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LGBTQIA+ | Virgínia Guitzel no lançamento do livro Transgender Marxism: “Precisamos de uma revolução para conquistar uma libertação trans”

Nesta segunda-feira, 24, foi lançado oficialmente num evento da Pluto Press, o livro Transgender Marxism, publicado pela Pluto Press , como parte do Radical May e organizado por Jules Gleeson e Elle O’Rourke, contém uma coletânea inédita de 14 artigos da Grã-Bretanha, Inglaterra, Europa, EUA, Austrália e Brasil, de pessoas trans sobre o marxismo. Virgínia Guitzel, estudante da UFABC e militante do Pão e Rosas participou com o artigo “Notes From Brazil” e esteve presente no evento oficial. Veja sua intervenção abaixo.

quarta-feira 26 de maio de 2021 | Edição do dia

Virgínia Guitzel é estudante trabalhadora no curso de BCH na Universidade Federal do ABC, e membro do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), que é a seção brasileira da Fração Trotskista - Quarta Internacional. Ela participa do grupo de mulheres Pão e Rosas, que atuou na linha de frente na luta pelo aborto legal na Argentina. Veja sua intervenção completa aqui:

Veja a transcrição da sua fala completa abaixo:

Boa tarde a todos, todas e todes,

Eu queria antes de tudo agradecer muito a Jules e Elle pela construção deste projeto, que viemos debatendo desde 2019, e atravessou ai o início da Pandemia, e uma série de transformações políticas e sociais pelo mundo, para citar apenas algumas delas: o segundo ciclo da luta de classes internacional com greves importantes na França, o levante popular no Equador e no Chile, com golpes reacionários como Bolívia e Myamar, a ascensão e a crise da extrema direita, a irrupção de um massivo questionamento a polícia no coração do imperialismo norte americano com o Black Lives Matter, a luta recente do povo Palestino contra o Estado sionista de Israel e a chegada de uma Pandemia Global que aprofundou a crise econômica e escancarou a face mais cruel e desumana do capitalismo, onde todo avanço tecnológico e todas as forças produtivas estiveram voltados ao lucro, acima das vidas. E em meio a tantas questões, é uma imensa alegria fazer parte dessa coletânea inédita sobre a relação entre a questão trans e o marxismo.

E eu gostaria de destacar é a importância desta publicação hoje em meio uma enorme crise capitalista que foi aprofundada pela Pandemia do Coronavírus e tornou ainda mais evidente que que cada direito obtido não é uma conquista perene, mas que está sujeita a cortes e ajustes que imponham os governos e instituições financeiras internacionais, e já que a crise agudiza a polarização social e isso faz ressurgir com virulência os setores mais reacionários que expressam sua xenofobia, homofobia, misoginia, e transfobia etc. Não são poucos os governos que, por trás de um discurso supostamente “progressista”, escondem compromissos com setores direitistas e concessões a determinados grupos religiosos, reforçando o controle social com a retirada de liberdades democráticas.

E depois de mais de 30 anos desde a queda da burocracia soviética, nossas gerações que cresceram ouvindo sobre um “socialismo real” que não acolhe a diversidade, nos vendiam uma ideia das democracias capitalistas serem o ápice da civilização. Bom, aí em 2021, vemos gente vestindo peles e chifres, delirando no meio do edifício do Capitólio dos EUA, fica meio evidente que não é bem assim. E que esse discurso é na verdade uma forma artificial de atrelar o marxismo ao seu oposto, o stalinismo, para separar a classe trabalhadora e os setores mais oprimidos da única teoria científica da nossa emancipação, o porque precisamos de uma revolução para conquistar uma libertação trans.

Certamente, esta elaboração veio para contrapor essa visão caracturizada de um Marx branco, europeu, hetero e cisgênero não preocupado com uma completa emancipação de todas as esferas da vida. Ou que a resposta do Marx para a emancipação das mulheres seria apenas a sua entrada no mercado de trabalho para garantir a sua independência financeira, quando na verdade, a concretização das ideias marxistas na Revolução Russa foi o ponto mais alto das tentativas de criar as condições materiais para transformar todas as esferas da vida, sendo o primeiro país do mundo a legalizar o aborto, descriminalizar a homossexualidade e garantir restaurantes, lavanderias, creches públicas para acabar com o trabalho doméstico, coisa que muitas democracias não podem garantir.

Mas também foi o processo da revolução e contra-revolução na Rússia revolucionária que pôde dar bases científicas para a Teoria da Revolução Permanente, desenvolvida por um dos mais importantes dirigentes do século XX, Leon Trotsky, que para mim, é a representação do marxismo para o século XXI. E para falar dele, quero paradoxalmente falar de algo que ele não escreveu, mas foi parte do conjunto do seu pensamento sobre a conclusão de que a luta de classes não se encerra com a tomada do poder, mas se agudiza. E que ajuda a refletir sobre uma preocupação muito importante e que constantemente podemos ouvir dentro da comunidade trans, uma desconfiança de que o socialismo poderá garantir a libertação trans, ou que a classe trabalhadora é preconceituosa e transfobica naturalmente. Diferente das caricaturas stalinistas que afirmavam que a tomada do poder era 90% do socialismo, para Trotsky na verdade se tratava de algo próximo a 10%, era então, não uma garantia da nossa verdadeira emancipação, mas uma condição.

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E do que se trata essa condição? De em primeiro lugar, romper toda a estrutura baseada na desigualdade, na transformação da diferença em justificativa para subjulgar um grupo sob o outro como mecanismo para aumentar as taxas de exploração. De criar as condições políticas, sociais e econômicas para enfrentar séculos de ideologia burguesa racista, LGBTfobica e patriarcal. E de que justamente, a Revolução dentro da Revolução (e ai está seu carater permanente) é um processo que depende do desenvolvimento internacional da revolução, assim como a auto atividades das massas, pois é enquanto as massas se movimentam que sua consciência, determinada por sua existência concreta, que se pode desenvolver, nas palavras de Trotsky: ““um desejo íntimo e individual de cultura e progresso para investir conscientemente contra as violências do passado e contra a subordinação”. O que certamente já estava em Marx, quando dizia que a Revolução seria obra dos próprios trabalhadores de forma consciente.

E por que isso nos parece importante hoje neste lançamento? Porque este livro pode cumprir um papel inicial não apenas de contrapor uma das “vitórias” do neoliberalismo em separar o combate às opressões de um combate de conjunto contra a exploração capitalista, mas também abrir um debate com a própria esquerda. Para que as pessoas trans também combatam essas distorções do marxismo retomando seu caminho revolucionário. As travestis na linha de frente da luta de classes internacional de Myamar à Colombia são uma prova de que frente a toda crise econômica, são os setores mais oprimidos pelo velho, que buscam construir um novo mundo.

Justamente por isso, que é importante um balanço crítico da esquerda internacional que tem ao longo dos últimos anos se dividido em dois grandes bloco que pode ser visto praticamente no recente e incrivel movimento Black Lives Matter norte americano que contagiou o mundo todo a partir do assassinato racista de George Floyd, abriu um questionamento fundamental a uma das principais instituições capitalistas como a policia no coração do imperialismo. Uma reinvidação não somente legitima por se tratar da vida do povo negro, mas que é também estratégica para unir as fileiras da classe trabalhadora entre os trabalhadores formais e os que estão em condição de subemprego, e que teve importantes expressões de confluência do movimento negro com o movimento operário, como os motoristas de onibus que se negaram a levar manifestantes presos ou os portuarios e outros tantos trabalhadores que começaram a exigir a saída da policia dos seus sindicatos. A esquerda que não deu atenção a isso, nem deveria mais ser considerada de esquerda.

Mas aquela que interveio sem ter como eixo fortalecer essa unidade, colocando toda a sua força nos grêmios estudantis, sindicatos, em seus parlamentares para desenvolver os aspectos de organização dos trabalhadores para dar uma saída de fundo, levou a que essas enormes aspirações fossem limitadas a eleger Biden junto a Kamla Harris, que ganhou o titulo de primeira mulher negra a bombardear a Siria, e como vimos recentemente também deu seu apoio ao massacre ao povo Palestino.

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Essas reflexões, de alguma maneira, estão presentes no meu artigo, Notes From Brazil, que foi escrito em 2019, e eu convido a todos que quiserem entender como chegamos nessa situação no Brasil a ler. Mas a principal reflexão teórica sobre o Brasil que me parece importante ser compartilhada aqui, é que estamos no polo mais reacionário do mundo, com mais de 400 mil mortes pelo coronavírus, e onde é país que mais mata pessoas trans do mundo e nossa perspectiva caiu de 35 para 30 anos com a pandemia.

E desde esta dramática situação é importante pensar sobre problemas de pensar uma atuação dentro dos movimentos de combate a opressão por fora da política. Grupos feministas ou LGBTQI+ que não viam a importância de atuar contra o Golpe por não se tratar de uma pauta restrita às nossas opressões, caíram na armadilha deste multiculturalismo progressista cheio de ataques neoliberais, que teve como consequência uma maior precarização das vidas das pessoas trans e inclusive levou ao reacionário Bolsonaro ao poder. Por um lado, porque colocam as duas tendências internacionais fundamentais que obstruem o caminho da nossa emancipação nos dias de hoje: a repressão e marginalização das nossas identidades representado por Bolsonaro e a cooptação neoliberal que busca reduzir nossas aspirações as estreitas margens capitalistas representado pelo Supremo Tribunal Federal e a rede Globo.

E por isso, espero que também este livro possa servir também para aportar que tipo de organização precisamos para derrubar o capitalismo e liberar as identidades trans e toda a nossa potência sexual. Seria um partido como os que tem aparecido ao redor do mundo como o Syriza e Podemos que criou ilusões que poderíamos enfrentar os ataques pela via eleitoral, e terminaram em poucos anos, sendo os próprios agentes dos ajustes econômicos contra as massas trabalhadoras. Ou como vemos hoje a crise do NPA francês, que como parte destes partidos amplos, tem levado a importantes debates no interior da esquerda francesa e até mesmo pensam em não ter um candidato próprio contra a polarização entre Macron e Le Pen.

Em contraposição a isso, nós que construímos a Fração Trotskista Quarta Internacional, temos sido linha de frente nos EUA das lutas pelo Black Lives Matter denunciando o desvio que a eleição do Biden buscava criar de levar estes questionamentos para dentro das instituições do regime podre norte americano. Na França, é essa batalha que estamos dando como CCR. No Chile, também denunciamos o desvio das mobilizações de 2019 nesta Constituinte institucional e no Brasil, debatemos com o PSOL que seu seguidismo ao PT, sem contrapor o papel que eles cumprem na luta de classes não poderá construir uma saída para as nossas demandas. Em cada um destes países batalhamos pela auto-organização da classe trabalhadora junto aos movimentos sociais para poder enfrentar toda forma de opressão e exploração é a contribuição que queremos dar também na luta trans anticapitalista.

Para assistir o evento completa, só dar play abaixo:




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