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6 filmes para conhecer o Cinema Negro de Terror brasileiro

Luno P.

6 filmes para conhecer o Cinema Negro de Terror brasileiro

Luno P.

Cinema negro de terror ou cinema de terror com negros? Eis a questão que o movimento Blaxpoitation buscou responder. Mais de 50 anos depois, fortemente influenciados pela maré negra do Black Lives Matter, a representação do negro em cena nos filmes de terror/horror ganha novos contornos com uma nova geração de diretores, atores e produtores que estão revolucionando o gênero de terror moderno, colocando uma lupa nas discussões sobre o racismo e denunciando a opressão e exploração. Mas é preciso dizer, que essa nova forma do gênero terror/horror também ganha seus ecos no Brasil. Aqui trago 6 indicações para conhecer melhor o Cinema Negro de Terror brasileiro.

Ao longo de toda a história do cinema, os negros foram relegados ao ostracismo, a segregação e reprodução de estereótipos. Num primeiro momento, nem mesmo apareciam em cena, sendo interpretados através de blackface como no grotesco (no total mal sentido da palavra) e racista "O Nascimento de Uma Nação" (1915). Nos anos posteriores, a representação do negro se restringia basicamente a duas possibilidades: ao alívio cômico do "negro medroso" (quase sempre o primeiro a morrer) ou ao selvagem, aos criados, papéis de servidão do "negro magíco", etc. Foi apenas em 1968, com o filme Night of the Living Dead de George A. Romero, que essas regras foram quebradas, colocando um homem negro como protagonista. Era Duane Jones, que no filme representava o papel de Ben, o herói da história. Essa escolha de um personagem central interpretado por um negro num filme de maioria branca foi completamente controversa, mas foi parte do início de um movimento cinematográfico feito por e para pessoas negras. Ali nascia o Blaxpoitation, movimento que abria caminho para que os negros pudessem se ver de maneira afirmativa nas telas do cinema, colocando os brancos no papel de coadjuvante, levando o cotidiano dos negros norte-americanos para o centro das ações, onde a marginalidade não era mais nem escolha nem essência, mas uma imposição do racismo e da exploração capitalista.

Não é de se espantar (buu!) que esse movimento tenha surgido na década de 1970, em meio a vários processos ardentes de luta de classes, como os processos de luta de libertação no continente africano desde os anos 50, o Movimento Pelos Direitos Civis, a fundação e maior influência dos Panteras Negras e dos movimentos de contracultura. Tudo isso que assustava a burguesia na época, criou as bases para uma forte contestação do cinema feito até aquele momento. E dessa contestação nasce o Blaxpoitation, com suas variações em todos os gêneros cinematográficos. Já na sua corrente no gênero de terror/horror, o movimento produziu verdadeiras obras primas como o filme de enorme sucesso comercial "Blácula, o Vampiro Negro” (1972), dirigido pelo cineasta negro William Crain. Esse filme deu o compasso para o surgimento de outros monstros canônicos convertidos em representação negra, como o Frankenstein em “Blackenstein: The Black Frankenstein” (1973) e vampiros em "Ganja & Hess" (1973), também estrelado por Duane Jones. As repercussões do movimento tiveram grande importância em toda a decada de 70 e no cinema posterior, dando surgimento também o L.A. Rebellion e toda sua reinvenção do cinema negro e descobrindo grandes nomes do cinema como Samuel L. Jackson, Denzel Washington, Angela Bassett e até Grace Jones na bela Katrina de "Vamp… A Noite dos Vampiros” (1986). Toda essa história e desenvolvimento pode ser aprofundado no livro Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror
, de Robin R. Means Coleman, uma pesquisa minuciosa da história dos negros no gênero.

Porém, a primeira publicação do livro de Coleman, lá em 2011, não pôde capturar uma nova página no Cinema Negro de Terror ocorrida lá em 2017. "Get Out!" de Jordan Peele sem dúvidas foi um marco no cinema de terror mundial. Assim como o início do movimento Blaxpoitation, o marco representado por "Get Out" conflui com um importante período de agitação política e de luta internacional das massas negras com o movimento Black Lives Matter de um lado, e todo os ataques dos governos capitalistas contra as massas negras, principalmente nos Estados Unidos (de Obama à Trump), com o aprofundamento da crise capitalista de outro lado. De "Get Out", surgem uma série de produções cinematográficas de peso, onde não só negros são protagonistas, mas também o centro se dá nas discussões de raça. A este assunto, dedicarei futuras indicações aqui neste mesmo semanário.

Infelizmente, pesquisa de tal peso sobre a história do cinema negro de terror brasileiro não existe, principalmente pelo fato da jovialidade do gênero no Brasil, ainda que a presença negra se faça presente nos filmes (em especial os amadores) de terror no Brasil, como em "Mangue Negro" (2008) de Rodrigo Aragão, contando com o glorioso Markus Konká no papel de Agenor dos Santos, um pescador do manguezal e peça central da obra. Seria justo dizer que a falta da representação negra nos filmes de terror brasileiro por si só já seria parte de um problema, ainda que aqui admito a necessidade de uma pesquisa aprofundada sobre os personagens negros no cinema de terror brasileiro e seus arquétipos.

Dito tudo isso, hoje presenciamos o fortalecimento de uma geração do Cinema Negro de Terror Brasileiro. Obras que se debruçam das mais variadas formas sob o gênero, discutindo o racismo, trazendo elementos da cultura afro-brasileira e sobre a percepção racial do negro no Brasil. É marcante também a dificuldade de acesso para futuros diretores negros, o que se faz presente inclusive nestas indicações que trago a seguir:

1. EGUM, direção de Yuri Costa, 2020.

Após anos afastado devido à violenta morte do irmão, um renomado jornalista retorna para a casa de sua família para cuidar de sua mãe, que sofre uma grave e desconhecida doença. Numa noite, o jornalista recebe a visita de dois estranhos (brancos) que têm negócios desconhecidos com seu pai. Esse encontro, juntamente com acontecimentos que o levam a desconfiar que algo sobrenatural se abateu sobre sua mãe, fazem-no temer uma nova e macabra tragédia. "Minha negrura era densa e indiscutível. Ela me atormentava, me perseguia, me perturbava, me exasperava". A escolha desse trecho de Frantz Fanon como épigrafe da obra não poderia ser mais adequada num filme que discute sobre um tema central: o genocídio negro representado no assassinato de Jonas, o irmão mais novo. Misturando elementos de religião afro-brasileiras e técnicas típicas do cinema de terror/horror, sem dúvidas a obra de Yuri Costa se faz necessária na lista de qualquer amante do gênero.

2. Nó do Diabo, direção de Gabriel Martins, Ramon Porto Mota e Ian Abé, 2018.

Há dois séculos, no período da escravidão, uma fazenda canavieira era palco de horrores. Anos depois, o passado cruel permanece marcado nas paredes do local, mesmo que ninguém perceba. Eventos estranhos começam a se desenvolver e a morte torna-se evidente. Cinco contos de horror ilustram a narrativa. Um filme que conta com atuações excelentes e que retrata a história do Brasil como uma verdadeira história de horror da opressão e exploração dos negros, que não vive só no passado, mas se faz presente hoje. Quem assina a direção e roteiro do filme, Gabriel Martins, hoje desponta como um importante cineasta negro brasileiro com os filmes "Marte Um", "Temporada" e "Cidade do Futuro".

3. Rainha, dirigido por Sabrina Fidalgo, 2016.

Rita é uma jovem que sonha em se tornar a rainha da bateria da escola de samba de sua comunidade. Quando finalmente realiza o seu sonho ela passa a enfrentar situações obscuras em sua vida. Nesta obra, Fidalgo dá uma aula sobre enquadramentos na construção narrativa, além do fato de que aqui a relação mulher-carnaval rompe com a imagem da sexualização, mas sim do questionamento dos padrões de beleza e dos efeitos do racismo.

4. M8 – Quando a Morte Socorre a Vida, dirigido por Jeferson De, 2019.

Em M8 - Quando a Morte Socorre a Vida, Maurício (Juan Paiva) acabou de ingressar na renomada Universidade Federal de Medicina. Na sua primeira aula de anatomia ele conhece M8, o cadáver que servirá de estudo para ele e os amigos. Durante o semestre, o mistério da identidade do corpo só poderá ser solucionado depois que ele enfrentar suas próprias angústias.

5. Branco Sai, Preto Fica, direção de Adirley Queirós, 2015.

Um drama que se mistura com ficção científica, documentário e elementos de horror. Nos anos 1980, em uma baile de black music na periferia de Brasília, ocorre uma ação policial onde dois homens acabam ficando feridos e têm suas vidas marcadas por esse acontecimento permanentemente. Um terceiro homem vem do futuro para investigar o ocorrido e provar que a culpa é do racismo e dos mecanismos de repressão da sociedade capitalista. O título do filme saiu da boca de um policial naquela noite: os brancos podiam ir embora, os pretos ficavam para apanhar.

6. As boas maneiras, direção de Juliana Rojas e Marco Dutra, 2018.

Ana (Marjorie Estiano) contrata Clara (Isabél Zuaa), uma solitária enfermeira moradora da periferia de São Paulo, para ser babá de seu filho ainda não nascido. Conforme a gravidez vai avançando, Ana começa a apresentar comportamentos cada vez mais estranhos e sinistros hábitos noturnos que afetam diretamente Clara.


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Luno P.

Professor de Teatro e estudante de História da UFRGS
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