próxima guerra mundial. Mas mesmo sem guerra, o próximo desenvolvimento da reação mundial certamente significará o extermínio físico dos judeus” [19].

Enfrentando o nazismo

Trótski via o nazismo como um fenômeno que agitava e reunia todas as forças da barbárie que espreitavam sob a fina superfície da sociedade de classes “civilizada”. Ele teve uma visão extraordinária da barbárie que ameaçava afundar a Europa. Mas Trótski não foi o único que buscou uma solução para o que foi chamado de questão judaica em um contexto de transformação da sociedade capitalista para a socialista. Este foi há muito tempo o leitmotiv de todos os marxistas, incluindo aqueles que seguiram a linha stalinista da Terceira Internacional.

A obra de referência para o público leitor da Internacional Comunista é, desde a sua publicação em 1931, o livro de Otto Heller Der Untergang des Judentums (A Ruína do Judaísmo). Sua segunda edição alemã apareceu imediatamente antes dos nazistas tomarem o poder. Segundo Heller, o título um tanto estranho se refere ao desaparecimento do comerciante judeu e a tudo relacionado à sua existência, iniciada com a Revolução Francesa e a vitória do capitalismo no Ocidente. Isso, por sua vez, destruiu as condições para um estilo de vida judeu separado. Na ausência de território, os judeus não eram uma nação dentro dos países onde viviam. Na União Soviética, eles ainda eram, sem dúvida, herdeiros de uma nacionalidade. A União Soviética não se opôs à sua assimilação, nem os obrigou a se estabelecerem em uma região compacta.

No entanto, na península da Crimeia, e também especialmente em Birobidzhán, perto do rio Amur, no Extremo Oriente soviético, ela ofereceu aos judeus a oportunidade de “criar aqui sua unidade administrativa socialista autônoma, que ainda não existe”, escreveu Heller, apologeticamente [20]. Ele, como tantos propagandistas, antes e depois, traçou uma imagem idealizada da situação na URSS, a imagem de uma família socialista de nações. Uma vez que o problema judaico foi supostamente resolvido na União Soviética, na realidade ainda existia "uma verdadeira questão judaica, atualmente no leste e no sul da Europa, nas áreas socialmente atrasadas" [21]. Heller escreveu essas linhas na véspera da tomada do poder por Hitler. Ele tinha tão pouca ideia das horríveis consequências daquele ato, como o partido a que pertencia, o Partido Comunista da Alemanha (KPD), que não pôde resistir à constante marcha de reação e barbárie que se apoderou do continente.

Nos primeiros anos do Partido Comunista Alemão

Nos primeiros anos do KPD havia muitos intelectuais judeus entre os líderes do Partido (Rosa Luxemburgo, Paul Levi, August Thalheimer e, um pouco mais tarde, Ruth Fischer, Arkadi Maslow, Werner Scholem, Iwan Katz e Arthur Rosenberg), mas isso não foi destacado publicamente. Em todas as suas mudanças de direção política, o KPD manteve a tradicional análise marxista da questão judaica, ou seja, defendeu a assimilação como a melhor forma de alcançar a emancipação dos judeus e se opôs fortemente ao sionismo. Ele também se agarrou ao axioma dos sociais-democratas alemães anteriores à Primeira Guerra Mundial: "A libertação dos trabalhadores da exploração capitalista e a emancipação dos judeus da discriminação política são as duas faces da mesma moeda” [22]. Mas ao pedir para os judeus abandonarem sua religiosidade e tradições, para assimilarem-se, o movimento operário estava aceitando “a discriminação contra os judeus praticada pelos poderes conservadores realmente existentes, porque a Constituição do Império Alemão só garantia igualdade aos judeus como indivíduos, mas discriminando os Religião judaica… ao contrário das igrejas cristãs” [23].

Embora isso tenha mudado com a Constituição de Weimar, na primeira democracia parlamentar alemã a administração do estado permaneceu firmemente nas mãos de uma burocracia conservadora, veementemente oposta não apenas à emancipação judaica, mas também a um forte movimento operário democrático. As elites tradicionais agora eram obrigadas a usar máscaras democráticas, mas em todas as crises na República elas colocavam seu dinheiro em forças antidemocráticas, em última instância, no Partido Nazista. Essas classes e uma pequena burguesia radicalizada e empobrecida estavam cada vez mais firmemente ligadas por um antissemitismo cada vez mais carregado de um pensamento anticomunista e pseudo-igualitário. Essa associação foi ignorada ou minimizada, não apenas pelos comunistas e socialistas, mas também pela maior parte da centro-esquerda, com a honrosa exceção do círculo Weltbühne.

"Nacional Bolchevismo"

A imprensa do partido assumiu uma posição firme e polêmica contra a disseminação de tendências antissemitas entre a classe média proletarizada após a Primeira Guerra Mundial [24]. Mesmo durante seu estágio de "nacional bolchevique" em 1919, e seus acenos para os nacionalistas de direita desesperados após o "discurso de Schlageter" de Karl Radek [25], o KPD continuou a se definir contra todos os tipos de antissemitismo. No entanto, ao mesmo tempo, dentro do próprio partido havia sinais de sentimentos antissemitas. Preocupada, Clara Zetkin escreveu à IX Conferência do KPD em março de 1924: “A ’esquerda’ majoritária do Partido combina fraternalmente muitos amigos do KAPD [Partido Comunista dos Trabalhadores, ruptura da ultra-esquerda, NdT], sindicalistas, antiparlamentares e, ao que parece - horribile dictu - mesmo reformistas e, ultimamente, fascistas antissemitas” [26] Durante a conferência do partido, um seguidor anônimo de Heinrich Brandler declarou: “Há uma certa ressaca antissemita na partido” [27]. Mas em nenhum momento essas tendências ditaram a atitude do KPD em relação à questão judaica.

Nem mesmo foi o caso em 1924 quando, sob governos de comunistas na Baviera e na Alemanha central, uma espécie de antissemitismo lumpemproletário e anticapitalista apareceu e encontrou eco em panfletos e jornais locais como Halle’s Klassenkampf (Classe Luta) [28]. Por razões oportunistas da política cotidiana, o Partido sentiu que deveria levar em conta o ressentimento antissemita de setores da pequena burguesia e do proletariado que desejava conquistar para o KPD. Em um discurso de 25 de julho de 1923 para comunistas e estudantes "fortemente nacionalistas", Ruth Fischer disse:

“Vocês estão protestando contra o capitalismo judeu, senhores? Qualquer um que proteste contra o capitalismo judeu, senhores, já é um guerreiro de classe, quer saibam disso ou não. Você é contra o capitalismo judeu e quer acabar com os corretores da bolsa. Isso está bem. Mostre os capitalistas judeus, pendure-os nas luzes da rua, pise neles, Stinnes, Klockner.” [29]

Houve também exemplos de pensamento antissemita no órgão do partido, Die rote Fahne (A Bandeira Vermelha), como dar ao vice-presidente (judeu) da polícia de Berlim, Bernhard Weiss, o nome cristão judaico "Isodor", uma prática que mais tarde seria retomada e expandida pelos nazistas [30].

A única vez antes de 1933 (após os eventos na Palestina, em agosto de 1929), quando a liderança do KPD falou diretamente sobre o sionismo, mostrou claramente sua falta de familiaridade com os vários aspectos da questão judaica. Falando em uma reunião do Comitê Central em 24-25 de outubro de 1929, Hermann Remmele admitiu que “dentro do partido ... pouco se sabe sobre o papel desempenhado pelo Comintern, o movimento revolucionário do comunismo. Nosso partido [o Partido Comunista da Palestina] tem 160 membros na Palestina, 30 são árabes e os outros 130 são sionistas. É claro que este partido não pode ter o tipo de atitude exigida pela lei da Revolução. Obviamente, o povo oprimido que, nas condições atuais, pode fornecer o elemento revolucionário, não pode ser outro senão os árabes” [31].

Dificilmente há uma única palavra que não esteja errada aqui. Além do uso indiscriminado de "judeus" e "árabes", a alegação de que os membros judeus do Partido eram sionistas era uma distorção completa dos fatos. O KPD deveria estar ciente disso. Segue-se que o Rote Fahne interpretou as posições, que eram nacionalistas de ambos os lados, como uma luta anti-imperialista do lado árabe, sem criticar de forma alguma as políticas de sua direção feudal-clerical [32]. No entanto, outras publicações com simpatias comunistas foram mais capazes de diferenciar [33].

Um ano depois, em sua brochura Sowjetstern oder Hakenkreuz? ("A estrela soviética ou a suástica?") Remmele era altamente crítico do antissemitismo nazista. Ele erroneamente acreditava que esse antissemitismo era uma farsa e que Hitler e seus cúmplices fariam um grande show de antissemitismo, mas acabariam chegando a um acordo com capitalistas judeus e não judeus [34]. Vários relatos da imprensa apoiaram esta interpretação [35], o que não impediu o KPD (principalmente por meio da seção alemã do Socorro Vermelho Internacional, na qual tinha uma influência considerável) de ajudar as vítimas do antissemitismo, principalmente judeus que haviam migrado para a Alemanha da Europa Oriental [36].

Depois de 1933

O ano de 1933 viu a destruição das ilusões dos comunistas sobre o escopo e os resultados da tomada do poder pelos nazistas. O partido proscrito passou a condenar a perseguição nazista aos judeus em todas as suas formas [37]. No entanto, não foi até o "Reichskristallnacht" [a série de pogroms antijudaicos coordenados em uma noite em toda a Alemanha e parte da Áustria, NdT], em 9 de novembro de 1938 que a direção do Partido percebeu que o nazismo era um perigo não apenas para os judeus, mas para toda a civilização mundial. No entanto, mesmo em sua declaração "Gegen die Schmach der Judenpogrome" (Contra a vergonha dos pogroms antijudaicos) de novembro de 1938, o KPD superestimou a solidariedade do povo alemão com os judeus perseguidos e subestimou a disposição de muitas pessoas em participar da perseguição e pilhagem de propriedades judaicas [38]. Ao mesmo tempo, na imprensa dos emigrantes, Walter Ulbricht [que após a guerra seria o líder máximo do regime stalinista da Alemanha Oriental até sua morte em 1973, NdT] apoiou o lado judeu do conflito na Palestina. Este é o mesmo Walter Ulbricht, que em 1967, na guerra árabe-israelense, era incapaz de ver divisões de classes, mas simplesmente uma luta entre estados árabes progressistas contra um Israel liderado pelos imperialistas [39].

Os pequenos grupos marxistas - o Partido Comunista da Alemanha-Oposição (KPDO) [ligado à facção comunista de direita de Bukharin, NdT], o Partido Operário Socialista (SAP) [divisão de esquerda do Partido Social Democrata, NdT], e os trotskistas - fizeram todo o possível para abrir os olhos dos alemães diante da destruição mortal do fascismo de Hitler. Depois que os nazistas chegaram ao poder, fizeram o possível para denunciar seu comportamento abominável, especialmente em relação aos judeus. No entanto, o reformista Partido Social-democrata (SPD) [40], e especialmente o stalinista KPD, estavam surdos e cegos às suas advertências. O KPD e o SPD estavam principalmente envolvidos na guerra burocrática interna.

O Holocausto

Ninguém tinha visto a horrível possibilidade do Holocausto tão claramente quanto Trótski. Agora, diante do assassinato em massa dos nazistas, Trótski propôs a migração dos judeus da Europa - de um continente cada vez mais sombreado pela suástica. Ainda assim, ele criticou o método sionista de resolver a questão judaica como utópico e reacionário, embora modificando ligeiramente seus argumentos. Ele considerou a existência de uma "nação judaica", que ainda carecia de uma base territorial [41]. Mas a Palestina permaneceu para ele "uma miragem trágica, e Birobidzhán [a "Região Autônoma Judaica Soviética"] uma farsa burocrática" [42]. No entanto, poderia haver uma migração dentro de uma federação socialista, como escreveu Trótski em "Termidor e anti-semitismo" [43]. Para Trótski, as perspectivas e possibilidades da assimilação judaica permaneceram abertas. Parece ao autor deste ensaio que sua perspectiva negativa sobre a existência judaica nas sociedades capitalistas foi baseada em sua visão revolucionária global de uma queda iminente do "capitalismo decadente", mais do que produto de um "espírito da época".

Mas o sistema capitalista não entrou em colapso após a Segunda Guerra Mundial. Com todas suas contradições, ele permaneceu poderoso e foi capaz de se recuperar de uma série de crises econômicas e políticas. O novo estado de Israel se tornou um exemplo da expansão e crescimento do capitalismo no Oriente Médio. No contexto do conflito árabe-judaico, Israel deixou de ser uma tentativa de resolver o problema judaico para se tornar parte desse problema. Os historiadores hoje têm que avaliar se, de uma forma modificada, as explicações de Trótski ainda são válidas para judeus e árabes, para socialistas e não socialistas, que se opõem ao antissemitismo e qualquer forma de discriminação racial e étnica, e para o mundo em geral no final do século XX.


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FOOTNOTES

[1A atitude geral de Trótski em relação à questão judaica foi descrita por Yechiel Harari, “Le parcours de Trotsky”, em Les Nouveaux Cahiers No.36, primavera de 1974, pp.43-61; Robert S. Wistrich, Revolutionary Jews from Marx to Trotsky, Londres, 1976, Baruch Knei-Paz, The Social and Political Thought of Leon Trotsky, Oxford 1978. Uma atitude mais hostil pode ser encontrada em Edmund Silberner, Kommunisten zur Judenfage. Zur Geschichte von Theorie und Praxis des Kommunismus, Opladen 1983, y en particular en Joel Carmichael, Trotsky, Nueva Cork, 1972, y Joseph Nevada, Trotsky and the Jews, Philadelphia 1972.

[2Sobre as diferenças fundamentais entre Lenin e o Bund sobre o problema da organização do partido: cf. Henry J. Tobias “The Bund and Lenin until 1903″, en Russian Review, Vol.20 No.4, 1961, pp.344-57; idem, The Jewish Bund in Russia: From Its Origins to 1905, Stanford, Cal. 1972; John Bunzi, Klassenkampf in der Diaspora. Zur Geschichte der jüdischen Arbeiterbewegung, Vienna 1975; Jonathan Frankel, Prophecy and Politics: Socialism, Nationalism and the Russian Jews, New York 1982; Nathan Weinstock, Le pain de misère. Histoire du mouvement ouvrier juif en Europe, Vol.1, Paris 1984; Enzo Traverso, Les Marxistes et la question juive. Histoire d’un débat (1843-1943), Montreuil 1990; Mario Kessler, Mainz, 1993

[3Cf. Vladimir Medem, Shestoi sionisticheskii Kongress v Bazele, Londres, 1903.

[4L. Trótski, “Razlozhenie sionizma i ego vozmozhnye preemnike”, en Iskra, 1° de enero 1904, citado en Knei-Paz, op. cit, p.540 y ss. Los siguientes pasajes son de la misma fuente.

[5Cf. L. Trótski, Die Russische Revolution von 1905, Dresde 1908.

[6Cf. L. Trótski, “Die Beilis-Affäre”, en Die Neue Zeit, Vol.33 / 1, 1913, pp.310-20.

[7Cf. L. Trótski, “Evreiskii vopros”, Kievskaya Mysl 17, 20, 21 de agosto de 1913, reimpreso en L. Trótski / Ch. Rakovsky, Ocherky politicheskii Rumynii, Moscú y Petrogrado, 1923, ch.9.

[8Cf. Silberner, Kommunismus zur Judenfrage, pp.103-4.

[9Cf. L. Trótski, Fragen des Altagslebens. Die Epoche der “Kulturarbeit” und ihr Aufgaben, Berlín, 1923.

[10“Os judeus estavam na Oposição, apesar que estavam ali junto com a flor da intelectualidade não-judia e dos trabalhadores. Trótski, Zinoviev, Kamenev, Sokolnikov, Radek, todos eram judeus”. Isaac Deutscher, El profeta desarmado: Trotsky 1921-1929, Nueva York, 1965, pp.258-9.

[11Citado en ibid., P.258. Cursivas nol original. Encontrei este documento nos arquivos de Trótski, Biblioteca Houghton de Harvard University, Cambridge Mass. A firma deste documento é T868.

[12Cf. Stephen F. Cohen, Bujarin y la revolución bolchevique: Una biografía política, New York 1973, pp.239-40, 473. A atitude de Bukharin em relação ao antissemitismo na Rússia Soviética não é mencionada na biografia mais recente. Cf. Wladislaw Hedeler y Ruth Stoijarowa, Nikolai Bucharin, Leben und Werk, Mainz, 1993. Bukharin sempre se opôs estritamente a qualquer tipo de judeofobia.

[13Cf. L. Trótski, “En el ‘problema judío’”, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, Nueva York 1970. As seguintes passagens são da mesma fonte.

[14L. Trótski, “Entrevista con corresponsales judíos”, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, p.20.

[15L. Trótski, fragmento, de Trotsky, Sobre la cuestión judía, p.12.

[16L. Trótski, “El Thermidor y el antisemitismo”, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, p.22.

[17Sobre a teoria do fascismo de Thalheimer cf. por exemplo. Martin Kitchen, “August Thalheimer’s Theory of Fascism”, in Journal of the History of Ideas, Vol.34 No.1, 1973, pp.67-8; Theodor Bergmann, Gegen den Strom. Die Geschichte der Kommunistischen Partei-Opposition, Hamburg 1987; Jurgen Kaestner, Die Politische Theorie August Thalheimers, Frankfurt am Main y New York 1982; Theodor Bergmann y Wolfgang Hauble, De Geschwiste Thalheimer, Mainz 1993

[18Sobre a teoria de Trótski do fascismo cf. por ejemplo. Ernest Mandel, León Trotsky: Un estudio sobre la dinámica de su pensamiento, Londres 1979, y Robert S. Wistrich, Trotsky: El destino de un Revolucionario, Londres 1979.

[19L. Trótski, “Llamamiento a los judíos estadounidenses amenazados por el fascismo y el antisemitismo”, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, p.29. Cursivas no original.

[20Otto Heller, Der Untergang des Judentums. Die Judenfrage. Ihre Kritik. Ihre Lösung durch den Sozialismus, Segunda edición, Berlín y Viena, 1933, p.259.

[21Idem, en Klärung. 12 Autoren und Politiker über die Judenfrage, Berlín 1932, p.259.

[22Cf. Walter Grab, Der Deutsche Weg der Judenemanzipation 1789-1933, Munich y Zurich, 1991, p.134.

[23Cf. ibid., p.140.

[24Cf. Neue Zeitung (Munich), 23 de diciembre de 1922.

[25Em 20 de junho de 1923, logo após a plenária ampliada do Comitê Executivo da IC, Karl Radek tentou realizar uma reaproximação entre as forças comunistas e nacionalistas, pela qual elogiou Albert Leo Schlageter, que, durante a ocupação francesa da região do Ruhr foi levado à corte marcial e fuzilado. Ver K. Radek, “Leo Schlageter: The Wanderer into the Void”.

[26Bericht über die Verhandlungen des IX. Parteitages der KPD (7. Bis 10. April 1924), p.93.

[27Ibid., P.289.

[28Cf. Silberner, Kommunismus zur Judenfrage, p.270.

[29De acordo com um informe publicado no diário socialdemocrata Vorwärts, 22 de agosto de 1923.

[30Cf. Die Rote Fahne, 5 de julio de 1923.

[31Stiftung Archiv der Parteien und der DDR Massenorganisationen im Bundesarchiv, Berlín, signatura 1,2 / 1/74.

[32Cf. Die Rote Fahne, 27 de agosto a 7 de septiembre de 1929.

[33Cf. Arbeiter-Zeitung Illustrierte, No.39, 1929; Agrar-Probleme, Vol.2 Nos.3 / 4, 1929, esp. p.579.

[34Hermann Remmele, Sowjetstern oder Hakenkreuz?, Berlín, 1930.

[35Cf. Die Rote Fahne, 3 de septiembre de 1929, 17 de septiembre de 1931, 9 y 29 de abril 1932, 17 de septiembre de 1932. Cf. también “Kommunismus und Judenfrage” en Der Jud’ ist schuld …? Diskussionsbuch über die Judenfrage Basel, etc. 1932, pp.272-286.

[36Cf. George L. Mosse, “El socialismo alemán y la cuestión judía en la República de Weimar”, en el Instituto Leo Baeck Año XVI Libro, Londres, 1971, pp.123-51.

[37Cf. Silberner, Kommunismus zur Judenfrage, pp.286-92.

[38Cf. Helmut Eschwege (ed.), J. Kennzeichen Bilder, Dokumente, Berichte zur Geschichte der Verbrechen des deutschen un Hitlerfaschismus den Juden 1933-1945, Berlín 1945, p.105 (un facsímil de la declaración KPD).

[39Cf. Walter Ulbricht, “Die Judenpogrome – eine der Waffe faschistischen Kriegspolitik”, en Rundschau über Politik, Wirtschaft und Arbeiterbewegung, No.57, 24 de noviembre de 1938, pp.1953-4.

[40Sobre a aitude do SPD com os judeus durante a época de Weimar cf. por ejemplo. Donald L. Niewyk, Socialist, Anti-Semite and Jew: German Social Democracy Confronts the Problem of Anti-Semitism, 1918-I939, Baton Rouge, La. 1971

[41L. Trótski, “Entrevista con corresponsales judíos”, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, p.20.

[42L. Trótski, “Llamamiento a los judíos estadounidenses…”, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, p.29. Por la actitud de Trotsky sobre Birobidzhán cf. Trótski, “Respuesta a una pregunta sobre Birobidzhán”, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, pp.18-19.

[43Cf. Trótski, “El Thermidor y el antisemitismo, en Trotsky, Sobre la cuestión judía, pp.28-9.
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Mario Kessler

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