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Uma inicial primavera de greves no país dos pactos reacionários

Thiago Flamé

Créditos da imagem: Araçá.

Uma inicial primavera de greves no país dos pactos reacionários

Thiago Flamé

Na última semana algumas greves importantes, na maioria por reajuste salarial, numa situação marcada pelos pactos e acordos por cima, pelo fortalecimento do poder do STF e pela preparação das eleições municipais de outubro, que serão um passo importante para as disputas políticas contra o bolsonarismo e internamente à Frente Ampla. Neste artigo queremos refletir sobre suas causas no plano imediato e estrutural, seus limites e potencialidades na atual situação política

As greves em curso concentram-se em categorias do funcionalismo público federal, estadual e municipal, com destaque para o setor da educação, mas além dele. As demandas são fundamentalmente por reajuste salarial ou greves defensivas. Algumas das poucas greves que ocorrem do setor privado, algumas lutas contra ataques se destacam, da mesma forma que algumas lutas de resistência da categoria dos petroleiros, onde seguem os ataques, ainda que num ritmo menos intenso.

Apesar de serem, sobretudo, greves econômicas, sua importância política como sintoma não se restringe às demandas mais imediatas. A atual situação política está marcada pelos acordos e pactos do governo de frente ampla com os setores mais reacionários e pela ofensiva do STF contra Bolsonaro, fortalecendo o bonapartismo judiciário, que não deixa de se voltar contra as greves. Nesse contexto, em que as demandas democráticas dos setores oprimidos e as demandas da classe trabalhadora são entregues como moeda de troca do pacto político, que tem como justificativa isolar Bolsonaro, as greves marcam um caminho distinto, da luta e da mobilização como caminho para enfrentar a extrema direita e lutar por nossas demandas.

O retorno dos sindicatos e a relação entre luta política e econômica

Essa semana passou despercebido o aniversário da grande greve dos metalúrgicos do ABC em 1979. Foi um momento que marcou um antes e depois na história brasileira. Através da luta, de uma luta salarial, os metalúrgicos eletrizaram o país e colocaram na ordem do dia a possibilidade de uma greve geral que derrubasse a ditadura. Mostra que apesar da legislação getulista autoritária vigente até os dias de hoje, que proíbe as greves políticas, não existe um muro que divide o político e o econômico, e as lutas salariais podem ser um fator político decisivo.

Apesar de não ter desenvolvido a possibilidade de uma greve geral política contra os militares - possibilidade bloqueada, entre outros fatores, pela política de Lula e sua fração sindical, que lutou para manter a separação entre o político e sindical, e conter as tendências mais radicalizadas da greve - marcou profundamente a correlação política da década de 1980 e o pacto da Constituinte de 1988. O pacto de transição, por um lado, garantiu a preservação dos militares e o compromisso da burguesia nacional com a dívida pública e a submissão aos países imperialistas. Por outro, obrigou a concessão de importantes direitos, como o SUS e um sistema universal de aposentadorias.

Foi essa contradição que a burguesia buscou resolver de forma reacionária com o golpe institucional de 2016 e toda a escalada autoritária que se seguiu com o governo Bolsonaro. Os elementos conservadores do pacto de 1988 se impuseram através de métodos autoritários para liquidar as conquistas sociais que carregavam a marca da rebelião operária. A reforma da previdência e a reforma trabalhista, o teto de gastos, o protagonismo do judiciário e retorno dos militares à política são as marcas dessa ofensiva reacionária.

O papel histórico do governo da Frente Ampla, o governo da aliança entre as duas forças políticas fundamentais do regime de 1988, é estabilizar uma nova forma de hegemonia da classe dominante, impondo à classe trabalhadora a perda de todas as conquistas anteriores.

Essa necessidade de estabilização recoloca os sindicatos e as direções das centrais sindicais no cenário político, depois de seis anos sob ataque. A aceitação da reforma trabalhista e da nova legislação sobre o trabalho uberizado são alguns dos serviços fundamentais prestados pelas direções sindicais, que em troca recebem de volta o imposto sindical e outras possibilidades de arrecadação de verbas.

O que ainda está para ser testado é a capacidade dessas direções sindicais que acumulam um importante desgaste com suas bases sociais, um fenômeno que certamente é muito desigual por categorias e nas categorias cutistas mais tradicionais é visível um refortalecimento das direções petistas, mas não deixa de ser um dos traços da crise de legitimidade de todas as instituições. As greves entram como uma fator a mais e deste jogo e traz uma variante de imprevisibilidade para as burocracias sindicais, entre a necessidade mostrar serviço e força através de pressão, greves controladas e o perigo de que essas mobilizações evoluam e objetivamente se choquem contra os pactos do governo de frente ampla.

As lutas econômicas em curso se chocam objetivamente contra o arcabouço fiscal e a reforma do ensino médio

O chamado arcabouço fiscal foi a primeira medida fiscal abertamente neoliberal elaborada e alocada diretamente pelo Partido dos Trabalhadores, pelo ministro Fernando Haddad, o preferido de Lula para sua própria sucessão. O papel de Haddad e do arcabouço fiscal abriu uma série de indagações e de reflexões sobre os rumos do PT, que está girando à direita, se tucanizando, para ocupar o espaço de centro e de centro direita aberto com a crise histórica do PSDB. Esse tema é uma das consequências profundas do arcabouço fiscal, mas nesse artigo queremos abordar esse processo do ponto de vista da relação do PT com um setor fundamental da sua base social na classe trabalhadora, que inclui todo o funcionalismo público.

Uma das regras nesse novo teto de gastos, que foi aprovado por toda a direita golpista, inclusive pelo ex-presidente Michel Temer, é a subordinação do salário dos servidores às metas fiscais. Em anos difíceis, os servidores pagam a conta dos cortes com arrocho salarial. Na época, o secretaria do tesouro, explicava assim a nova regra de reajuste:

“O espaço (para reajuste) dentro dos próximos exercícios fiscais será o espaço suficiente dentro do conjunto de indicadores. Se houver bons resultados, bom desempenho econômico e aumento de receitas, haverá recomposição. Num horizonte mais difícil, se terá de fazer escolhas e essas escolhas não serão sobre as camadas menos desfavorecidas”

Para o ano de 2024, um ano em que não houve retração econômica, isso significou uma proposta de reajuste zero agora, e 9% divididos entre 2025 e 2026. Num tema central para o governo, a CUT terá testado seu poder de contenção, frente a importante greve iniciada pelos servidores das universidades federais.

A greve paralisa já mais de 60 universidades e institutos e começou sua primeira semana mostrando forças para avançar. Ao mesmo tempo, outros setores entraram em greve, como Ibama e auditores fiscais. O Andes, Sindicato Nacional dos Docentes das Federais, indicou abrir a discussão sobre greve nas suas bases. Essa perspectiva se desse significa um salto de qualidade na luta dos servidores federais que se enfrenta diretamente contra uma das medidas econômicas estruturais do governo da Frente Ampla.

Junto com os servidores das universidades federais também se destacam as greves da educação, ainda que mais pulverizadas estadual e municipalmente. Esse fator dá um caráter mais disperso às mobilizações da educação frente aos governos estaduais e municipais, mas também estão todas atravessadas por dois fatores nacionais: o impacto do arcabouço fiscal para os estados e municípios e a reforma do ensino médio, aprovada por Temer e ratificada pelo governo Lula.

No plano municipal, ainda entra como uma fator as disputas políticas frente às eleições de outubro, o que atuam tanto na localização dos sindicatos do setor, em geral cutistas ou ligados a correntes da Frente Ampla, quanto na disposição de negociação das prefeituras de acordo com o cálculos eleitorais e da correlação de forças na formação das coligações. Destaca-se o processo em São Paulo, que se iniciou com a greve dos professores municipais que está se fortalecendo e conflui com o início de uma greve de todo o funcionalismo federal. Assim como em outros municípios, a causa imediata dessas greves foram as propostas baixas de reajuste, em torno de 2%, apenas um pouco acima do que o governo federal está oferecendo. Algumas categorias federais como os funcionários do Banco Central, e algumas universidades estaduais, fecharam acordos acima do proposto, o que mostra que existe margem para negociação dentro de conflitos que podem não ultrapassar o caráter de greves de pressão.

Outros fatores também indicam a possibilidade de conflitos mais duros, com a justiça atuando diretamente para acabar com as greves, como estamos vendo a Minas gerais, primeiro com a greve dos professores municipais sendo declarada ilegal, e agora com a repetição do mesmo método contra greve dos municipais de Uberlândia.

Limites e perspectivas

Nas próximas semanas veremos o quanto esses conflitos, em particular o das universidades federais, e se podem se fortalecer e se desenvolver, e se tornar um obstáculo para a implementação do arcabouço fiscal. Um fator fundamental que pesa contra essa perspectiva é a atuação da burocracia sindical, em especial da CUT, a central com peso decisivo no funcionalismo público e da educação.

A CNTE se nega a unificar a nível federal a luta da educação, coordenando as lutas dispersas num único combate contra a reforma do ensino médio e contra o arcabouço fiscal, desenvolvendo as tendências a unidade com o funcionalismo federal e com as categorias que se enfrentam contra os ataques de governos da extrema direita, como no caso de São Paulo e as privatizações de Tarcísio. As greves em curso e os processos nas universidades federais, mostram que seria possível organizar uma forte paralisação nacional da educação, que seria um ponto de apoio para o desenvolvimento de todas as lutas em curso.

A entrada desse setor da classe trabalhadora questionando algumas das reformas fundamentais do governo federal, mostraria uma alternativa de combate à extrema direita por fora dos pactos conservadores, que estão mostrando seus limites. Apesar desses limites, apostamos no desenvolvimento dessas lutas que abrem espaço para o fortalecimento dos setores da classe trabalhadora críticos aos pactos da Frente Ampla e podem acelerar uma experiência de setores fundamentais da classe trabalhadora com o governo Lula.


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Thiago Flamé

São Paulo
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