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Eleições Estados Unidos | O que significa a vitória de Trump nas primárias republicanas de Iowa e New Hampshire?

Donald Trump conquistou a vitória nas primárias de New Hampshire. A sua força nas primárias mostra que Biden não foi capaz de resolver a crise que deu origem ao trumpismo.

terça-feira 30 de janeiro | Edição do dia

O caminho de Trump para ser o candidato republicano em 2024 deu mais um passo à frente depois de vencer as primárias de New Hampshire por confortáveis ​​11 por cento. Ele derrotou sua única adversária mais perigosa, Nikki Haley, em um estado onde Haley esperava mostrar sua força como a candidata anti-Trump no campo republicano. As esperanças de Haley agora se voltam para a Carolina do Sul, seu estado natal, onde ela atuou como governadora, onde atualmente está atrás de Trump por cerca de 37 por cento. Em suma, parece que Trump terá sucesso na sua tentativa de enfrentar Joe Biden numa reedição das eleições de 2020. E, se as sondagens se mantiverem estáveis ​​e a crise de Biden não melhorar, Trump parece preparado para retomar a Casa Branca, num repúdio impressionante aos quatro anos de governo democrata.

Ao longo da semana passada, desde a sua forte vitória no Iowa Caucuses (evento eleitoral), Trump conseguiu consolidar mais suporte à sua candidatura. Isto assumiu a forma tanto de apoio de outros candidatos republicanos – mais notavelmente do governador da Florida, Ron DeSantis, que desistiu da corrida e deu o seu apoio a Trump – como de um aumento no número de doadores. Ambos mostram, nas palavras do The Guardian, que é hora do partido republicano “aceitar o inevitável”: Donald Trump será o indicado. Notavelmente, muitos grandes doadores republicanos apoiaram inicialmente os adversários de Trump – mais recentemente Nikki Haley – mas estão a alinhar-se mais com Trump para obter favores do potencial próximo presidente.

A crise que resultou no trumpismo continua

A força de Trump nas primárias republicanas e nas sondagens para as eleições gerais é indicativa de como ele refez o Partido Republicano e de como a crise profunda que lhe deu origem em 2016 continua a agravar-se. Como escrevemos em 2020, a crise que criou o Trumpismo veio para ficar, por isso, mesmo que Trump tenha sido derrotado em 2020, o Trumpismo certamente não o foi. A natureza da crise é entre, como escreveu certa vez o marxista italiano Antonio Gramsci sobre situações como estas, os representados e os representantes, onde os representados (as massas) já não se vêem como sendo adequadamente representados por aqueles que elegeram. Esta situação foi aberta pela primeira vez pela crise de 2008 e agravada ainda mais pelos oito anos de administração Obama, que não conseguiu resolver a crise mais ampla do neoliberalismo aberta pela crise de 2008. Esta crise do neoliberalismo levou a que setores das massas perdessem a fé nos seus representantes tradicionais e estes setores começaram a procurar outras soluções, tal como representado pelos fenômenos gêmeos do Trumpismo e do Sanderismo em 2016. A vitória de Trump em 2016 foi um repúdio ao establishment e uma virada para a direita em busca de respostas. A vitória de Biden em 2020 foi uma tentativa de reestabilizar a situação após quatro anos tumultuados de Trump, mas essa vitória por si só não resolveu a crise mais ampla.

Não houve melhor indicação disso do que o ataque ao Capitólio no dia 6 de Janeiro, que representou um ponto alto da crise política geral e exigiu que o regime bipartidário mobilizasse as suas forças para a conter. Mais ou menos um ano após esse ataque ao Capitólio, o trumpismo e a crise em geral diminuíram um pouco, à medida que Biden transformou o evento em uma arma para restaurar a legitimidade das instituições do regime dos EUA que haviam sido prejudicadas por quatro anos de Trump. Mas a crise continuou à espreita, como indicavam os índices de aprovação historicamente baixos das instituições do regime e o aumento da polarização no campo da política. Apesar das suas medidas para conter a crise, mesmo nos seus primeiros dois anos de mandato, que testemunharam uma crise mais latente, Biden nunca foi capaz de a resolver totalmente.

À medida que o seu mandato avançava, Biden continuou a tentar posicionar-se como a pessoa capaz de trazer de volta a estabilidade e a legitimidade às instituições dos EUA e foi-lhe entregue uma ferramenta útil para o fazer na cena internacional, a guerra na Ucrânia. No entanto, a opinião pública nos EUA foi demonstrando cada vez mais incômodos com a guerra e a extrema direita do Partido Republicano tornou-se a voz da oposição, numa encenação vulgar de ser anti-guerra, e enquadrou-se como a resposta à insatisfação pública com o envolvimento militar dos EUA no estrangeiro.

É claro que o trumpismo e a extrema direita não são anti-imperialistas, nem mesmo contra o envolvimento dos EUA na política de outros países. Em vez disso, querem voltar-se para a “guerra interna”, ou seja, a situação na fronteira e favorecer maiores medidas contra os imigrantes, uma militarização ainda mais profunda da fronteira sul e mais agressão contra a América Latina. No entanto, porque são as únicas vozes no establishment político que se manifestam contra a guerra na Ucrânia, o trumpismo tem conseguido se vender enquanto resposta aos eleitores que estão cansados ​​do envolvimento constante dos EUA no estrangeiro.

Esta diferenciação na política externa tem sido um componente-chave da corrida de 2024 para se tornar o candidato republicano, com Trump representando esta nova mentira “anti-intervencionista” da direita, e Haley representando um modelo neoconservador mais tradicional de ser a favor de maiores intervenções no exterior. O fracasso de Haley em ganhar terreno significativo contra Trump é uma indicação da mudança da base republicana da política externa agressiva de George W. Bush para a política externa de Trump e dos seus seguidores.

A somar a este foco crescente na política externa nas eleições está o declínio da hegemonia dos EUA no exterior. A hegemonia dos EUA tem vindo a diminuir há anos, e a guerra de Israel contra Gaza e o apoio dos EUA a ela apenas aumentaram este declínio. A guerra também aumentou a crise interna com o surgimento de um movimento que se opõe ao apoio bipartidário a Israel em geral e ao “Genocide Joe” Biden especificamente. Restaurar a hegemonia dos EUA e, especificamente, encontrar formas de competir com a China está no centro da campanha para presidente. Tanto Trump quanto Biden parecem estar em uma corrida armamentista para ver quem consegue ser mais duro com a China, com Trump frequentemente acusando Biden de vender trabalhadores dos EUA para o país – na realidade, Biden certamente vendeu os trabalhadores dos EUA, mas o fez para competir melhor com a China.

Ambos os candidatos são a favor de um nacionalismo econômico crescente para competir com a China, mas divergem nas especificidades desse nacionalismo. Biden quer investir dinheiro em tecnologias e infra-estruturas verdes como forma de aumentar a capacidade produtiva dos EUA contra o seu rival, enquanto Trump favorece medidas mais protecionistas e pronuncia um nacionalismo mais explicitamente chauvinista com o slogan “América Primeiro”, onde América significa EUA. À medida que as eleições esquentam, espere ouvir cada vez mais sobre a China. Em muitos aspectos, no momento atual, esta parece ser uma eleição baseada na política externa, com Trump e Biden representando duas abordagens diferentes sobre como supervisionar o imperialismo dos EUA e a competição com a China no próximo período.

Outro fator da crise que impulsiona Donald Trump é a economia. Embora Biden e os seus apoiadores queiram afirmar que a economia está a ir bem – e, segundo muitas medidas econômicas, está – a realidade para muitos trabalhadores é que ainda lutam para comprar alimentos, gás e outros produtos em um contexto de custos crescentes, ainda incapazes de comprar casas, ainda sobrecarregados com dívidas paralisantes, ainda trabalhando em empregos mal remunerados, ainda lutando para sobreviver.

Embora Trump ofereça uma resposta reacionária à crise económica – uma resposta que culpa os imigrantes e os oprimidos – uma reação mais progressista tem sido a maré crescente da luta sindical, demonstrada mais claramente na greve automobilística do UAW de 2023, que lutou por exigências radicais, incluindo uma semana de trabalho de quatro dias, aumentos salariais massivos e apontou para o controle dos trabalhadores sobre a transição para veículos elétricos. Estas lutas procuram combater a crise econômica com o poder da classe trabalhadora.

Esta onda de luta sindical também é uma indicação da crise mais ampla das massas que já não olham para as suas lideranças tradicionais e, em vez disso, recorrem a soluções diferentes. Biden está a tentar cooptar estas expressões de dissidência progressista apresentando-se como um presidente pró-trabalhista que, no seu enquadramento, tem estado ao lado dos trabalhadores – esquecendo-se, de forma útil, por exemplo, do seu ataque a greve ferroviária em 2022. Esta cooptação pelo viés do trabalho é fundamental para a estratégia de Biden para 2024 – além de focar no direito ao aborto e na “proteção da democracia” – onde ele espera reconquistar um setor da classe trabalhadora que tem se “desalinhado” com o Partido Democrata por causa de suas medidas neoliberais. Trump não deve ser deixado de fora e também está tentando cooptar setores da classe trabalhadora com a sua mensagem explicitamente nacionalista econômica, como mostrou a sua recente reunião com o presidente dos Teamsters (sindicato de caminhoneiros), Sean O’Brian. Neste sentido, as eleições de 2024 serão, em muitos aspectos, uma batalha explícita pelo voto da classe trabalhadora.




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