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AMAZÔNIA | A crise amazônica como marco para refletir o lugar do Brasil nas disputas internacionais

O que essa crise revela da localização internacional do país em meio à guerra comercial e a tendência a maiores disputas entre os imperialismos e potências.

terça-feira 27 de agosto de 2019 | Edição do dia

As fortes e colonialistas declarações de Macron e as respostas de Bolsonaro colocam a diplomacia do Itamaraty e da França enfrentadas como nunca estiveram em mais de 50 anos, uma reversão imensa das relações de Lula e Sarkozy que envolviam tecnologia de submarino nuclear, caças Mirage, e foram postas em xeque tanto pela Lava Jato como por mudanças na política francesa em relação ao Oriente Médio e Mediterrâneo. Essa tensão Brasil-França ocorre no marco que o país é um dos principais destinos internacionais de exportação de capitais do imperialismo francês, e temos extensa fronteira terrestre com o enclave colonial da Guiana Francesa, como lembraram em rede social tanto Macron como o general Villas Boas.

A crise amazônica não pode ser tomada isoladamente de três definições chave. 1) O Brasil está se tornando um palco de disputas geopolíticas internacionais e deixando de ser um ganhador da Guerra Comercial para tender a se tornar um perdedor na mesma. 2) o lugar da Amazônia e da América do Sul como um todo na disputa geopolítica mundial; 3) as tendências internacionais de fundo, incluindo os limites para o giro à direita no continente como se expressou nas eleições primárias argentinas, que explicam essas tensões e ao mesmo tempo levam a prognosticar uma tendência de médio prazo (para além de conjunturas) de acirramento dessas tendências.

A mudança qualitativa que chamamos atenção é que o Brasil que vinha de ser um beneficiário da Guerra Comercial EUA-China e das crescentes disputas entre imperialismos passou a ser palco de suas disputas internacionais e mesmo de suas frações de classe. Pode-se visualizar como há interesses de alas do imperialismo francês opostos a interesses da China e dos EUA e da própria Alemanha na União Europeia. A bronca de Merkel em Macron ilustra como o capital alemão tem muito a ganhar com o acordo Mercosul-UE.

Para se aprofundar, leia “Qual o interesse de Macron, Merkel e o G7 diante do fogo bolsonarista

Os diferentes atores atuam para se beneficiar em detrimento do Brasil. Tal como já ocorreu em outros países que são palco de tensões econômicas e geopolíticas internacionais, como o Irã, Venezuela e Turquia. Essas tensões não levam necessariamente somente a linhas rupturistas (tipo Venezuela) mas também a possíveis combinações de tensão e acordo, como são as complexas relações da Europa com a Turquia, alvo de sanções por desrespeito aos direitos humanos, membro OTAN e beneficiária de ajuda financeira da Europa para reprimir e conter imigrantes.

O Brasil deixou de ser um líder regional com seu “soft power” e ambições funcionais a interesses imperialistas convergentes a ser incentivadas ou destroçadas conforme cada imperialismo e suas frações dominantes, para se tornar também um objeto de disputa. Uma expressão viva de todo o desenvolvimento de sua característica de Estado dependente do capital financeiro, atrasado e de traços semi-coloniais.

O Brasil em que se desenvolve a “crise amazônica” é um país onde setores de sua burguesia ganharam relevância internacional ao passo que avançou nas últimas 4 décadas tremendamente o capital imperialista, tendo quintuplicado o controle direto do PIB brasileiro. As riquezas nacionais e o imenso mercado interno brasileiro (5ª maior população e 8º PIB) é objetivamente um dos mais destacados territórios para valorização de capitais (14º maior estoque de capitais estrangeiros – perdendo só de países imperialistas, paraísos fiscais e da China) tornando especialmente atrativo.
As riquezas da Amazônia e do continente e sua Plataforma Marítima Continental (onde localiza-se o pre-sal e também vários minérios e terras raras), pode ser fonte de disputa pela garantia de matérias primas cruciais em um mundo de crescente guerra comercial.

Para se aprofundar nas matérias primas e diferentes projetos capitalistas para a Amazônia, leia: “A Amazônia sob o fogo de diferentes projetos capitalistas

O peso do país na América do Sul (aumentado pelo Mercosul que vincula Argentina, Uruguai e Paraguai a nosso país e às multinacionais aqui instaladas) aumenta o atrativo para distintos imperialismos e potências. A ação de cada potência, contraditória, empurra interesses conflitivos dentro do país. Essa disputa perpassa conflitos e tensões não somente da competição entre imperialismos e potências, mas também dentro das mesmas.

O conflito amazônico opõe hipocrisia imperialista, de beneficiários diretos do desmatamento com a fúria destrutiva do agronegócio, do latifúndio e o incentivo de Bolsonaro. Opõe também, até o momento, alinhamentos de alas “globalistas” do imperialismo contra alas como Trump e Netanyahu. Liderando os “globalistas”, defensores do status quo e aprofundamento de um neoliberalismo senil, Macron a sua frente, jornais alemães (mas que não foram acompanhados por Merkel), parte do establishment Democrata dos EUA, como pode ficar indicado por estudo publicado na revista Foreign Policy que dias antes da escalada da crise se perguntava “Quem invadiria o Brasil para salvar a Amazônia”. Depois, diante da repercussão negativa mudaram o título do artigo para “Quem “salvaria” a Amazônia? E como?”

Por outro lado pode se notar Trump e Boris Johnson, parte dos mais ácidos porta-vozes de renovado nacionalismo econômico imperialista, oferecendo ajuda a Bolsonaro. Boris Johnson se cuidou em dialogar com o amplo fenômeno ambientalista fazendo-se porta-voz dos questionamentos sobre o meio-ambiente, tal como Macron e Merkel, para chegar numa resposta confluente com Trump.

A disputa pelo discurso ambiental atende a interesses de capitais imperialistas, como por outro lado atende a lutas políticas internas de uma direita e extrema direita que não querem deixar nas mãos da esquerda, centro-esquerda e de “globalistas” essa bandeira. Por outro lado, tendências mais profundas se processam e não se reverterão pacificamente e só com inflexões eleitorais. Uma possível vitória Democrata nos EUA pode mudar contornos táticos e conjunturais mas não a preparação estratégica do maior imperialismo do planeta enfrentar-se com a ascensão da China como potência que aumenta seus traços de imperialismo, não somente com exportações de capitais mas também no âmbito tecnológico e militar.

A definição de fazer da China adversária estratégica já vem do pensamento militar americano desde Bush e foi sob Obama que entrou em todos documentos estratégicos que os EUA deveriam efetuar um “pivô à Ásia”. Essa preparação estratégica e conflitos decorrentes continuaram sob um eventual governo democrata. A intenção americana de expandir seu controle sob o Cone Sul, passou pela recriação da Quarta Frota e do Comando Militar do Sul, que agora inclui um militar brasileiro em sua estrutura como comprovação da subordinação. Políticas de “guerra híbrida” desenvolveram-se sob Obama, sanções econômicas e outras formas de pressão no continente também se fazem sentir desde antes de Trump. A Lava Jato, convulsionou os regimes políticos do Brasil e do Peru nasceu sob os democratas. A agressiva política de Trump contra a Venezuela contou com apoio democrata até mesmo dos auto-declarados socialistas democráticos Bernie Sanders e Ocasio-Cortez. Guardadas as diferenças de republicanos e democratas, ambos querem voltar a estender mais intensamente à América do Sul um controle mais pleno e qualitativo, tal como exercem sobre o Caribe e América Central que são seu “pátio traseiro”, para desde o continente inteiro projetar a renovação de suas ambições globais.

O surgimento da “Vaza Jato” com possíveis de mãos dos democratas ou ao menos do “estado profundo” (chamado “deep state” que são os “donos do mundo” dos EUA, o grande capital financeiro que domina independente do governo de turno) dá outra cara a como ações de frações imperialistas convulsionam o Brasil, suas instituições e frações.

A força na mídia, e nas novas burocracias em movimentos sociais onde a influência de ONGs imperialistas tipo Greenpeace, onde vozes tal como a de Macron se multiplicam também alerta de outro caminho que as ações imperialistas são fator de convulsão nacional, impondo contradições importantes a um movimento com potencial anticapitalista e global.

O pano de fundo das disputas é a disputa do Brasil como lugar para valorização de capitais e geopolítico e tem renovada importância como fenômeno preparatório.

O Brasil é um dos principais destinos internacionais dos capitais franceses e europeus em geral, e até o momento, o resultado é de isolamento do governo francês perante outros governos imperialistas europeus, com a Alemanha, Reino Unido e Espanha se opondo a cancelar o acordo com o Mercosul. Esses países ganham mais com o acordo que a França que teria parte de seu agronegócio ameaçado pelo brasileiro (ao mesmo tempo que empresas imperialistas francesas também lucram com o agronegócio no Brasil).

A assinatura do acordo EUA-Brasil entregando um pedaço do Maranhão (com voto favorável do PCdoB na Câmara) ataca interesses comerciais da ArianeSpace (subsidiária da gigante francesa AirBus) e estratégicos da França com a concorrente base de Kourou na Guiana que vinha se desenvolvendo como principal local de lançamento comercial de satélites. Esse interesse estratégico, somado a utilidade política de oferecer-se como líder tanto de emergentes questionamentos da juventude quanto ao aquecimento global, e de fazendeiros franceses, são outros elementos que ajudam a entender a agressividade do outro lado do Atlântico.

A tendência à maior disputa inter-imperialista, onde cada empresa e cada imperialismo atua na lógica de “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Não menos importante, o conflito amazônico perpassa e tem como um de seus panos de fundo a expansão das exportações brasileiras de soja e carne à China. E também a China, tem o Brasil como o quarto maior destino mundial de seus capitais

Se a hipótese improvável de uma guerra em nossa fronteira norte com a Venezuela, com ou sem envolvimento militar brasileiro, já tinha sido um sinal de mudança de qualidade dos conflitos em nosso sub-continente, de avanço na subordinação aos EUA, a crise amazônica, a agressividade francesa, a divergência alemã em defesa de sua indústria, dão outras mostras de como o próprio Brasil tornou-se palco de disputa e como estamos diante, possivelmente, de uma viragem do lugar de todo o sub-continente para cada imperialismo. Essa disputa se dá ainda em marcos preparatórios mas já fratura interesses burgueses no país, como já vimos quando o agronegócio atuou fortemente contra Bolsonaro para não sofrer retaliações comerciais de país árabes ao se alinhar de forma tão subalterna a Trump e ao sionismo e se vê de forma mais intensa na crise aberta em torno da Amazônia.

O incidente inicial com Bolsonaro desmarcando reunião com o premiê francês para cortar o cabelo e uma live em insulto da memória do militante assassinato pela ditadura Santa Cruz, ocorreu exatamente no mesmo dia que Wilbur Ross, chefe da Secretaria de Comércio dos EUA estava no Brasil para começar a negociar um tratado similar com o gigante do norte. O americano foi à imprensa nacional avisar que o acordo UE-Mercosul complicava para o Brasil o acordo com os EUA pois haveria, segundo ele, padrões tecnológicos em diversas indústrias que seriam dispares entre as potências. Uma confissão de como a disputa se transforma de comercial em tecnológica.

A Alemanha que tem sido a maior perdedora da Guerra Comercial EUA-China, tem intenso interesse em ter um mercado para escoar suas máquinas, carros, produtos químicos. A relação do Brasil com a Alemanha é amplamente favorável a aquele imperialismo. E com o acordo UE-Mercosul isso pode aumentar muito por isso Merkel “centralizou” Macron. O avanço das relações com a Alemanha é um potencial para aquele país e ao mesmo tempo do desenvolvimento futuro de uma tripla tripla dependência Brasileira (por enquanto uma dupla: da China e dos EUA).

O fato que já é possível sublinhar é que o Brasil, e por extensão o Mercosul, que tem suas economias, sobretudo suas indústrias, parcialmente atadas a nosso país, configura-se como palco de disputa entre União Europeia (e seus diferenciados e conflitantes interesses, com primazia para a Alemanha), EUA e China. E o conflito amazônico mostra a mudança dos ventos, com seu potencial de desequilibrar a economia, a política e a relação entre diferentes frações de classe no país.




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