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TRIBUNA ABERTA | O que quer o Banco Mundial para a educação no Brasil?

quarta-feira 22 de novembro de 2017 | Edição do dia

O Banco Mundial - uma instituição financeira internacional que parasita os países em desenvolvimento por meio de dívidas pagas a juros absurdos - soltou mais um dos seus relatórios “super-científicos”– a ciência que só por um acaso coincide com os interesses dos banqueiros – chamado “Um ajuste justo – Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil” (2017), defendendo políticas privatistas para a educação no país como saída para a crise econômica em defesa de um desenvolvimento mais “sustentável” – sustentável do ponto de vista ideológico de mercado significa uma concorrência “leal e transparente” no mercado mundial, em que o crescimento reflita o rendimento do trabalho e não a transferência direta de renda, ou seja, sem as “distorções” que o estado pode causar por meio de intervenções de muitos tipos, ou seja, sem restrições à exploração privada da mão de obra e dos recursos naturais.

Ater-nos-emos apenas ao tópico relativo à educação. Segundo o relatório, os gastos com educação são muito elevados e os resultados são ineficientes, “as despesas públicas com todos os níveis educacionais aumentaram a uma taxa real de 5,3% ao ano entre 2000 e 2014” (2017) – não deveríamos comemorar por esse crescimento? O Banco Mundial só se lamenta.

Mas o argumento da ineficiência procede: embora o acesso ao ensino básico tenha aumentado consideravelmente nos últimos anos, ainda está longe de ser uma escola pública de qualidade para trabalhadores e estudantes, se comparadas com as escolas particulares mais caras do país. Mas o Banco Mundial não conclui isso, embora parta do mesmo problema da ineficiência escolar, a solução que os agiotas dão são as parcerias público-privadas nas redes básicas de ensino, como já foi defendido em outro relatório da mesma instituição publicado em 2016 intitulado Retomando o Caminho para a Inclusão o Crescimento e a Sustentabilidade - às vésperas do impeachment os financistas já tinham o documento de diretrizes econômicas de ataques à previdência e privatização dos serviços públicos que seriam base para o novo governo que viria de Michel Temer.

No documento lançado agora em Novembro de 2017 revela-se o oculto: junto ao aprofundamento do descarregamento da crise nas costas dos trabalhadores, existe uma política de reorganização da força produtiva no sentido de aprofundar mais sua exploração e “eficiência”. A educação responde estruturalmente por essa demanda do mercado de trabalho. Não à toa a Reforma do Ensino Médio quer disciplinar os conteúdos, engessando o aprendizado ao “essencial”, aumentando as “atividades em sala de aula e reduzindo o absenteísmo (faltas) do professor” (2017) e oferecendo ao aluno “autonomia” suficiente para operar um caixa de fast food, que é o que o aguarda no futuro.

A reforma do currículo das licenciaturas nas universidades que também quer aumentar a “eficiência dos professores” da rede básica combina com o diagnóstico do relatório: “a baixa qualidade dos professores é o principal fator restringindo a qualidade da educação” (2017). A solução para os financistas está em infernizar a vida do professor, “introdução de um bônus por frequência para os professores; melhora dos mecanismos para registrar ausências e presenças; introdução e aplicação de ameaças de demissão por absenteísmo excessivo; introdução de benefícios vinculados à aposentadoria; e publicação de índices médios de absenteísmo nos relatórios de desempenho das escolas.” (2017)

Quanto ao salário dos professores o documento se mostra indignado com “os salários dos professores no Brasil (que) aumentam rapidamente após o início da carreira” (2017). O documento procura solucionar os “altos salários” nivelando por baixo, ou seja, justificando a precarização do trabalho do professor médio dando foco aos dos professores universitários que recebem altos salários, como dá destaque o documento: “enquanto professores do ensino básico recebem salários equivalente em linha com países de renda similar, os salários dos professores universitários parecem estar acima de vários países com renda per capita maior” (2017). É verdade que na universidade pública existem professores ganhando super salários, como na USP professores que recebem mais de 25 mil reais além do lucro de suas próprias empresas privadas. Contudo, os agiotas do mercado financeiro estão pouco preocupados com a valorização da renda dos professores da rede básica de ensino e a melhoria de suas condições precárias de trabalho, nesse sentido não há nenhuma solução no documento.

Na minha breve experiência como professora da rede pública nunca entrei numa sala de aula com poucos alunos, sei que meus colegas professores também nunca presenciaram a situação de cancelar uma aula por falta de alunos, mas a situação contrária, a das salas lotadas, certamente essa vivem cotidianamente. Mas não é assim que entende o diagnóstico dos financistas quando concluem que “a ineficiência dos ensinos fundamental e médio está principalmente relacionada ao número excessivo de professores” (2017). Talvez o governador Geraldo Alckmin possa explicar para nós como fazer esse cálculo das razões aluno-professor (RAP), já que tentou “reorganizar” o ensino médio de São Paulo fechando salas de aula com o mesmo argumento, porque o documento do Banco Mundial mesmo não dá nenhuma pista desse cálculo. Mas a solução para o “problema” está na ponta da língua afiada do agiota: “em grande parte, esse problema poderia ser solucionado por meio da não reposição de parte dos professores que estarão se aposentando em breve.” (2017).

Quanto ao ensino superior o documento denuncia a enorme “injustiça” que é beneficiar os jovens mais ricos que ocupam boa parte das vagas nas universidades públicas, enquanto os mais pobres estão nas universidades privadas. Ora, temos que concordar que se trata realmente de uma injustiça. Mas para solucionar o problema a proposta é: obrigar os ricos a pagar pela universidade pública, que significa: privatizá-la. Mas isso é exatamente o contrário da justiça: limitar ainda mais o acesso que já é muito restrito. O fim do vestibular poderia acabar imediatamente com a contradição da universidade elitista, o acesso universal à educação superior é o mínimo que o estado deveria garantir para melhorar as condições de vida da juventude que luta para se inserir no mercado de trabalho. Isso sem colocar em questão que tipo de ensino das universidades públicas estamos falando, já que os financistas defendem uma “eficiência” maior na universidade pública com seus cálculos racionalizantes, que na prática significa tornar a pesquisa totalmente submetida aos interesses do capital – a Universidade de São Paulo, por exemplo, é uma das maiores pesquisadoras em cosméticos do mundo, enquanto a comunidade São Remo, vizinha da USP, onde moram muitos dos trabalhadores dessa mesma universidade padece de falta de estrutura habitacional, tratamento adequado de lixo e esgoto, educação de qualidade, etc.

Esses relatórios do Banco Mundial nos ajudam a compreender claramente o interesse econômico que se esconde no teatro do mundo político parlamentar brasileiro. No geral, seus apontamentos vêm se constatando na realidade econômica brasileira há anos, pois a lógica privatista dos serviços públicos do país anda a galope já desde o modelo de desenvolvimento econômico petista. Contudo, com o governo Temer essas diretrizes encontram um caminho muito mais pavimentado para a implementação prioritária de “um conjunto de planos e políticas para reformas concretas, bem como de sua viabilidade em um ambiente político fluido e complexo” (2016). Nesse sentido a educação é um fator estrutural na consolidação da reorganização do processo produtivo no Brasil no cenário da financeirização econômica.

O documento do Banco Mundial problematiza a ampliação do acesso à educação, marca do governo petista, questionando a eficiência dessa educação, contudo, é necessário decodificar que, embora a crítica do documento seja coerente – pois, ao que consta, o aumento ao acesso à educação aconteceu em detrimento de uma educação de qualidade e emancipadora efetivamente - as tendências da “eficiência” na educação vão ao sentido de formar um aluno “autônomo”, “inventivo e criativo”, que consiga dar soluções rápidas para problemas, que seja ágil e flexível, em outras palavras, que consiga se adaptar a vários tipos de trabalhos, que possa passear por vários empregos com elasticidade, que se adapte ao mercado informal e free lancer ou até mesmo ao próprio desemprego. Somado a isso se incentiva uma lógica de competição entre os alunos, com bônus e prêmios oferecidos por empresas privadas aqueles que apresentarem melhor desempenho escolar. O interesse dos financistas na educação vai apenas de encontro com a capacitação de mão de obra precária para o mercado em favor de seus lucros, ou seja, a instrumentalização da educação para suprir a demanda pela eficiência da força de trabalho necessária para o plano econômico “sustentável” e “inovador” que defendem.

Os principais argumentos levantados nesse relatório envolverão, portanto, a produtividade “sustentável” da economia, em outras palavras, a apropriação mais rentável e produtiva possível da mão de obra social e dos recursos estruturais e naturais necessários para o “desenvolvimento econômico”, ou seja, o lucro dos empresários. Nesse sentido, a educação é sinônima de capacitação de força de trabalho eficiente. Além disso, a educação se apresenta como importante nicho de mercado – no Brasil estão presentes os maiores monopólios da educação - e por meio das parcerias público-privadas como as Organizações Sociais esse mercado ganha mais previsibilidade do ponto de vista dos investidores financistas. O setor da cultura, onde esses modelos já estão avançados, é curiosamente o laboratório dessa política, combinando três demandas: a arte mercadoria, controle ideológico da juventude e aumento da eficiência da mão de obra barata. Devemos, com isso, preparar uma luta decida contra a reestruturação capitalista produtiva da educação sob a bandeira de uma educação pública, de qualidade e sob controle de estudantes e trabalhadores.

Documentos do Banco Mundial: http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf
http://documents.worldbank.org/curated/pt/686871468197371171/pdf/101431-REVISED-PORTUGUESE-v2-SCD-Sumario-Executivo.pdf




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