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Argentina | Repressão, prisões e mobilizações na província argentina de Jujuy pela reforma constitucional reacionária

O governador Gerardo Morales avançou o juramento do novo texto constitucional a portas fechadas, enquanto uma manifestação massiva de trabalhadores e povos originários rechaçava a reforma nas ruas. O governo ordenou uma repressão feroz contra essa importante luta em defesa dos salários, dos direitos democráticos e dos recursos naturais.

quarta-feira 21 de junho de 2023 | Edição do dia

Na fronteira norte da Argentina, fazendo fronteira com a Bolívia e o Chile, está a província de Jujuy. Há vários dias é o foco atual de um protesto massivo de trabalhadores, comunidades indígenas e setores populares contra o governo de Gerardo Morales (da coalizão de direita Juntos por el cambio, de Macri) que avança em medidas repressivas e autoritárias.

Nesta terça-feira, feriado na Argentina, o Poder Legislativo de Jujuy havia planejado para a tarde a posse da nova Carta Magna, mas o governador Gerardo Morales a antecipou pela manhã sabendo que havia uma manifestação contra a reforma agendada para a tarde.

Diante da notícia da antecipação do juramento, acertado entre o partido governista e o peronismo de Jujuy, corrente política de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, a massiva mobilização encabeçada pelos professores se reuniu em torno do prédio legislativo em repúdio à reforma. A ordem de Morales para reprimir com gás lacrimogêneo e balas de borracha não demorou a chegar. Durante horas, as ações da polícia foram transmitidas ao vivo pela televisão nacional, atirando diretamente na cabeça dos manifestantes, agredindo jornalistas e com centenas de policiais sem farda se infiltrando para realizar prisões ilegais.

Dezenas de pessoas ficaram feridas, incluindo um manifestante que está hospitalizado em estado grave depois que uma cápsula de gás lacrimogêneo o atingiu na cabeça. Até tarde da noite, não se sabe o número de detidos, muitos deles resultado da ação policial em viaturas sem identificação. Na província está instalado um estado de sítio na prática, com as forças repressivas buscando intimidar a população.

Jujuy é hoje uma província onde estoura uma revolta contra o governador Morales e o peronismo local, enquanto não há sinais de que os protestos cessarão nos próximos dias. Os sindicatos convocaram uma greve geral para hoje e quinta-feira em toda a província e os bloqueios de estradas permanecem.

A repressão foi condenada por organismos internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em comunicado, a CIDH expressou preocupação com “as ações realizadas para dissolver os protestos na província de Jujuy, uma das províncias com maior população indígena autodeclarada”.

A ação repressiva começou há vários dias. No sábado passado, o governo de Jujuy lançou uma grande repressão contra os manifestantes que bloqueavam as rodovias provinciais. A polícia deteve 27 manifestantes, incluindo Natalia Morales, deputada provincial de Jujuy pelo PTS - organização irmã do MRT, que impulsiona o Esquerda Diário - na Frente de Esquerda. Em Jujuy, a esquerda é uma importante referência política para amplos setores da população operária e popular que repudia o governo de Morales e o regime de coronelismo da casta política provincial (a UCR de Morales e o peronismo).

Os principais porta-vozes políticos da esquerda argentina rapidamente se pronunciaram contra a repressão, respondendo ao governador Gerardo Morales, este que pretendia responsabilizar a Frente de Esquerda de Jujuy pela repressão que ordenou.

“Você é um repressor. Dezenas de feridos e detidos. Há dias reprime as pessoas que perderam o medo. Já não acreditam mais em suas mentiras. Avante os salários e direitos. Abaixo a reforma”. publicou na rede social Twitter Nicolás Del Caño, deputado nacional pelo PTS na Frente de Esquerda.

“Quem se opõe à sua reforma anti-direitos são as comunidades originárias, os trabalhadores, é a grande maioria do povo de Jujuy”, respondeu Myriam Bregman, deputada nacional do PTS na Frente de Esquerda.

O governador Morales, que faz parte da coalizão de oposição de direita Juntos por el cambio, procurou usar os acontecimentos para se repolarizar contra o governo peronista de Alberto Fernández, acusando também a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner. Em sua denúncia, o governador de Jujuy se omitiu de dizer que o apoio do peronismo provincial foi fundamental para levar adiante seu plano de reforma constitucional, ou que seu vice-governador é parente do ministro da Economia nacional de Fernández, Sergio Massa.

O governo nacional e diferentes setores do peronismo, após vários dias de silêncio, saíram para responder às acusações de Morales e denunciar a repressão. Da coalizão de direita Juntos por el cambio, os diferentes presidenciáveis ​​deixaram por um momento a disputa interna para apoiar as ações repressivas do governo de Jujuy.

Ao longo do dia, Morales continuou defendendo sua reforma constitucional, mas a realidade é que teve que recuar com dois artigos altamente polêmicos que colocaram as comunidades indígenas em pé de guerra. São eles o artigo 36, sobre o direito à propriedade privada, e o artigo 50. Essas mudanças, que incorporaram “mecanismos e vias rápidas” para despejo em casos de ocupações não consensuais, deram rédea solta às mineradoras multinacionais que buscam as terras das comunidades para explorar lítio e outros recursos naturais.

O que o governador não quer depor é a limitação do direito de protesto. A nova Carta Magna proíbe o bloqueio de ruas e rodovias ou outros mecanismos utilizados na província nas últimas semanas de manifestações contra a reforma e a favor de melhores salários para os professores.

No final do dia, os relatórios de pessoas desaparecidas e detidos ilegais continuaram a chegar. Advogados de direitos humanos, legisladores provinciais e dirigentes de organizações sociais reuniram-se com familiares exigindo a libertação dos detidos que foram transferidos diretamente para prisões em várias zonas da capital provincial.

A província prepara-se para uma greve geral de dois dias contra a repressão, a reforma constitucional e pela libertação dos detidos, reivindicações às quais se junta o pedido de professores e funcionários do Estado que exigem um aumento salarial, dada a perda de poder de compra e salários próximos do nível de indigência na província.

Como resumiu o deputado nacional do PTS na Frente de Esquerda de Jujuy, Alejandro Vilca: “Hoje o povo de Jujuy mais uma vez disse Não à Reforma de Morales e do PJ [Partido Justicialista, de Fernández e Kirchner]. A resposta foi balas de borracha, gás e prisões. Exigimos a libertação imediata de todos os detidos. Repúdio total à repressão”.

Vilca acrescentou em uma postagem na rede social Twitter: “A CGT de Jujuy convocou uma greve de 48 horas. Tudo à greve e mobilização. Precisamos que dure até que caia a Reforma e eles respondam a todas as reivindicações. Uma greve nacional da CGT e da CTA em apoio ao povo de Jujuy é imprescindível. Após dias de luta e repressão em Purmamarca, chegam as palavras do presidente e da vice-presidente da nação. Seu partido apoiou a Reforma Morales e hoje ainda estão no palanque, jurando que será uma reforma desastrosa, enquanto reprimem o povo. Abaixo a Reforma. Aumento de salários e direitos. Liberdade agora para todos e todas as detidas. Greve geral até a reforma constitucional de Morales e a queda do PJ.




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